Menstruação, menstruar, sangue menstrual. Até hoje esses termos podem remeter a algo ruim para muitas mulheres, que sofrem com enxaquecas, cólicas, e ainda com o tabu do sangue, muitas vezes interpretado como algo sujo que não deveria existir. Mas mesmo com a evolução da tecnologia, filosofias ancestrais renascem com o intuito de resgatar o poder e a importância desse ciclo para o corpo e a mente femininos, mostrando que o sangue é algo saudável e que o período de menstruação é um momento de acolhimento, cura e renovação da mulher.
Por definição no dicionário, a menstruação é o “fluxo de sangue e restos de mucosa uterina periodicamente eliminados pela vagina, nas mulheres não grávidas, entre a puberdade e a menopausa”. Em outras palavras, é a descamação das paredes internas do útero quando não há fecundação, pois o corpo feminino se prepara para a gravidez, e quando ela não acontece, o endométrio (membrana interna do útero) se desprende, o que quer dizer que o fluxo menstrual é composto por sangue e tecido uterino.
Apesar das definições biológicas do que acontece no corpo da mulher, filosofias ancestrais acreditam que esse período representa não só a fertilidade, mas também um momento de transformação, cura emocional e a criação da mulher. Segundo Vanessa Pantaleão, coach de reconexão com o feminino, hipnoterapeuta e terapeuta de alinhamento intuitivo, a menstruação é o símbolo do sagrado feminino e através dela é que nós, mulheres, reafirmamos todos os meses a capacidade de gerar vida e nutrí-la. “Há cerca de 3 mil anos atrás quando nossas ancestrais menstruavam, elas ficavam recolhidas todas juntas em uma ‘tenda vermelha’, e lá compartilhavam suas intuições. Assim permitiam curar emoções de toda a tribo. Quando essas mulheres saiam de lá, devido à grande capacidade de intuição, conexão espiritual e visão nesse período, compartilhavam tudo com os homens para que estes executassem suas ideias”, relata Vanessa.
O resgate de algumas práticas ancestrais relacionadas ao período menstrual é bem atual, pois tem o objetivo de incentivar mulheres a rever o modo como lidam com seu sangue, além de entender o que se passa no seu próprio corpo durante cada fase desse período. A naturóloga e facilitadora da ginecologia natural Ana Arruda acredita na menstruação consciente, e defende que o termo vai além do ato de menstruar, mas compõe um entendimento real sobre todo o ciclo feminino: desde a pré ovulação, até o primeiro dia da próxima menstruação. “A menstruação consciente vem como uma ressignificação do menstruar, deixando claro que o sangue não é algo sujo ou impuro, e fazendo com que as mulheres passem a gostar de menstruar e encarem período como bem vindo”, completa a naturóloga.
Um ponto importante em diferentes filosofias é a ciclicidade, ou seja, entender que a menstruação faz parte de um ciclo (que dura o “tempo todo”), composto por 4 fases: pré ovulação, ovulação, pré menstrual e menstruação. Compreendendo melhor isso, Ana Arruda explica que é possível vivenciar naturalmente as emoções de cada fase. “No pré menstrual é o momento de limpeza e de trabalhar esses sentimentos. Já a menstruação é um momento de extrema profundidade e recolhimento. No pré ovulatório, a energia está voltando ao corpo, então vamos pro mundo, realizamos. E no ovulatório há o sentimento da fertilidade, da potência, não só sexual como para tudo: trabalho, decisões, etc... E depois me recolho e preparo novamente para a menstruação”, esclarece a naturóloga.
Ana avalia que uma mulher que conhece o seu ciclo também conhece o seu corpo e as suas emoções. Segundo ela, todo esse processo traz uma consciência e poder pessoal, fazendo com que as mulheres fiquem mais fortes, menos dependentes nesse período e mais conectadas com elas mesmas, deixando muitos padrões antigos para trás. “Quando eu conheço de verdade o meu ciclo menstrual, eu paro de me identificar com padrões e passo a me usar como um ponto de referência”, avalia a naturóloga, que complementa: “Isso faz com que as mulheres tirem um peso delas e passem a perceber que algumas demandas são impostas sociais e culturalmente”.
