Ricardo Magalhães está de volta à sua cidade e ao trabalho
Ricardo Magalhães está de volta à sua cidade e ao trabalho. Crédito: Carlos Alberto Silva

Cabeleireiro famoso do ES fala sobre drogas e recomeço: "Eu nunca desisti de mim"

Considerado um dos principais profissionais do estado, Ricardo Magalhães mergulhou num processo de desintoxicação. Aos 54 anos, ele fala sobre recomeço, espiritualidade e drogas

Tempo de leitura: 3min
Vitória
Publicado em 06/02/2025 às 19h26

O cabeleireiro Ricardo Magalhães tem acordado cedo. Ao contrário do que fez ao longo de muitos anos, agora ele quer aproveitar o dia. Está, inclusive, com interesse nas aulas de canoa havaiana que acontecem na praia da Guarderia, em Vitória. Após um hiato de quatro anos na Espanha, ele está de volta à sua cidade e ao trabalho. Ricardo está recomeçando mais uma vez.

Em 2019, ele contou que passava por uma profunda transformação. "Deixei as coisas materiais de  lado. Agora quero acumular experiências com as pessoas", disse na época. Seis anos depois a transformação parece ter acontecido. Pela primeira vez, ele fala abertamente sobre o vício em cocaína que, em suas próprias palavras, quase arruinou a sua vida. "Foi a única coisa que realmente não foi necessária na minha vida. Foram quatro anos usando essa droga", revela.

Ricardo sempre esteve sob os holofotes. E reconhece que era vaidoso. "A vaidade subiu muito a cabeça. E isso envaidece demais o ser humano. A vaidade não foi boa". Até que teve que sair de cena. Fechou as  portas do salão que teve durante 12 anos na Praia do Canto, assumiu e começou a tratar a depressão.

Foi internado duas vezes na clínica de reabilitação, até que decidiu ir morar na Espanha perto da mãe e da irmã. "Eu precisava de colo", confessa. Desde então não usa cocaína. A vida social também mudou. Raramente sai, como aconteceu recentemente numa festa. "Sei que sou uma pessoa que tem predisposição a ser adicto, a ficar dependente, tanto que eu não bebo, nunca gostei de bebida". As pessoas que frequentam a sua casa também mudaram.

O que não mudou foi o apoio dos amigos mais próximos e de suas clientes. Foi uma comoção na rede social quando anunciou que passaria a trabalhar novamente. Ricardo carrega uma legião de clientes e amigas desde o primeiro salão que teve, em Jardim da Penha, em Vitória. A ex-deputada federal Rita Camata é uma delas. "Desde que voltei de Brasília, Ricardo faz meu corte e a cor. Acho um grande profissional. Estou feliz com seu retorno", disse. 

A designer de joias Adriana Delmaestro é outra que teve o corte assinado pelo capixaba. "Fui cliente e ele sempre foi um profissional brilhante! Antenado, atencioso, e generoso em ensinar a sua arte. A amizade dele com as clientes sempre foi genuína, gostar do que se faz produz isso. Ricardo tem uma 'assinatura' em noivas e festas, desenvolveu penteados, estilo e as acompanhava em todo o processo. Vitória vai ficar mais bonita com a volta dele". 

A entrevista a seguir, feita no Be Spa Urbano, salão de Vitória que escolheu recomeçar, foi acompanhada pela sua equipe de marketing. Durante uma hora ele falou de fé, recomeços, amizades e do mergulho num processo de desintoxicação. "Eu sei o que é vir do fundo do poço e não quero nunca mais estar lá". O mago das tesouras está de volta!

Ricardo, a nossa última conversa foi em 2019. O que aconteceu na sua vida de lá para cá?

Muita coisa aconteceu, porque naquela época eu achava que tinha encontrado a solução de alguns problemas, mas eu estava no início do processo. E eu sempre tive medo de desconstruir. Foi na terapia que eu descobri que a importância da mudança está no desapegar. Eram muitas coisas, como o meu nome, o lado profissional, a arte.... Tudo era muito pesado. A depressão aumentou muito, mas negava que estava naquele estado emocional e psicológico decadente. Ou eu desplugava de uma vez, saía do cenário, ou não daria certo. 

E você decidiu sair de cena indo para o exterior. E em um vídeo publicado na sua rede social, você disse que deu um reset na sua vida. O que isso significa?

Fui desconectar o Ricardo Magalhães profissional, porque eu percebi que só tinha o profissional. A pessoa simples, de alma leve e brincalhão já não existia. Eu fazia tudo no automático e parei de sentir prazer de ser quem eu era. Eu via que dava muito prazer para as pessoas. Tinha muita preocupação em satisfazer o outro, mas tinha a tristeza de não estar me satisfazendo. Foi quando percebi que não queria mais continuar. Eu não tinha mais o que doar para as pessoas.

