Logo na entrada, na parede da sala, a frase do famoso psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl G. Jung salta aos olhos: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana”.
O primeiro impacto já demonstra o que está por vir. Aos poucos, no entanto, a ideia fica ainda mais clara. “Voltei a ter aquela energia positiva, a ficar mais calma, a me entender melhor, a me aceitar e ter equilíbrio nas emoções”, disse Daniela Barbosa Santanna, 48 anos, recepcionista.
A declaração da recepcionista é completada pela trabalhadora doméstica Zilma de Paula Gonçalves, também de 48 anos: “Aprendi a me amar, a me perdoar. Hoje consigo me livrar do que me faz mal. Aprendi a me priorizar”.
Daniela e Zilma fazem parte de um grupo de 20 participantes, divididos em duas turmas, da Arteterapia, uma das práticas integrativas e complementares ao tratamento oncológico que a Afecc-Hospital Santa Rita disponibiliza aos pacientes.
Daniela diz que a arteterapia trabalha as emoções. "Ajuda muito na recuperação. O tratamento oncológico é duro, afeta muito seu equilíbrio emocional. Tive câncer de intestino e iniciei o tratamento em 2022. Fiz cirurgia e quimioterapia. Hoje estou em acompanhamento. Fui apresentada à arteterapia e passei a me descobrir melhor com as vivências", conta.
Zilma de Paula Gonçalves, que descobriu um câncer de ovário em 2023, passou por duas cirurgias, fez três etapas de quimioterapia e atualmente faz acompanhamento médico. E a arteterapia faz parte do processo. “O diagnóstico de câncer é duro, pesado, difícil de receber. Você começa a ter pensamentos depressivos, ruins. Fiquei deprimida, com medo, com dúvidas e tudo isso só faz mal".
O encontro é uma prática artística que atua como elemento terapêutico, proporcionando vivências construídas a partir da arte e suas manifestações. "Importante esclarecer que é um processo de acompanhamento terapêutico, não uma atividade de artesanato”, informa Tatiana de Oliveira, arteterapeuta oncológica.
Tatiana trabalha há 9 anos com essa técnica no Hospital do Espírito Santo e no AC Camargo Cancer Center (SP). No Estado, mais de 150 pacientes com diagnóstico de câncer vivenciaram as atividades da arteterapia.
Tudo começa com um convite de Tatiana aos pacientes em tratamento oncológico no Hospital. Havendo interesse, a pessoa é convidada a conhecer o espaço onde são realizadas as vivências da arteterapia e, então, é inscrita no programa. “São três meses de atividades, com 12 vivências, cada uma com um tema a ser trabalhado. Hoje estamos na sexta vivência e o tema é autoconhecimento”, informa Tatiana. Os temas variam, mas três são fixos: medo, raiva e autoconhecimento.
Tatiana esclarece que a arteterapia é uma prática integrativa e complementar da saúde que cuida das emoções. “Trabalhamos o autocuidado com a respiração, temos momentos para olhar para dentro de nós mesmos e despertar a atividade criativa"
Os trabalhos são realizados por meio de procedimentos terapêuticos como linguagens artísticas, cênicas, expressão corporal, música, audiovisual, literatura e, em especial, as artes visuais como desenho, modelagem, pintura, colagem, tecelagem, entre outras.
Os resultados positivos dessa prática integrativa e complementar ao tratamento oncológico é visivelmente perceptível na mudança de comportamento dos pacientes, que ficam menos ansiosos, menos estressados e aceitam melhor o tratamento médico.
“O paciente se perde com a doença e trabalhando as questões que o deixam aflito e incomodado, conseguimos ajudá-lo a reduzir a ansiedade, a aceitar de forma positiva o tratamento, enfim, a ter um bem-estar emocional”, esclarece a arteterapeuta oncológica.
O psicólogo Eugênio Engelhardt Donadia acrescenta que a arteterapia para o paciente em tratamento de câncer é uma prática que anda com a psicoterapia. “É uma excelente ferramenta de expressão, que lida com questões muito duras e difíceis para o paciente”.
Claro que nem todos os paciente possuem afinidades com a arteterapia, mas segundo a psicóloga Rovena Milbratz Martins, os que aceitam, que gostam dessa prática integrativa serão beneficiados. "Porque além do apoio psicológico, eles terão as vivências da arteterapia e o tratamento será melhor aceito e ficará mais leve”.
O cirurgião oncológico Luiz Augusto de Castro Fagundes Filho explica que a doença oncológica, devido às suas características de possibilidades de recidiva (retorno do câncer) e do medo que causa no paciente, gera doenças psíquicas. É muito comum, segundo ele, encontrar a doença associada a questões de ansiedade ou, no pós-diagnóstico, os pacientes desenvolverem quadros de ansiedade generalizada ou condições psíquicas mais graves.
O médico explica que como todas as práticas integrativas, a arteterapia atua como adjuvante no tratamento oncológico, visando o conforto do paciente durante e no pós-tratamento. "Durante o período de quimioterapia, de radioterapia, por exemplo, essa prática integrativa ajuda a amenizar os sintomas de sequelas, alguns relacionados a dor crônica e, principalmente, às relacionadas ao componente psíquico que é altamente comprometido durante e pós o tratamento oncológico. A arteterapia ajuda muito, evitando que o paciente entre, por exemplo, em quadro dependente de medicação, no caso de dor crônica, e desenvolva doenças psíquicas crônicas”, acrescenta o médico.
Uma das atividades realizadas é a Gaiola de Emoções, onde estão aprisionadas várias figuras de pássaros, cada uma com um diferente questionamento. A gaiola chama a atenção por si só. Incomoda... Afinal, como assim ter pássaros aprisionados, mesmo que de forma figurativa, em um ambiente de terapia?
A resposta está na ponta da língua: “é uma atividade lúdica, que trabalha com leveza as questões emocionais pesadas. Vamos liberar o que nos aprisiona. Como os pássaros aprisionados, também nos sentimos aprisionados e precisamos nos libertar”, explica Tatiana de Oliveira.
Cada paciente pega um pássaro, que possui uma pergunta. Um dos pássaros questiona: “Como me sinto quando não me permitem agir como desejo?” Por meio das atividades lúdicas e dos temas propostos nas vivências da arteterapia, esses sentimentos são delicadamente trabalhados e as emoções liberadas.
Outras atividades vivenciadas incluem exercícios de clareza para ajudar o paciente a se conhecer melhor. Nos exercícios de reflexão constam questionamentos como: “O que eu sei sobre mim agora que não sabia antes?”; “Como é me reconectar comigo mesmo?"; “Como minha vida seria diferente se eu aparecesse mais autenticamente na minha vida?”. Após essas reflexões, o paciente é convidado a pensar no que é possível fazer para começar a apoiar e a honrar o seu verdadeiro eu.
Nesse processo de autoconhecimento, a frase do humorista Jô Soares está presente: “A vida é como um quebra-cabeça. O importante não é ter todas as peças, é colocá-las no lugar certo.”
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