Aos 81 anos, Penha Lima Corrêa tem várias paixões na vida. A primeira é por gente. A segunda, por festas, algo que faz há 38 anos. A paixão mais fulminante, porém, é por si mesma. “Com todos os defeitos, eu me amo. Antigamente achava que era excesso de vaidade. Porém cheguei a conclusão que, quando a gente se gosta, tudo em volta minimiza”.
Tanta sabedoria gera vitalidade. Mesmo octogenária, Penha trabalha todos os dias, vai a eventos, cuida dos afazeres da casa afirma com todas as letras que não pretende parar tão cedo. “Vou chegar aos 100 anos, sem dúvida”, garante sem pestanejar. Penha não está sozinha. Cada dia é maior o número de pessoas que tem tudo para chegar aos 100 anos. E é bom que fique claro: para elas não basta apenas chegar, é preciso ser centenárias com disposição e com saúde.
A verdade é que nunca vivemos tanto. A expectativa de vida do brasileiro hoje é, segundo o IBGE, de 72 anos e 5 meses para os homens e 79 anos e 4 meses para as mulheres. Na Europa passa dos 80 e não é raro ver velhinhos de mais de 90 anos ativos nos países desenvolvidos. As conquistas da medicina favorecem a longevidade da população e a ciência atual adianta que poderemos viver 115 anos, baseado na relação cérebro/ corpo. “Hoje idade cronológica não tem mais a relevância passada. O que importa são a manutenção da vitalidade, cognição e capacidade de aprender e resolver problemas”, explica Ariadne Basseti, médica especialista em cirurgia vascular e medicina integrativa.
Ela explica que no começo do século 19 as principais causas de morte eram a pneumonia, a gripe, a diarreia e doenças infecciosas, enquanto no início do século 20 enfrentamos uma avalanche de infartos, ataques isquêmicos e câncer. “São nessas doenças que devemos intervir, orientando e diminuindo riscos, pois são a alimentação inadequada, a obesidade, o sedentarismo e o tabagismo os maiores vilões destas doenças. A genética responde por 15%. Nestes 85% restante nos devemos intervir e orientar nossos pacientes”, diz Ariadne.
Avanços significativos para a medicina do futuro também já estão sendo apresentados. “Desde o mapeamento do genoma humano muito tem sido realizado no sentido de entender porque alguns adoecem, enquanto outros mantêm a saúde ao longo da vida. Neste sentido, a Epigenética (estudo das mudanças hereditárias na expressão gênica que independem de mudanças na sequência primária do DNA) tem avançado junto a nutrigenética para entender o papel dos alimentos e do ambiente na nossa expressão gênica. Além disso, a imunoterapia tem revolucionado o tratamento dos cânceres com medicamentos cada vez mais específicos e, finalmente, a valorização do intestino como principal fonte de inflação. Sem esquecer a valorização da atividade física e do sono”, explica Ariadne.
Balé aos 81
Penha Lima Corrêa valoriza. As duas coisas. Tanto que desde o ano passado voltou a frequentar as aulas de balé. “Tô amando! Sou uma bailarina frustrada, já que comecei a dançar em 1953. Faço uma hora de aula, duas vezes por semana, com todos os movimentos, e isso faz bem para a minha alma. Esse ano quero dançar no Theatro Carlos Gomes”, conta entusiasmada.
Tanta disposição (e saúde), ela herdou da mãe. O DNA da família é forte. “Mamãe sempre foi ativa, atenta aos detalhes e com uma saúde muito boa. O que acabou com ela, que morreu com 100 anos e sete dias, foi a depressão depois da morte de papai. Depressão eu não tenho!”, gosta logo de avisar. Penha diz confiar muito em sua saúde. “Não tenho nem dor de cabeça. A única coisa é que o pé às vezes reclama, mas também, olha o ‘saltinho’”, mostra ela, referindo-se ao salto 12 cm que usava no dia da entrevista.
Casada há 58 anos com Jorge Corrêa, mãe de quatro filhos, avó de cinco netos, ela tem uma alimentação normal. Só não exagera no chocolate, seu ponto fraco. “Controlo para evitar problemas”. Também não pensa em parar de trabalhar, cuidando das festas que acontece em seu cerimonial. “Pode ser até que precise, mas não faz parte dos meus planos”, diz rindo. Certo mesmo, em seus planos, está a festa de 100 anos. “Sou uma sonhadora, adoro a vida e tudo que tenho. Na festa só não vai poder faltar a bengala, mas quero uma bem chique, que seja a atração da comemoração”, diz, rindo.
Medicina personalizada
O geriatra Roni Chaim Mukamal explica que cada vez mais a medicina irá incorporar tecnologias que vão ajudar bastante a cuidar dos idosos, controlando melhor as doenças com artifícios que vão desde o emprego de remédios específicos até o que os médicos chamam de Medicina Personalizada, em que o paciente terá um remédio que vai agir melhor de acordo com o seu organismo. “Os dispositivos de tecnologia vão nos ajudar a identificar mais cedo quando as doenças estiverem surgindo ou quando estiverem descompensadas, orientando-nos para quando realmente for preciso procurar assistência médica”, detalha.