O que que você foi fazer no exterior?

Fui pedir colo para minha mãe. Ela tem 72 anos, mas parece que é a minha irmã mais velha. E chorei muito, porque doeu muito desconstruir o profissional, mas sabia que existia a necessidade disso. Era necessário e, por isso, que estou aqui hoje. Não estou nervoso e nem trêmulo. Antes eu tinha nó na garganta, não saía uma palavra, agora sai. Estou com uma paz de espírito muito boa. E isso eu não tinha. E foi um ano sabático, eu não trabalhei. Fiquei em casa, curtindo meus sobrinhos, a minha irmã, consegui visitar meu irmão na Itália que não via há 12 anos.

Em outras palavras, você está querendo dizer que nos últimos 30 anos você se dedicou à sua profissão e não cuidou de você?

Eu cuidei no início, mas com o tempo a cobrança era tão grande que eu deixei de cuidar de mim. Foram 37 anos, onde durante 17 anos eu zelei por mim e 20 anos não. Então, entre o peso e a medida, faltou na balança para mim. Eu não estava sendo justo comigo. 

Você é conhecido na cidade, pessoas entraram e saíram da sua vida, e você acabou escolhendo alguns caminhos...

Caminhos que essas pessoas já viviam e, por carência de amizade e falta de discernimento, eu acabei experimentando coisas que eu não precisava ter experimentado. Eu procurei prazer em coisas que não me levaram a lugar nenhum. E quando você entra nessa, tem pessoas do seu lado que te empurram. Ninguém me obrigou a nada, mas é uma satisfação muito rápida e enganosa. E como você tem o dinheiro, tudo fica muito fácil.

Você está falando de drogas?

Sim, de cocaína. Foi a única coisa que realmente não foi necessária na minha vida e que continua não sendo. Foram quatro anos usando essa droga. Eu não experimentei outras. Foi a cocaína que destruiu a minha alma. Mas quando cheguei no fundo do poço, eu levantei a mão e falei: "Me tirem daqui".

E quem te estendeu a mão?

Amigos íntimos e a minha família, lá da Espanha, me ajudou muito. E é uma coisa que qualquer pessoa pode passar, independente do seu intelecto ou da quantidade de dinheiro na conta bancária. Eu sei que eu sou uma pessoa que tem predisposição a ser adicto, a ficar dependente, tanto que eu não bebo, nunca gostei de bebida.

Imagino que não dá para esquecer esse dia...

Eu escutei uma amiga que foi muito franca. Fomos tomar um açaí e ela falou: "Amigo, você precisa mudar. Você tem que sair dessa". E eu ri, mas ela não sorriu para mim. Foi nesse semblante sério que eu vi que precisava encarar com seriedade aquilo que eu estava fazendo comigo mesmo. E eu falei: 'Eu quero sua ajuda'. E quando eu aceitei essa ajuda, eu consegui perceber como eu estava decaído. Na alma, no espírito e na fisionomia. Quando você tá com a visão turva e distorcida, você não enxerga. Você não consegue ver o quão degradante está a sua imagem.

Como foi o tratamento?

Na primeira vez fui de ônibus para São Paulo. E o dono da clínica, que foi me receber, contou que nunca tinha ido pegar um paciente na rodoviária. Fiquei lá seis meses e, quando saí, o grande erro foi voltar para o mesmo cenário. Em um mês, tomei outra porrada. Aí a minha mãe falou: "Coloca ele sem avisar". Foi uma internação compulsória. Mas eu nem resisti, eu sabia que eu tinha feito merda. Fiquei mais seis meses e depois pedi para ficar mais três. E nos meses finais eu parei de pagar a clínica particular e virei monitor. Foi muito bom, porque ao receber os novos pacientes eu me via todo dia recebendo eu mesmo.

Ricardo Magalhães

Cabeleireiro

"Eu sei o que é vir do fundo do poço e não quero nunca mais voltar"

Você teve que recomeçar algumas vezes na vida...

Não digo que é prazeroso, mas para mim não é nenhum problema. Porque eu sou de signo de capricórnio. Gosto de desafio, não gosto de tirar as coisas do lugar, mas se tiver que tirar alguma coisa do lugar, eu prefiro tirar tudo. Porque fazer faxina na vida é tirar todas as poeiras, é refazer tudo. Não vejo problema em recomeçar, não é triste para mim.