Para a terapeuta ThetaHealing e gestora ambiental Luiza Faresin, a sua menstruação hoje é vista como um momento de purificação, e muito autoconhecimento. “Isso faz com que eu me sinta viva, parte desse corpo de mulher. Dessa forma, ressignifico essa sacralidade (a menstruação) e as infinitas possibilidades que isso me proporciona. Deixo de lado essa sociedade onde o sangue ainda é velado e visto como algo ruim”, explica Luiza.
“É uma nova realidade em que o feminino não é calado, e essas mudanças internas vão afetar tudo e todos ao nosso redor”, complementa ela.
BENÇÃO DO ÚTERO
Seguindo essa linha de pensamento, um movimento mundial tem conectado mulheres de todo o mundo: a “Benção do útero”. Criado em 2012 pela escritora e terapeuta espiritual britânica, Miranda Gray, trata-se de um ritual que se classifica como uma terapia holística (forma de terapia que busca agregar mente, corpo, emoções e espírito), e que tem como objetivo trazer uma atenção especial ao útero como um lugar de criação e fonte de sabedoria.
“Existem bençãos mundiais e coletivas que acontecem ao longo do ano e conectam mulheres do mundo todo. E as mulheres iniciadas pela Miranda Gray também podem realizar atendimentos de benção do útero de maneira individual”, ensina Luiza Faresin.
PLANTAR A LUA
Já o ritual conhecido como plantar a lua é um dos mais conhecidos e polemizados atualmente. Luiza explica que ele se caracteriza pela reconexão do sangue com a terra.
O ato se baseia em coletar o sangue menstrual - através de coletores ou absorventes de pano -, diluí-lo em água e regar a terra com ele.
O movimento cresceu tanto que ganhou até um dia, 4 de agosto, quando é comemorado o Dia Mundial do Plantar a Lua. Data essa que foi iniciada por Morena Cardoso, através do site “Danza Medicina”.
A artesã de cosméticos naturais, Larissa Firme, 26, mudou completamente a sua relação com sua menstruação há 6 anos, quando parou de tomar anticoncepcionais. Alguns anos depois, trocou os absorventes descartáveis pelos de pano e logo depois para o coletor menstrual. Hoje, Larissa planta a sua lua e se diz apaixonada pela menstruação, pois a encara como um período de renovação, tanto física quanto emocional.
Larissa explica que começou fazendo pesquisas sobre o assunto e depois parou para observar em qual lua a sua menstruação vinha, e também passou a anotar tudo. “Planto todos os dias, ao longo do ciclo. Diluo uma parte de sangue para 10 de água. Depois jogo na terra e vou agradecendo pelo ciclo que passou, e a tudo o que a natureza me oferta”, disse a artesã.
“Eu abracei a minha menstruação e o meu ser mulher, pois acolhi tudo o que ela me traz de bom. É um momento de me avaliar e me renovar”, explica Larissa, que desenvolveu, com sua irmã Ariane Firme, um bálsamo de óleos essenciais que ajuda no alívio de cólicas e no equilíbrio hormonal nesse período.
Após dar à luz ao filho, hoje com 1 ano e 10 meses, a artesã avalia que percebeu ainda mais o valor do seu útero para o corpo. “O útero e a menstruação são sagrados pra mim, pois percebi como o útero foi capaz de acolher e gerar, por isso gosto de cuidar e entender sempre mais”, finaliza.
“PASSEI A AMAR MINHA MENSTRUAÇÃO E A OLHAR PRO CÉU”
Ao contrário de muitas meninas, a estudante de letras Livia Guimarães, 29, ficou feliz quando menstruou pela primeira vez. E, segundo ela, ligou para vários familiares para dizer que tinha “virado mocinha”. “Durante um bom tempo esqueci como havia sido esse dia, pois sempre senti muita cólica, as vezes indo parar até no hospital. Detestava quando ficava menstruada”, lembra Lívia.
Em 2016, ela começou a fazer um resgate interno de autoconhecimento, até que essa jornada a levou ao Sagrado Feminino. “A partir de então melhorei a relação com o meu corpo, e passei a entender melhor como ele funcionava. E isso fez toda a diferença na minha menstruação - que agora chamo de lua”, conta a estudante que parou de tomar anticoncepcionais em 2015.
A percepção dela sobre o próprio sangue menstrual mudou. Hoje, ela acolhe o seu período menstrual assim como fez com sua menarca, e acredita que o útero é um local de conexão entre mulheres, histórias e continuidade de vida. Para entender melhor como seu corpo e suas emoções reagem - junto com a lua - nesse período, Lívia usa a mandala lunar e anota nela todos os seus ciclos e padrões hormonais.
