Todos os dias, por volta das 9 horas, sai a primeira fornada de pães feitos por Patrícia Santos Neves. Eles chegam na prateleira com aquele cheiro irresistível e o créc da casca crocante combinada ao miolo leve e azedinho.
Foi durante uma temporada na Itália, em 2015, que a capixaba se apaixonou pelo universo da panificação. Lá, fez curso de especialização em cozinha italiana, no Italian Culinary Institute for Foreigners (ICIF), e logo depois um estágio no restaurante I Caffi. “Eu sempre gostei de pão, mas nunca tinha trabalhado com isso até ir para a Itália. No restaurante que trabalhei lá, a gente fazia bastante como entrada. Foi assim que conheci a fermentação natural e me apaixonei”.
Patrícia não é a única apaixonada, ela faz parte de uma nova fornada de padeiros que fez do pão artesanal a febre do momento na Grande Vitória. Gente com mãos talentosas, que usam ingredientes diferenciados e possuem muita bagagem – inclusive vindas de experiências em viagens, muito trabalho e muita pesquisa. De volta ao Brasil, Patrícia morou dois anos em São Paulo, onde trabalhou na Padaria Santo Pão, e fez cursos de panificação com o padeiro-confeiteiro Rogério Shimura, que comanda uma das escolas mais renomadas do país, e é autor do livro “Os Pães Que Mais Gosto”. Agora, em Vitória, ela faz sucesso com os pães que produz em sua delicatessen, Empório Joaquim.
Os pães de fermentação natural levam, na receita, o “levain”, como é chamado o fermento que, em contato com o meio ambiente, é tomado por micro-organismos presentes no ar e encontra ali um bom lugar para crescer, o que estimula a fermentação.
Patrícia Santos Neves, Chef
O pão feito a seu tempo busca sempre valorizar os ingredientes utilizados. É ideal para quem busca uma alimentação sem aditivos químicos e outros itens prejudiciais à saúde
O processo de fermentação acontece de 24 a 42 horas. “Quando vamos comer o pão, a fermentação já foi feita e, dessa maneira, não sentimos azia, inchaço e os demais sintomas que muitos pensam ser do ‘glúten’, mas que, na verdade, são causados pelos ingredientes usados e pelo tipo de fermentação”, explica ela.
Em cada fornada são 17 pães de recheios variados, como azeitona, abóbora com castanha-do-Pará, de grãos e o 100% integral, com castanhas. “Todos são feitos com farinha orgânica ou um mix de farinhas. Quando estou fazendo um pão é a melhor sensação do mundo”, conta.
Pão como terapia
Um outro apaixonado pela panificação é o chef Thiago Corrêa. Depois de fazer uma carreira de sucesso em restaurantes de Vitória, ele decidiu se dedicar à vida acadêmica. E foi nesse período que o pão surgiu em sua vida. “Em 2017, estava cursando mestrado e passava muito tempo acordado durante a noite. Por conta disso, procurei uma atividade para ocupar o tempo e acabei desenvolvendo a fermentação natural e, em seguida, comecei a mexer com pão. Foi como uma terapia”, lembra.
Thiago é autodidata. Fez vários testes até chegar na massa que considera ideal. “Meu pão é de fermentação prolongada e com 0% de intervenção química. Mantenho a colônia de leveduras alimentadas há quatro anos e com ela faço o fermento, mas é importante ter paciência. “Quanto mais tempo demorar para fermentar, mais as leveduras vão agir e deixar o pão mais digestível”, conta ele, que já chegou a fazer pão com uma fermentação que demorou 74 horas.
As fornadas na casa de Thiago são restritas. Trabalhando como professor universitário, ele conta que atualmente a produção é por motivação. “Faço pães quando algum amigo ou conhecido me pede. Até tentei tornar um negócio, mas começou a gerar estresse. Hoje faço por hobby”. Entre os recheios estão o de calabresa, o de vinho com nozes e de gorgonzola com peras.
