Mulheres inspiradoras do ES
Mulheres inspiradoras do ES. Crédito: Acervo pessoal/Arte Inglid Teixeira

Inspiradoras: 10 histórias de mulheres que fazem a diferença

Elas dedicam a vida a transformar o ambiente em que vivem e tornaram-se referência para jovens que também querem fazer do mundo um lugar mais justo para todos. Confira suas histórias

Tempo de leitura: 17min
Vitória
Publicado em 25/09/2020 às 05h00
Atualizado em 20/10/2020 às 12h04

Nascer mulher já impõe uma luta diária ao longo da vida, seja no assédio ao andar pelas ruas, na menor remuneração no ambiente profissional, na violência doméstica que tem o gênero feminino como principal alvo, seja entre outras dificuldades tão presentes em nossa cultura.  Ainda assim, há aquelas que encontram uma força a mais para enfrentar não apenas batalhas individuais, mas também melhorar toda a sociedade em que vivem.

Na primeira reportagem especial de lançamento do site Todas Elas, vamos conhecer as histórias de 10 mulheres inspiradoras que fazem a diferença no Espírito Santo. Entre ativistas, empreendedoras, voluntárias ou educadoras, elas dedicam a vida a transformar o ambiente em que vivem e tornaram-se referência para jovens que também querem fazer do mundo um lugar mais justo para todos.

Mulheres inspiradoras - Jucileia Santos
Mulheres inspiradoras - Jucileia Santos. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

LUTA PELA INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA 

Vítima de uma relação abusiva por 14 anos, Jucileia Santos Ribeiro, 44 anos, conseguiu interromper o ciclo da violência após ser atacada pelo agressor enquanto dormia. A tentativa de feminicídio foi flagrada pelos filhos dela, que a impulsionaram a denunciar antes que uma tragédia maior acontecesse. 

Depois desse dia, as coisas começaram a mudar na vida de Jucileia. Ela ganhou uma medida protetiva e passou a participar de projetos sociais. "E, para quebrar a dependência financeira, iniciei como aluna no projeto "Mulheres superando o medo", que nos ensina a fazer bolos para termos uma profissão. O meu agressor foi tirado de casa, mas a renda era dele. Recebi ajuda de um pastor, que pagou meu aluguel e deu o espaço da igreja dele para que eu vendesse os bolos. Comecei em 2015  e não parei mais", lembra.

Após tantos anos de dor, Jucileia ressignificou esse sentimento para ajudar outras mulheres que sofrem a mesma violência. No início, ela distribuía cestas básicas. Agora, a ideia é difundir os conhecimentos culinários que aprendeu no projeto, ensinando a fazer bolos e estimulando que as vítimas tenham uma profissão e consigam quebrar o vínculo financeiro com o agressor.

Outra missão da empreendedora é orientar famílias sobre a importância de criar meninos para que não sejam agressores no futuro. 

Jucileia Santos Ribeiro

Boleira e empreendedora

"Primeiro, a mulher precisa de independência financeira para conseguir denunciar. Outro desafio que temos é mostrar como os nossos filhos também são atingidos pela violência doméstica: menina que acha normal ser humilhada e apanhar, menino que acha normal bater na colega ou na irmã. Precisamos quebrar esse ciclo"

 Com a ajuda do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES) e da Central Única das Favelas (CUFA-ES),  Jucileia já fez visitas às mulheres agredidas que conseguiu identificar na região da Praia dos Recifes, em Vila Velha. A boleira realizou panfletagens informando como conseguir ajuda, além de apresentar o seu projeto de qualificação profissional. 

"Muitas mulheres não possuem forças para pedir ajuda ou ficam perdidas nesse momento, então vamos até elas. Quero mostrar que elas não estão sozinhas e apresentar o caminho para a recuperação, o que fazer, os órgãos para procurar ajuda. É a minha primeira ação social e espero fazer outras. Espero conseguir mais patrocinadores para continuarmos com esse trabalho", afirma.

Mulheres inspiradoras -  Marina Campos Cunico
Marina Campos Cunico. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

MOVIDA PELA EMPATIA DESDE CEDO

A necessidade de fazer algo pela sociedade pode aparecer muito cedo. Hoje com 14 anos, Marina Campos Cunico conta que se tornou ativista aos 5, após ver a mãe envolvida com projetos do Outubro Rosa - movimento internacional de conscientização sobre o câncer de mama. Na época, a menina pediu para doar os cabelos e, ao conhecer a mulher beneficiada, a estudante conta que se apaixonou pelas causas sociais. Logo, começou a criar e realizar projetos, com o apoio de voluntários.

"Comecei a frequentar periferias, oficinas de reciclagem e fui percebendo as necessidades. Uma vez perguntei para uma menina o número do sapato dela e ela me respondeu: 'o que me derem'. Aquilo me chocou. Foi quando criei a Lojinha da Marina, onde as crianças fazem oficinas de maquiagem, judô e reciclagem. Depois das atividades, elas recebem um 'dinheiro' chamado 'amor real' e fazem compras nas minhas lojas de roupas e brinquedos, com produtos que ganho em doações", descreve.

Marina não parou por aí. Todo os anos, ela entrega cerca de 360 mochilas e materiais escolares reciclados que parecem novos para estudantes que não possuem condições de comprar. No Natal, entrega cesta básica e brinquedos para mais de mil famílias. 

Desde 2015, quando houve o desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais, ela tornou-se voluntária em um projeto que recolhe lixo das praias de Areal, em Linhares, localidade afetada pela lama. Foi nessa comunidade, ao ver uma mãe com várias crianças em apenas uma bicicleta, que a estudante teve uma ideia que mudou a realidade da região.