Mukamal diz ainda que a tecnologia também vai facilitar a aproximação do paciente com o seu médico. “A Telemedicina, que já está sendo discutida no Brasil, traz a ideia de estabelecer uma relação de orientação, fornecer informação e atenção ao paciente e não apenas prescrever remédios e exames. Outra questão quando se fala de tecnologia são os recursos de espectro hospitalar, que estão sendo cada vez mais levados para as casas dos pacientes, tornando os idosos mais independentes. Graças a eles, pacientes com necessidades específicas são atendidos dentro de suas residências. Esses dispositivos tiram o paciente do hospital e o deixa dentro de sua casa, com mais conforto e monitoramento”.
Força muscular
O envelhecimento traz uma série de mudanças fisiológicas que comprometem a saúde e a qualidade de vida, como a perda de músculos, diminuição da memória e falta de equilíbrio. No entanto, é possível prevenir muitas doenças e reduzir os efeitos negativos que o organismo sofre com o passar dos anos ao adotar um estilo de vida saudável e, principalmente, ativo.
“A falta de atividades físicas acelera o processo de sarcopenia, que é a perda da massa muscular e por consequência perda de força, qualidade física que é extremamente importante para a autonomia do idoso. Por isso, é tão importante se exercitar em qualquer idade da vida, mas principalmente quando se é idoso. A prática regular de atividades físicas promove o fortalecimento da musculatura, melhora do equilíbrio e da estabilidade postural, reduzindo assim o risco de quedas, tão comum na terceira idade levando a perda da qualidade de vida, muitas vezes”, explica o educador físico Fernando Padilha.
Apaixonado por esporte há anos - já praticou jiu-jitsu, remo, ciclismo e natação - o aposentado Jonas Ferreira, 84 anos, frequenta a academia regularmente. “Vou de segunda a sábado, sempre fazendo exercícios acompanhado da personal trainer, para evitar qualquer movimento errado. Na minha idade ganho em qualidade de vida. Não tenho gordura na barriga e estou sempre disposto”, conta ele, pai de quatro filhas, avô de 10 netos e bisavô de 11 bisnetos. “São a minha alegria”.
Ele também conta que tem um cuidado especial com a alimentação. Arroz integral, salada e filé de frango costumam estar presentes nas refeições prescritas pela nutricionista. Além das frutas, consumidas geralmente pela noite, ele costuma tomar uma vitamina de ameixas com mamão papaya. “Não deixo de tomar”, conta ele, que adora jogar sinuca no pós-almoço e não abre mão de se reunir com nove amigos para uma confraria. “Acontece toda última terça-feira do mês, na minha casa. Compro os petiscos, separo as coisas para o almoço e preparo o vinho. Adoro uma tacinha. Fazer essa reunião é uma terapia para mim, eles só me fazem o bem”, conta.
Alimentação individualizada
Estudos recentes mostram a relação da medicina funcional dos 100 anos com a alimentação. Cada vez mais será importante individualizar o tratamento. “Nem todas as pessoas aceitam bem qualquer tipo de alimento, ou respondem da mesma forma a suplementos ou a determinadas dietas, o que deve gerar bem estar, longevidade ou ganho de saúde”, explica a nutricionista Roberta Larica.
Ela ressalta ainda que, quando se fala em nutrição funcional, a forte tendência no meio científico é buscar uma alimentação que seja específica para o perfil genético. “Hoje 80% das chances de desenvolver uma doença tem influência dos fatores externos. Por isso, exames genéticos são capazes de avaliar a saúde e a qualidade de vida”, diz Roberta.
Viajar rejuvenesce
Os brasileiros com mais de 50 anos, que serão a próxima geração de idosos, já mostram planos mais ousados para o futuro. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, 52% deles pretendem viajar mais, 38% querem empreender e 20% ainda querem voltar a estudar, mostrando uma mudança gradual de comportamento.
Aos 60 anos, a empresária Lourdes Ferolla Leandro faz parte desta geração cheias de planos. Participou de uma pós-graduação aos 50 anos, iniciou o curso de teclado ao 53 e acaba de voltar de uma viagem pela Ásia com a filha. “A partir dos 40 fiz a opção de chegar aos 100 com qualidade de vida. Por isso, planejei academia para reforço muscular e cuido mais da alimentação mantendo os prazeres dos sabores”, conta.
Ela conta que também intensificou a relação com a comunidade em que está inserida. “Comecei a me envolver como voluntária em algumas ações, e tento o caminho de ativista social. Atualmente estou envolvida com empreendedorismo, ambiente empresarial nos bairros Jardim da Penha, Praia do Canto e Jardim Camburi, com seus problemas de segurança, pessoas em situação de rua, lixo e comércio irregular”.
