Alcione Medenwald teve um AVC isquêmico aos 21 anos, enquanto estava grávida. Atualmente ela vive, no interior do Espírito Santo, sem as sequelas da doença
Alcione Medenwald teve um AVC isquêmico aos 21 anos, enquanto estava grávida. Atualmente ela vive, no interior do Espírito Santo, sem as sequelas da doença. Crédito: Ricardo Medeiros

A vida depois do AVC: as histórias de quem sobreviveu a uma das principais causas de morte do país

No mundo ocorre uma morte a cada seis segundos por conta do Acidente Vascular Cerebral. Reconhecer os sinais e agir rápido é fundamental para salvar uma vida

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 22/10/2024 às 09h01

Alcione Medenwald venceu duas vezes na vida. A primeira foi ao sobreviver a um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que chegou a deixar o lado esquerdo do corpo todo paralisado. A segunda foi realizar o sonho de ser mãe, ver o bebê nascer, fato que aconteceu enquanto lutava pela vida. A capixaba sofreu um AVC isquêmico e entrou em trabalho de parto ao mesmo tempo.

Com 41 semanas de gestação, ela e o bebê tinham risco de vida. "E o médico disse que a prioridade era me salvar. Morri de medo". Alcione foi submetida a um procedimento de emergência chamado de Trombectomia Mecânica. "Consiste na introdução de um cateter pela virilha, alcançando o cérebro para retirada do trombo responsável por entupir a artéria, o que causa sintomas do AVC. Enquanto o procedimento era realizado, a bolsa amniótica estourou e entrei em trabalho de parto", lembra do dia 01 de junho de 2021.

Após o procedimento, ela foi transferida para outro hospital onde foi realizada uma cesárea de emergência. O pequeno Fernando nasceu saudável. "Ele ficou por alguns minutos no meu peito e até mamou. Queria que aquele momento parasse no tempo". O filho ficou na maternidade e Alcione foi levada para outro hospital para tratar o AVC.

Três anos depois, morando na região serrana do Espírito Santo, a vida voltou ao normal. "Os médicos disseram que dei muita sorte, podia não ter dado certo". 

Assim como Alcione, a pedagoga Luana, a empresária Morena, o servidor Bruno e o advogado Gustavo também tiveram um AVC. Já o seu Antônio, de 69 anos, enfrentou três episódios. Todos contam as suas histórias na série "A vida depois do AVC" que foi dividida em cinco capítulos (veja no final da matéria). Durante dois meses, ouvimos diversos especialistas que explicam o que é a doença que causa tantas mortes no mundo e no Brasil. Eles alertam que reconhecer os sinais e agir rápido é fundamental para salvar uma vida. 

O QUE É A DOENÇA

O AVC acontece quando vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, provocando a paralisia da área cerebral que fica sem circulação sanguínea. "Há uma alteração súbita do fluxo sanguíneo cerebral, ocorrendo comprometimento de circulação de sangue em alguma região do encéfalo, formada pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico", diz a cirurgiã vascular Moriane Lorenzoni. 

O neurologista Paulo Nakano, da Rede de Hospitais São Camilo SP, diz que é uma doença em que ocorre o sofrimento de parte do cérebro devido à falta de suprimento sanguíneo. 

Fala AVC

Os AVCs são classificados como hemorrágico ou isquêmico, sendo este último o mais frequente, representando em torno de 85% dos casos, segundo o Ministério da Saúde. O AVC isquêmico é caracterizado pela obstrução arterial, que leva a interrupção do suprimento sanguíneo e consequente bloqueio na entrega de oxigênio e nutrientes.

"O hemorrágico é representado pela ruptura da artéria e, além da diminuição do fluxo sanguíneo, ocorre também um aumento de pressão local levando ao sofrimento dos neurônios ao redor", diz o médico.

A doença é uma das principais causas de mortalidade no país. Até o mês de agosto de 2024, o problema matou 50.133 brasileiros, segundo dados do Portal de Transparência dos Cartórios de Registro Civil do Brasil, baseado em atestados de óbito. No ano passado foram 112.052 pessoas mortas pela doença. No Espírito Santo, nos seis primeiros meses do ano, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), foram 3.101 internações por AVC

50.133 brasileiros

morreram vítimas do AVC nos 8 primeiros meses de 2024

No mundo ocorre uma morte a cada seis segundos. A cada quatro pessoas, uma sofrerá um AVC em algum momento da vida e ela pode acontecer com qualquer pessoa em qualquer idade. A doença teve um aumento de 70% entre os anos de 1990 e 2021, de acordo com um estudo publicado no dia 18 de setembro deste ano na revista científica The Lancet Neurology. No total, foram 11,9 milhões de novos casos. Outro trabalho, em parceria com a Organização Mundial de AVC (World Stroke Organization), foi estimado que em 2050 a doença será responsável por 9,7 milhões de mortes ao ano.