Durante mais de uma década, você teve um salão com o seu nome na Praia do Canto. E aí fechou. O que realmente aconteceu?

O salão era muito grande. Entra na questão da parte de sobrecarga de responsabilidade. Eu parei de ser artista porque o criativo bate de frente com o administrativo. O artístico, ele sonha demais e não quer saber quanto de dinheiro tem no caixa para poder sonhar. E eu ia no administrativo e via que não podia sonhar. Então, meio que frustrava no meio do caminho. Parei de pensar grande demais e vi que não precisava de tanto.

Mas você ganhou dinheiro...

Muito, muito dinheiro. E grande parte dele eu investi em imóveis. Foi o que me salvou. Porque ao desconstruir, você tem que pagar. Fechar uma empresa é muito mais caro do que para abrir. Era muito pesado manter o salão. Porque eram muitas pessoas trabalhando, mas só eu sabia quanto custava manter aquilo aberto. Vi que era uma ostentação. Contratei um escritório de advocacia e levou dois anos para fechar a empresa. 

Mas doeu para você ter fechado o salão?

Muito, porque para mim ali não é era a grandiosidade do imóvel e nem de estar na Joaquim Lírio. Eram as lembranças que foram feitas ali dentro, os casamentos grandiosos, as famílias que eu atendi, tudo era muita lembrança e recordação. Então, como era um lugar bonito, foram muitas fotos. Então, estava na memória dessas pessoas. E era muita alegria.

Ricardo Magalhães

Cabeleireiro

"Devolvi 21 pacotes de noivas e isso me doeu. Eu não conseguia encarar e dizer: 'estou doente'. Era o sonho delas"

E você revê as fotos?

Revisito porque me dá satisfação. Principalmente quando eu percebo que meu cabelo, o meu trabalho, é a temporal. Apesar de existir a moda atual, aquilo que eu fazia, hoje também está sendo feito. Eu era considerado uma pessoa que tinha uma visão além do meu tempo. E eu ainda continuo fora da caixinha.

Em que momento você percebeu que seu nome era grande?

Foi nesse retorno. Antes eu tinha uma consciência, mas como faltava discernimento, subia a vaidade, eu não percebia. Hoje eu sou vaidoso de me cuidar, mas a minha alma não é vaidosa, e quero ter essa humildade. Aí eu percebo a grandeza do meu nome. Apesar dos pesares, apesar de quatro anos fora do mercado, o meu retorno foi fantástico.

Durante a nossa entrevista você falou muito a palavra alma. Como que é sua relação com a espiritualidade e a religião?

Eu vim de uma família que tem religião de várias vertentes, como o espiritualismo, a umbanda e o catolicismo. Tudo muito forte. E a minha espiritualidade sempre foi muito natural. Com 34 anos me afastei da minha espiritualidade, da minha religião, do meu do meu credo, e com os 45 anos eu me arrependi. E um dos motivos do reset também foi que o meu espiritual estava distante de mim. E quando você erra, qualquer coisinha, até uma mentira que você diz, a espiritualidade te cobra.

E a relação com seus amigos, mudou muito?

Mudou, estou mais esperto e mais atento aos meus amigos. Eu faço questão de responder todas as mensagens. E faço questão de chamar para um café. Eu não comentava, não dava like nas fotos nas redes sociais, eu só recebia, agora eu que dou. Eu comento. Eu dou uma palavra amiga, porque isso faz bem.

Como é a sua rotina hoje?

Hoje acordo cedo, quero começar a praticar canoa havaiana. Me energizo, me purifico no mar, no sol. Não trabalho até muito tarde, porque gosto de chegar em casa e poder jantar com a minha mãe. E final de semana poder curtir com ela, levar ela para praia e ficar com os meus amigos antigos que também são amigos dela.

Como você vê o Ricardo daqui a cinco anos?

Eu tenho um projeto de vida que também é trabalhar com arte, já que pinto e faço telas. E parte do que eu ganhar hoje, quero guardar para comprar materiais de pintura e ter um ateliê para pintar e viver de arte. Não quero parar de cortar cabelo, que eu gosto muito, me faz muito bem, mas quero ter tempo para as duas artes.

Tem alguma coisa que a gente não falou nessa entrevista?

Que a gente nunca deve desistir. Mesmo que as pessoas desistam de você, é fundamental que você nunca desista. Eu nunca desisti de mim. Por isso eu não me importei com o que deixei para trás, porque eu não perdi, eu só não dava conta de ter. E aquilo que eu não dou conta de ter, eu não quero. É excesso. O que é excesso e sobra não tem mais sentido na minha vida.

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