O nascimento de um filho mexe com a vida da mulher em vários sentidos. Mas algumas novas mães sentem um impacto maior nessa fase, uma desordem psíquica com sérias consequências se não receber a devida atenção. A chamada depressão pós-parto é mais comum do que muita gente pensa. Só no Brasil, estima-se que atinja 25% das mulheres.
São vários os motivos que podem levar a esse quadro. Sabe-se que ele esbarra em questões sócio-culturais também, como a violência doméstica.
A violência que vem a acontecer durante a vida da mulher, mas principalmente durante a gestação, aumenta muito risco de essa mãe ter depressão após o nascimento do bebê. E ninguém fala sobre isso, alerta a psicoterapeuta Mariane Cordeiro, que é formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atualmente trabalha em Londres. Confira o bate-papo.
A depressão pós-parto é algo muito comum?
Sim. Um estudo da Fiocruz apontou que a depressão pós-parto atinge uma em cada quatro mulheres no Brasil. As estatísticas mundiais mostram que 30 em cada mil mulheres apresentam um quadro de depressão muito severa, quando é necessário haver internação, e 150 a cada mil apresentam um quadro menos grave, mas ainda com episódios de ansiedade importantes e necessidade de intervenção farmacológica.
Mesmo assim, o assunto ainda é cercado de tabus?
Ainda é muito constrangedor para muitas mulheres admitir que têm alguma dificuldade emocional após o nascimento do bebê. Elas se sentem muito cobradas. A sociedade espera que estejam em estado de graça, plenamente agradecidas e felizes. Mas a maioria têm muitas dúvidas nesse período, sofrem com o medo de não estar lidando com o bebê corretamente. Muitas mães sentem uma culpa muito grande por não estarem completamente apaixonadas pelo filho nos primeiros dias após o parto. Não entendem que isso é um processo em construção. Atualmente, a pressão social vai além da cobrança emocional, quando se espera que já saiam lindas da maternidade e retornem ao peso anterior rapidamente, quase como que se ignorando todo o processo físico que essa mulher precisou passar para gerar um bebê.
A maternidade não é fácil...
Não. A maioria das mulheres se prepara para o parto, mas é comum a queixa de que ninguém disse a elas como se sentiriam depois do parto, com o bebê em casa. Por exemplo, 75% das mães vão ter o chamado baby blues, que é uma tristeza leve, uma melancolia adaptativa, que costuma surgir nas primeiras semanas após o nascimento do bebê. A tristeza vai vir, em menor ou maior intensidade, e essa mulher precisará de acolhimento, para ela poder oferecer o seu próprio colo para o bebê.
Como diferenciar o que é depressão?
Existem quatro desordens comuns no pós-parto. O baby blues não chega a ser considerado um adoecimento, como a depressão. Normalmente, os sintomas passam, em média, em até seis semanas. Se continuarem, é hora de procurar ajuda profissional. E há ainda casos de transtorno de estresse pós-traumático, uma mistura de depressão com ansiedade; e de psicose puerperal, quando a mulher pode apresentar uma paranoia muito grande, até com pensamentos persecutórios, como os de atacar o bebê ou fazer algo grave contra si própria, como o suicídio. Algo que pode acontecer na depressão também, caso não seja tratada.
O que se sabe sobre as causas desse problema?
Há questões hormonais envolvidas e também sócio-culturais. Em alguns países da Europa e no Japão, por exemplo, a depressão pós-parto está bastante relacionada ao isolamento das mulheres. São lugares onde a mulher fica muito sozinha, por conta do bebê, enquanto o parceiro trabalha (se houver parceiro), e sem apoio de uma família. No Brasil, a mãe dificilmente está sozinha nos primeiros meses. Todo mundo vai visitar a mãe e o bebê, e é comum os avós estarem presentes. Por outro lado, nota-se que a violência doméstica é um dos fatores que, associado ao isolamento e alterações fisiológicas, desencadeiam a depressão pós-parto em muitos países. A violência que vem a acontecer durante a vida da mulher, principalmente durante a gestação, aumenta muito risco de essa mãe ter depressão após o nascimento do bebê. E ninguém fala sobre isso. No Reino Unido, a mulher, muitas vezes, é tirada de casa, indo para abrigos temporários. Mas qual protocolo seguimos aqui no Espírito Santo, por exemplo? Para onde a mulher vai ser levada com esse bebê? Qual rede de apoio profissional ela será inserida? Esse é um assunto muito complicado e diretamente relacionado com a mudança das políticas publicas de saúde mental.
Como funciona o serviço de atendimento às mães aí no Reino Unido?
Aqui temos uma modalidade fundamental de atendimento às mulheres com casos de depressão pós-parto severa e psicoses. É uma unidade de internação hospitalar, um ambiente extremamente humanizado, onde a mãe pode ficar de uma a 12 semanas com o bebê, com atendimento multidisciplinar, incluindo psicólogos, psiquiatras, pediatras, enfermeiras e terapeutas ocupacionais. Há casos de mães que estão tão adoecidas que a família será inserida na unidade, ajudando diretamente no cuidado da díade, e no estabelecimento e manutenção do vínculo mãe-bebê.
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