ENTENDA OS FATORES DE RISCO

Os sintomas de um AVC são diversos, por isso é preciso atenção aos primeiros sinais da doença que podem ser a dificuldade em andar, falar e compreender; a paralisia ou dormência da face, da perna ou braço; a perda temporária da visão; além de tontura, vertigem, confusão mental e dor de cabeça forte e persistente

Os fatores de risco para o AVC isquêmico são os mesmos para as doenças cardiovasculares como a idade, a hipertensão arterial sistêmica, o tabagismo, o diabetes, os níveis altos de colesterol, o histórico familiar de doença cardiovascular e arritmias cardíacas. "Já o fator de risco para o hemorrágico é a hipertensão arterial e o histórico familiar de hemorragia cerebral", diz Moriane Lorenzoni. 

O médico Paulo Nakano diz que os fatores de risco para a ocorrência de um AVC isquêmico são divididos entre modificáveis e não modificáveis. "Dentre os não modificáveis temos a idade e os fatores genéticos. E os modificáveis são o sedentarismo, a alimentação inadequada, a hipertensão arterial, o diabetes, as alterações do colesterol, o tabagismo, o etilismo e o estresse".

Evidências científicas apontam que crianças com excesso de peso têm mais chances de se tornarem adultos obesos. Como consequência, pode ocorrer o aparecimento de diversas doenças que aumentam as chances de um AVC, uma das principais causas de morte ou de incapacidade com sequelas permanentes no Brasil e no mundo.

Estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, indicou que o volume da circunferência abdominal está intrinsecamente relacionado ao maior risco de AVC isquêmico e hemorragia cerebral. “A obesidade é caracterizada pelo excesso de células gordurosas no corpo e, entre os problemas que isso causa, estão hipertensão e diabetes, dois dos principais fatores de risco para a ocorrência de um AVC”, diz a neurologista Sheila Cristina Ouriques Martins, preside a Rede Brasil AVC e da Organização Mundial de AVC (World Stroke Organization). 

O cardiologista André Cogo Dalmaschio, da Cardiodiagnóstico, conta que o sedentarismo e a obesidade contribuem para a formação de placas de gordura nas artérias, para elevação da pressão arterial e para a dilatação dos átrios, condições fundamentais para o aumento do risco da doença. 

O médico diz que a hipertensão é uma das principais causas da doença, por ocasionar alterações que contribuem para o isquêmico e o hemorrágico. "A pressão alta contribui com a formação das placas de gordura nas artérias, uma das principais causas do AVC isquêmico e também com a dilatação dos átrios, facilitando uma arritmia que também pode gerar AVC isquêmico".

Fala AVC

O neurologista  José Antônio Fiorot Júnior, da Rede Meridional, diz que é considerado agudo todo AVC que tem menos de 24 horas de início dos sintomas. "A fase aguda do AVC é crítica, pois é durante esse período que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem fazer toda a diferença no prognóstico do paciente. Para os casos de AVC na fase aguda pode haver indicação de tratamento com Trombólise Venosa ou Trombectomia Mecânica, se for um AVC isquêmico".

A PREVENÇÃO É FUNDAMENTAL

Após a realização do exame de imagem é possível diagnosticar o tipo de AVC. Para o tratamento do  isquêmico pode ser usado um medicamento trombolítico administrado na veia do paciente, com o objetivo de dissolver o coágulo sanguíneo que está entupindo a artéria cerebral e causando a isquemia. O tempo máximo ideal para início da aplicação do medicamento é de quatro horas e meia após os primeiros sintomas. "Às vezes, é necessária cirurgia para remover uma obstrução ou angioplastia com um stent", diz Moriane Lorenzoni.

Já o tratamento do AVC hemorrágico precisa ser realizado o quanto antes para evitar sequelas graves. Pode envolver cirurgia para drenar o sangue acumulado. "Geralmente, o mais indicado é a cirurgia neurológica para estancar o sangramento, dependendo do caso", explica Moriane Lorenzoni. 

Os especialistas ressaltam que a doença é altamente evitável e tratável, desde que sejam implementadas as soluções indicadas. "Com os melhores cuidados da saúde é possível reduzir significativamente a incidência de AVC, melhorar os resultados do tratamento e, consequentemente, salvar milhões de vidas. A combinação de prevenção primária e acesso a tratamento em tempo hábil é fundamental para enfrentar essa ameaça crescente", diz o neurologista Guilherme Coutinho de Oliveira, do Hospital Santa Rita.

O médico alerta que a falta de consciência da população sobre o AVC e os seus fatores de risco são as principais barreiras para a doença. "É necessário conhecermos a doença e investir na prevenção", ressalta o médico. 

Fala AVC

A neurologista Sheila Cristina Ouriques Martins ressalta que o AVC pode ser evitado em até 90% dos casos, quando os fatores de risco são controlados. “Um estilo de vida saudável, com a prática de atividade física, uma alimentação balanceada, reduzindo a ingestão de sal e do sódio presente em produtos industrializados, e consumindo vegetais, frutas, legumes e grãos integrais nas refeições diárias, além de não fumar e diminuir ou eliminar o consumo de bebidas alcoólicas, são as melhores armas para combater o AVC”, salienta.

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