O médico Wanderson Gonçalves, 34 anos, está desde o início da pandemia trabalhando na linha de frente contra o coronavírus. Mas no início do mês ele tornou-se mais uma vítima da Covid-19. "A gente vive diariamente com medo porque convive 24 horas com paciente testado positivo. Os cuidados também são redobrados, mas mesmo assim fui contaminado", conta.
Ele, que trabalha em três hospitais da Grande Vitória, começou a passar mal no dia 2 de agosto, após um plantão cansativo. Ficou em isolamento em casa, foi internado na UTI de um hospital particular e só conseguiu respirar com a ajuda de uma máscara com ventilação não invasiva. Em nenhum momento Wanderson pôde receber a visita dos pais ou da irmã. Seis dias após receber a alta, ainda tendo dificuldade inclusive de ficar em pé, ele relembra os piores momentos dentro do hospital. Confira:
Quais foram os primeiros sintomas?
Estava trabalhando normalmente todos os dias no hospitais em que atuo. No domingo, 2 de agosto, comecei a passar mal no plantão. Um quadro de febre e cansaço. Saí do trabalho e fui direto para o hospital ser consultado. Fiz a tomografia e ali mesmo foi diagnosticado que já tinha um foco do vírus no meu pulmão. Me afastei por 14 dias e fiquei sozinho, em total isolamento, dentro de casa.
Quando a situação piorou?
No dia 13 de agosto, quando estava terminando o período de isolamento, comecei a complicar. Sentia muita falta de ar e a minha saturação (que é o nível de oxigênio no sangue) começou a cair. A febre não cessava. Até que a saturação chegou a 80 e o ideal é acima de 95. Voltei para o hospital e fui levado direto para a UTI, onde fiquei durante cinco dias.
Como é ficar na UTI totalmente isolado, sem contato com ninguém?
É bem angustiante. O meu procedimento foi o mesmo que o cantor sertanejo Cauã estava tendo. Fiquei com uma máscara com ventilação não invasiva que parece uma máscara de mergulho (o suporte melhora os níveis de oxigenação e diminui o desconforto respiratório, evitando, dessa forma, a necessidade de intubação). Fiquei quatro dias totalmente dependente do aparelho e é uma angústia muito grande. Quando eu tirava a máscara, não conseguia respirar. Vinham mil pensamentos na cabeça e um deles era: 'será que eu vou sobreviver?'. Também sentia uma pressão muito forte no peito, parecendo que uma pessoa tinha sentado nele.
Wanderson Gonçalves
Médico
"Vinham mil pensamentos na cabeça e um deles era: 'será que eu vou sobreviver?'. Também sentia uma pressão muito forte no peito, parecendo que uma pessoa tinha sentado nele."
Ser médico nessa situação é pior?
Por conhecer a evolução da doença, a angústia era ainda maior. Sabia o que podia acontecer ou não. Isso piora a situação. Se fosse uma pessoa leiga talvez não sofresse tanto psicologicamente. Durante o tempo que fiquei internado, a sensação era de que eu não ia passar para o outro dia.
E seus pais, que estavam no interior, como ficaram?
Meus pais vieram para minha casa, em Vitória. Como estava na UTI, não podia receber visitas, então o único contato era através do boletim médico que saía às 10 horas. Eram 23 horas do dia acoplado ao aparelho respiratório, e só conseguia ficar uma hora sem, que era o momento da comida. Quando fui transferido para o quarto, só conseguia fazer videochamada de 10 minutos. Para minha mãe também foi horrível, ela sofreu muito. Sabia que eu estava acompanhando essa doença desde o início, o tanto de pacientes que acabei perdendo... a sensação é que eu não ia aguentar. E o médico foi muito claro com ela, dizendo que meu estado era muito grave.
Qual foi o pior momento?
Os três primeiros dias foram os mais angustiantes da minha vida. Achava que não iria sobreviver às próximas 12 horas. Não conseguia respirar. Um técnico de enfermagem ficou 24 horas do meu lado, eu estava com 65% do pulmão acometido. A sensação era de que eu só precisava escrever algo para meus pais, porque não ia conseguir me despedir. Só queria escrever uma carta, mas não tinha força para segurar uma caneta.
Wanderson Gonçalves
Médico
"Nos três primeiros dias internado, não conseguia respirar. Um técnico de enfermagem ficou 24 horas do meu lado. Achei que não fosse sobreviver"
Como você está hoje?
Não estou 100%. Faço fisioterapia todos os dias e isso vai durar mais duas semanas. Fiquei com algumas sequelas, com qualquer esforço vem o cansaço. Não consigo ficar muito tempo em pé. Voltei a trabalhar no último domingo à noite, mas com muita cautela. O ritmo diminuiu bastante. Estou indo com muita calma priorizando a minha recuperação.
O que aprendeu com a doença?
Não é uma doença fácil ou uma gripezinha, é muito mais grave. A palavra para definir a doença é: desesperadora. Você realmente não sabe se vai sobreviver ao vírus.
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