Quando sabe que sua menstruação está para vir, ela toma alguns cuidados: “Evito pegar friagem nos pés, bebo muita água, mantenho a região abdominal aquecida com bolsa de água quente, tomo chás e evito cafeína. E se a cólica prevalecer, mesmo depois de todos esses cuidados, eu tomo um remédio para aliviar a dor”, completa.
Para Lívia, a conexão da mulher com próprio corpo vai além e significa a desconstrução de padrões impostos pelo patriarcado na sociedade. “Externamente, nós, mulheres, passamos a cuidar melhor da nossa saúde e pesquisar formas mais alternativas e ecológicas para nosso período menstrual. E ao mesmo tempo questionamos as regras impostas, quebramos tabus e mostrando nossas reais necessidades”, finaliza ela.
“APRENDI A LIDAR COM ESSE MOMENTO SEM CRÍTICAS”
A designer gráfica Sara Barahona, 25, também se lembra da sua menarca, e diz que achou “super estranho” por não saber o que fazer na hora, e também por ter vergonha de comprar absorvente. Ela conta que a sua relação com a menstruação só mudou quando entrou na universidade, pois lá teve contato com diferentes visões de mundo. “Quando conheci melhor o feminismo, conheci também o coletor menstrual, e aí minha visão do meu próprio sangue mudou completamente. Passei a enxergar esse período como algo positivo”, explica.
Sara também conheceu o sagrado feminino, e com ele aprendeu a gostar do seu ciclo. “Antes eu tinha problemas com minha imagem, queria seguir padrões e não gostava do meu corpo. Depois que mudei minha forma de lidar com a menstruação, e de ver o meu corpo, meu sangue parou de ser um problema, e se tornou algo natural”, diz Sara, que complementa: “A gente acaba aprendendo a lidar com esse momento sem fazer tantas críticas a si mesma ou a outras mulheres”.
Sara faz uso da pílula anticoncepcional, e diz que um dia talvez tenha vontade de parar, mas por enquanto isso não a incomoda, pois se sente melhor e mais segura com a contracepção. “Acredito que cada um faz com o seu corpo o que acha melhor. Isso funciona pra mim. Mas o mais importante é que quanto mais a gente se aceita, mais os outros vão nos aceitar. Principalmente os homens, já que a sociedade ainda é muito machista”, relata a designer. “Temos que aprender a falar: ‘é o meu sangue e quero estar em contato com ele’”, conclui Sara.
“AMO O MEU SANGUE”
Quando ficou menstruada pela primeira vez, a bióloga Ingrid da Hora, 26, sentiu um grande desconforto, e achou aquilo nada agradável. “A gente menstrua, sangra e não sabe muito bem o que aquilo é”, diz Ingrid.
Mas há 5 anos, em uma viagem, ela também conheceu o sagrado feminino, e a partir daí passou a compreender mais sobre os aspectos emocionais da menstruação. Hoje ela planta a sua lua, e afirma que nesse período tem mais compaixão consigo mesma. “Esse momento é quando eu quero silenciar o externo, e me ouvir”, confidencia ela. Que completa: “Acho fundamental esse meu recolhimento, pois já que meu útero está descamando tenho que dar ao meu corpo esse descanso”, afirma a bióloga.
Ingrid tomou anticoncepcionais por poucos meses durante a sua adolescência, pois nunca sentiu cólicas, dores de cabeça, ou outros desconfortos. Ela conta que tem o ciclo bem regulado, e de acordo com as fases da lua.
Para ela, a sua menstruação é digna de celebração. “Por eu ser bióloga, entendo que na natureza é um eterno ciclo de ‘vida, morte e vida’. E a gente enquanto sociedade sempre celebramos a vida, mas porque não celebrar esse momento? que é de deixar ir, deixar morrer, e estar abrindo espaço para o novo chegar”, questiona. “Amo o meu sangue, ficar menstruada, ser mulher, ser cíclica, me respeitar, e me sentir poderosa por ser o que eu sou e, amo principalmente, seguir a minha própria natureza”, finaliza Ingrid.