Fermentação longa
Aos 21 anos, Juliana Mendes já faz sucesso com suas criações, que já têm até nome: “O Pão da Ju”. Ela, que cresceu saboreando o alimento e frequentando padarias com os pais, acabou se encantando pela panificação durante o curso de Gastronomia. Começou fazendo pães em casa, para familiares e conhecidos, e passou a vender há um ano. “Fazia panetones e me apaixonei pela panificação. Aí conheci a fermentação natural e ela me pegou de vez”.
Ju aposta na fermentação longa. “O fermento é feito com trigo e água, num processo que demora de 7 a 10 dias, e é parecido com um mingau. As bactérias são as dos ambientes e os fungos são da farinha orgânica. Com o tempo eles entram nesse ‘mingau’ e se multiplicam, gerando o fermento natural”, explica ela, que fez várias tentativas até chegar no ideal.
A padeira fez cursos na Levain Escola de Panificação em São Paulo, além de estágios no Mocotó Bar e Restaurante e na Árvore do Pão, ambos em São Paulo. “Também passei pela Levain Padaria Artesanal, em Porto Alegre, para aprender mais sobre fermentação natural”, conta. A produção é feita na cozinha da sua própria casa, em Maruípe, num forno especializado. As fornadas acontecem sempre às terças e sextas, e as vendas, por encomendas. Os pães grandes, de 500 gramas, têm vários sabores: queijo Robiola e tomilho, multigrãos, beterraba, cacau com chocolate, Sourdough (um tipo de massa, mais rústica) e o 100% integral. “A casca desses maiores é mais grossa, com o interior macio, além do sabor ser ácido. Já os menores são mais fofos”, conta Ju.
Com gordura
A receita do pão de fermentação natural é sempre a mesma: levain, a farinha, a água e o sal. Sendo que a farinha, cada um escolhe a de sua preferência, assim como a escolha do tempo de fermentação também é individual. Tanto que até fazer o pão perfeito, muitos padeiros fazem muitos imperfeitos.
Foi o que aconteceu com a professora de panificação Kenya Cristina Souza, que só conseguiu acertar a massa depois de três meses tentando. “Meus primeiros pães foram muito ruins, eram duros. Gastei muito gás e farinha. Só depois de três meses de tentativas é que consegui fazer um comestível. Fui aprimorando com o tempo”.
Hoje, sua produção é apenas por encomendas. Seus pães têm a característica de serem macios e sem tanta acidez, uma das principais características da fermentação natural. “Coloco gordura, azeite ou manteiga, porque meus clientes não gostam tanto do pão rústico”, conta ela, que faz recheios de calabresa, bacon com ameixa e azeitonas. “Também faço pães doces e focaccias”.
Kenya ama tanto o universo dos pães que decidiu compartilhar sua paixão. Atualmente ela dá aula de panificação numa comunidade de Quilombolas em Santa Leopoldina. “É incrível ver a descoberta deles. Não penso em parar. É muito bom poder resgatar como se fazia o pão de antigamente”.
Forno a lenha
Antônio Leonardo traz a paixão pelo alimento tatuado no braço, em desenhos de ramos de trigos. Foi depois de assistir o chef britânico Jamie Oliver na TV que ele se interessou pelo assunto. “Não podia comer os pães vendidos em padaria, passava mal”.
O músico e advogado se tornou um dos principais padeiros de Vila Velha com o seu “Pão de Antônio”, produção artesanal de pães de fermentação natural. “Comecei me inspirando em Chad Robertson, o padeiro celebridade de São Francisco, nos Estados Unidos. Fiz curso de padeiro, e comecei a fazendo pães para os amigos”.
Sua fornada é sempre as quintas-feiras e sexta-feiras, quando os pães saem do fogão de lenha. “Optei por ele pois preservar algumas características do pão artesanal”, conta ele que faz um produto com casca fina, porém crocante, e massa macia. Os sabores são variados e vai desde cacau e mel a azeitonas verdes e pretas. “Faço ciabatta, italiano, focaccia, francesinho de sourdough, entre outros tipos”, conta ele.
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Quem vê a produção intensa não imagina que no início ele chegou a jogar fora 50 quilos de massa porque tinha passado dos 26 graus. Hoje isso não acontece mais. “O que me move é a paixão. Quando estou na cozinha é um momento de oração, que me deixa tranquilo”.
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