Vivemos em um país com um histórico de rentismo (ou seja, viver de renda) através de aplicações conservadoras, por causa das altas taxas de juros com que fomos obrigados a conviver durante muito tempo. No final da década de 90, menos de 30 anos atrás, vimos a taxa básica brasileira subir de 39% para 45%, para conter saídas de capital especulativo em meio a uma crise.
Pense bem, 45% ao ano! Aplicando em títulos públicos pós-fixados, os mais conservadores. Logicamente essa situação não é sustentável, mas podemos afirmar que durante muitos anos, a nossa taxa Selic foi muito generosa com quem investe recursos e, por outro lado, onerosa com o Tesouro Nacional.
Não há país que se sustente com uma taxa básica muito alta, porque essa será a forma de correção de boa parte da dívida pública. Se a taxa ficar muito alta durante muito tempo, o país quebra. O efeito dos juros compostos tão elevados é desastroso já no médio prazo.
Historicamente, a nossa taxa Selic vinha oscilando há muitos anos entre algo como 5% a 6% acima da inflação medida pelo IPCA. Se pararmos para pensar, uma ótima rentabilidade em uma aplicação de baixo risco e pouquíssima volatilidade. Estamos falando, neste caso, de juros reais bastante robustos, criando no investidor brasileiro a cultura de aplicar no fundo DI, no CDB pós-fixado, na Previdência conservadora e no Tesouro Direto SELIC, e mesmo assim ver seu patrimônio crescer consistentemente.
Não foram poucas as vezes em que a rentabilidade do CDI superou o Ibovespa, dependendo do corte temporal. Então, por que aplicar em algo arriscado, se a opção conservadora era tão atrativa?
No entanto, nos últimos anos, por diferentes motivos e de diferentes formas, o Copom – Comitê de Política Monetária, ultrapassando diversos Governos e Presidentes do BACEN, vem experimentando juros reais mais baixos, em torno de 2 a 3% acima do IPCA. O auge desse movimento se deu por motivos externos e de alcance global, a pandemia de Covid-19.
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O temor de uma grave recessão levou o Copom a baixar a taxa Selic para quase inacreditáveis 2% ao ano, e isso com o IPCA sempre acima desse patamar, chegando a superar 10% ao ano em 2021.
Nesse período, os investidores conservadores viram seu patrimônio encolher, rendendo abaixo da inflação. E o Governo se beneficiou fortemente, porque corrigiu praticamente metade da dívida pública através de taxas muito baixas, com juros reais negativos. Isso de certa forma salvou as contas do Governo Federal no período de pandemia.
A questão que se coloca é que, de fato, uma mudança estrutural ocorreu nos últimos anos. Se a taxa Selic está em alta, a inflação também está e, olhando para a frente, temos novamente juros reais de cerca de 5% a 6% acima do IPCA. No entanto, o BACEN entende que essa taxa é contracionista, ou seja, contribui para a inflação cair no horizonte à frente.
É provável que a taxa Selic volte a cair assim que surja a oportunidade. De fato, essa mudança estrutural levou a uma menor transmissão da Selic para a economia real, aumentando a importância das taxas de juros mais longas, prefixadas, por exemplo, que passaram a ser mais relevantes para determinar o custo do dinheiro em prazos mais longos.
Sendo assim, a Selic caminha para se tornar uma taxa básica de fato, onde os investidores alocam recursos líquidos com caráter de caixa, com disponibilidade e baixo retorno. Recursos com caráter de investimento, com visão de longo prazo e sujeitos a maior risco e volatilidade, tendem a sair da Selic rumo a taxas mais longas, ou investimentos em Renda Variável.
Assim dividimos os portfólios entre caixa e investimento, o que não deixa de ser um amadurecimento do mercado. E o investidor precisa entender que, no longo prazo, investir apenas em aplicações pós-fixadas vinculadas à Selic e ao CDI não garantirá um crescimento real do seu patrimônio, como ocorria no passado.
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