“QUERO CRIAR MINHA FILHA SEM 'NEURAS' QUANTO A ISSO”
Para a empresária Laila Castiglioni, 36, sua menarca foi tranquila, já que sua mãe havia conversado sobre o tema, e explicado o que era a menstruação. Mas depois, na adolescência, Laila passou a encarar essa fase como algo difícil, e tomou anticoncepcional por anos. “Quando era jovem sempre via minhas amigas reclamando, achando ruim o fato de menstruar e acabei entrando na onda. Infelizmente é uma cultura”, lembra ela.
Porém, depois de parar com o anticoncepcional, Laila conta que a maior parte dos efeitos colaterais da sua menstruação ocorriam devido ao remédio. Hoje, ela diz que se sente grata, e avalia que sua menstruação é um sinal de saúde do corpo. “Ela é o sinal da minha saúde como mulher,da minha fertilidade e meu ciclo”, conta a empresária.
Laila ainda revela que depois de se tornar mãe, esses sentimentos se potencializaram. “E como mãe de uma garotinha, faço questão de criá-la sem neuras em relação a isso. Quando ela viu a minha menstruação, por exemplo, eu não disse que estava doente nem que era sujo, pois assim acredito. E quero que ela tenha uma boa relação com isso, assim como a minha mãe me ensinou”, relata ela. Laila ainda diz que sempre faz um convite as mulheres para se empoderarem com relação ao sangue menstrual: “É importante deixar de lado o preconceito e buscar sua conexão com esse ‘sangue Sagrado’ que tem tanto a nos ensinar”, finaliza Laila.
A PRIMEIRA MENSTRUAÇÃO
Vanessa Pantaleão, coach de reconexão com o feminino, explica que além de toda essa aceitação do ato de menstruar, e do sangue, o ideal é ensinar as meninas, desde pequenas, que esse período não é motivo de vergonha e perpetuar esse ensinamento. “A primeira coisa que deve ser ensinada, ainda na menarca, é que o nosso sangue é limpo e puro. E dizer: ‘isso é lindo e é seu’”, avalia Vanessa. “Se isso fosse ensinado para as mulheres, elas com certeza cresceriam se aceitando mais, e com muito menos problemas”.
AUTOESTIMA
Hoje em dia, com longas escalas de trabalho, muitas mulheres se sobrecarregam. E, de acordo com Vanessa, a negação da menstruação só tende a prejudicar ainda mais essa relação de trabalho, corpo e mente. “Muitas mulheres não querem aceitar que ficam diferentes nesse período, com menos energia, mais introspectivas, e mais sensíveis. Querem dar conta de tudo e quando não conseguem, se sentem frustradas e a auto-estima cai”, avalia a profissional.
“Por isso, a mulher deve respeitar os limites do próprio corpo nesse momento. E quando isso acontece, aquela concepção do patriarcado de que as mulheres estão ali apenas para gerar vida se perde, e a menstruação, entendida como um momento sério, de formação de ideias, se transforma em um canal aberto de energias”, finaliza ela.
A MANDALA LUNAR
LEIA E ASSISTA
“Lua Vermelha: as energias criativas do ciclo menstrual como fonte de empoderamento sexual, espiritual e emocional”
No livro, a autora Miranda Gray traz a sabedoria do sagrado feminino para mostrar às mulheres modernas como elas podem aceitar os seus ciclos e se reconciliar com todos os aspectos da feminilidade. E faz isso, explorando arquétipos da menstruação e da condição feminina contidos em simbologias, como mitos, lendas e contos de fadas. A autora também traz métodos e exercícios para que a mulher entre em sintonia com o seu ciclo menstrual, e assim impulsione a criatividade, viva a sexualidade e aceite as mudanças naturais do seu corpo e da sua vida.
“A tenda vermelha”
A série do Netflix teve origem no livro (de mesmo nome), de Anita Diamant, e traz um relato da vida de Dinah, filha de Jacó, o terceiro patriarca do Velho Testamento. Além disso, o romance revela as tradições e turbulências de ser mulher na antiguidade. E a tenda vermelha era o lugar em que as mulheres se reuniam durante seus ciclos de nascimento e menstruação ou quando estavam doentes.
“Absorvendo o tabu”
Vencedor do Oscar em 2019, na categoria de “melhor documentário de Curta-Metragem”. O curta retrata a realidade de mulheres em regiões precárias da Índia e como elas lidam com a menstruação, que é um estigma. O curta também foca na história de um grupo de mulheres que produzem absorventes de baixo custo na região - algo que gerou uma revolução em seus modos de vida.
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