Lourdes tem uma rotina diária ativa. Pela manhã faz os exercícios físicos, prepara a alimentação e tem o contato com os filhos, família e amigos. A tarde é dividida entre as tarefas da empresa e as ações que está envolvida. Também participa de cursos, reuniões e palestras. É nesse ritmo que ela planeja se tornar uma mulher centenária. “Faço um check-up anual, além de acompanhamento ortomolecular. Também passei a intercalar a moradia de Vitória com Santa Teresa, onde fico três dias da semana e onde aprendi a gostar de trabalhar com plantas ornamentais e hortícolas. E tomei uma decisão: só leio livros, jornais, artigos e textos de coisas boas; só assisto filmes e reportagens de notícias positivas. Evito pessoas, diálogos e debates negativistas”.
A empresária também voltou a amar. Há 10 anos ela começou a namorar e diz que esse encontro foi uma ‘conspiração’ do universo. “Nos conhecemos na varanda de um restaurante. Foi no momento em que nós dois estávamos prontos. É a minha melhor companhia, uma maturidade no amar”, conta.
Tão animada com a vida, ela também já planeja a sua festa de 100 anos. “Os amigos mais próximos já estão convidados. Será um ‘encontro’ na casa de Santa Teresa, com pessoas queridas, música boa, gostosuras locais. As surpresas vão aparecendo com o tempo. Ainda tem 40 anos para surgirem ideias desafiantes”, conta, rindo.
“Beautification” é o conceito da vez
A dermatologista Ana Paula Galeão diz que viver até os 100 anos já é uma realidade. E que, no futuro bem próximo, com o avanço da medicina, será cada vez mais comum alcançar essa faixa etária. ”Para aproveitarmos a longevidade plenamente temos que cuidar do nosso corpo, mente e espírito. Talvez a grande vantagem de uma vida longeva seja a possibilidade de trabalharmos melhor nossas emoções”, diz.
E para envelhecer de forma harmônica, já é utilizado na área da dermatologia o conceito de Beautification, que está relacionado à simetria e à proporção que envolvem a matemática da beleza. “O método soft beautification procura intervir de maneira suave, gradual e, principalmente, individualizada, em cada uma das camadas que compõem a face de modo que elas permaneçam fisiologicamente no auge de sua função, sem mudanças radicais, abruptas ou que transmitam artificialidade”, ressalta. A médica explica ainda que os procedimentos são minimamente invasivos, para manter e restaurar o equilíbrio entre as estruturas que formam o rosto. “Não buscamos a juventude eterna e nem tampouco uma aparência artificial, e sim estar bem com a idade que temos”.
É até os 25 anos que temos um superávit de colágeno e a partir dessa idade, se nada for feito, progressivamente vamos perdendo essa importante proteína de sustentação da pele.
É PRECISO PLANEJAR
Ainda não é um hábito planejar a velhice enquanto se é jovem, para passar por essa etapa da vida de forma saudável, ativa, independente e equilibrada. O psicólogo Gustavo Souza explica que esse seria o comportamento indicado, mas, em sua experiência de 10 anos lidando com idosos, ele percebe que a maioria não esperava chegar à idade que tem e não planejou o futuro.
“Pensar na velhice se é novo não é corriqueiro, mas não precisa ser negativo. Ao mudar essa cultura, trabalhando-a do ponto de vista positivo, diminuímos as chances de sermos idosos passivos, para sermos protagonistas também na velhice”.
O primeiro passo é pensar em quanto se pode viver, levando em conta a expectativa de vida da população e características pessoais e familiares. “Quando se tem um norte, prepara-se para chegar lá. Se penso em viver 95 anos, tenho que entender que uma boa parte da vida será desfrutada como idoso. Planejar esse período vai além da questão profissional, econômica e financeira, envolve saúde, relacionamentos, espiritualidade, social”, explica.
Produtividade
A vida produtiva não é a única vida que se tem, por isso é preciso se preparar para parar de produzir no sentido formal. Quando se é idoso, a produtividade é reduzida, até chegar ao encerramento da carreira. Segundo Gustavo, isso não significa que o indivíduo se tornará inútil. Pelo contrário, ele poderá desenvolver habilidades ou resgatar antigas práticas, mantendo-se ativo. Nesse aspecto, muitos optam por trabalhos voluntários, alguns dão palestras, integram-se a uma entidade filantrópica. É possível pensar desde jovem o que poderá estar ao seu alcance de executar quando mais velho.
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Ele também ressalta que uma velhice saudável se constrói na infância, na juventude e quando adulto, e não ao se tornar idoso. “Quem quer ser ativo e saudável mais tarde precisa ter bons hábitos cedo, além de fazer checkups médicos anuais”.
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