Marina Campos Cunico

Estudante

"Olhei para aquela família e perguntei para minha mãe: 'o que é isso?'. Ela disse: 'é o carro da família'. Então respondi: 'ano que vem cada uma dessas crianças terá uma bicicleta'. Começamos uma campanha, recebemos muito apoio, voluntários, e conseguimos consertar 250 bicicletas. Tinha gente que nunca tinha saído da vila e, no fim de semana, foi à cidade lanchar no píer, foi ao museu..."

Com cada bicicleta montada de acordo com a característica individual da criança, a adolescente conta que até quem nunca havia pedalado antes saiu andando de primeira. Além do público infantil, o projeto criou um bicicletário comunitário aberto para os adultos usarem os veículos até mesmo para trabalhar.

Durante a pandemia, Marina criou o projeto "O bem que contagia", que auxilia famílias afetadas pela crise da Covid-19. Ela realizou lives e arrecadou dinheiro para entregar kits-higiene e cestas básicas para mais de seis mil famílias. Além disso, criou a cesta virtual - que é um cartão-alimentação para ser usado em comércios locais, de acordo com a necessidade de cada família. Para um futuro próximo, a jovem planeja a "Escolinha da Marina", que pretende oferecer reforço escolar para crianças.

"Ver o sorriso das pessoas me inspira, me motiva e me dá vontade de fazer outros projetos. A empatia e a gratidão me movem, me deixam feliz, com vontade de juntar mais pessoas e fazer o bem. Ninguém faz nada sozinho. Eu represento voluntários de várias causas que se unem. Sem eles, eu não conseguiria tanto", valoriza.

Mulheres inspiradoras - Winy Fabiano
Winy Fabiano. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

VALORIZAÇÃO DA COMUNIDADE 

O sentimento de coletividade também move a empresária e educadora social Winy Fabiano, de 31 anos. Após sair de uma relação abusiva, ela começou a ser atendida por uma psicóloga no posto de saúde de Caratoíra, em Vitória. 

A psicóloga, que possuía um projeto para dar atendimento às mulheres da região, passou então a estimular Winy e a amiga Rayane Rocha a tomarem a frente do trabalho, no final de 2017. Foi assim que nasceu o MUCA - Mulheres Unidas do Caratoíra.

"Eu e a Rayane gostamos da ideia e passamos a criar os projetos sociais. Iniciamos com oficinas de artesanato, maquiagem, culinária e debates sobre empoderamento, questões políticas, negritude e violência contra a mulher. No começo, atendíamos apenas mulheres. Mas percebemos que precisávamos empoderar os lares delas também e abrimos o MUCA para todos. Foi quando eu me descobri como educadora social", conta.

O grupo formado por 15 mulheres já realizou oficinas de empreendedorismo, gestão de sobrevivência, além de criar o Cinefavela,  que leva produções cinematográficas para crianças da comunidade. Para o futuro, o grupo quer oferecer cursos profissionalizantes, ainda que curtos, para ajudar mulheres a entrarem no mercado de trabalho. 

Winy Fabiano

Educadora social

"Essa força para realizar projetos vem do meu dia a dia, de querer sobreviver sendo mulher negra, gorda e periférica. Nascemos dentro de uma sociedade que nos cobra para sermos fortes ou somos silenciadas, agredidas ou até mortas. Uma sociedade que tenta nos inibir e nos afastar dos direitos à vida, educação, trabalho. É gratificante ver que nosso apoio muda a vida de alguém. Isso motiva"

Winy afirma que os projetos já beneficiaram mais de 300 pessoas na comunidade, e o objetivo é cada vez mais valorizar a população periférica. Agora, por exemplo, a educadora social conquistou uma lanchonete dentro do Museu Capixaba do Negro (Mucane), a Ubuntu Quitutes, que fortalece a cultura negra através da culinária afro-brasileira, indígena e periférica.

Mulheres inspiradoras - Priscila Gama
Priscila Gama. Crédito: Jove Fagundes/Arte Geraldo Neto

INOVAÇÃO PARA MUDAR

Outra grande referência no movimento negro e periférico do Espírito Santo é Priscila Gama, de 38 anos. Considerada uma das mulheres negras mais influentes do Estado, a estrategista de inovação em tecnologia social atua no enfrentamento às violências contra a juventude e às mulheres pretas através da cultura e do empreendedorismo. 

Presidente do Instituto Das Pretas,  Priscila coordena mais de 10 projetos de ações afirmativas e impacto social, incluindo o Bekoo das Pretas, a maior festa de protagonismo negro feminino e periférico do país.

"Desde criança eu tive a consciência de que era negra, gorda e periférica. Embora meus pais sempre trabalhassem para que isso não fosse um problema pra mim, a crueldade do mundo me fez ter vergonha de quem eu era. Até que passei pelo processo de empoderamento e orgulho negro através dos meus ancestrais. O 'pulo do gato' foi conseguir sistematizar em mim mesma essa necessidade de mudar as pessoas", constata.

Dessa necessidade, nasceu o Instituto das Pretas, que hoje funciona como um laboratório de inovação e tecnologia social e atende iniciativas privadas e governamentais. Priscila também conta com a colaboração de outras profissionais negras na criação de projetos.

Priscila Gama

Estrategista de inovação em tecnologia social

"Acreditamos no diálogo e na transformação digital para empreendedores periféricos, ensinando conteúdo, marketing, inteligência artificial, economia e educação financeira como forma de diminuir a desigualdade, a violência e o racismo. Nosso objetivo é fazer a transformação social e emancipação do povo através do conhecimento"

Na cultura, há o Bekoo das Pretas, festividade que surgiu para suprir a necessidade de mulheres negras poderem sair para dançar sem que tivessem seus corpos violados, algo que Priscila conta ser muito comum nos ambientes ofertados. "Era pra ser uma coisa nossa, onde pudéssemos ficar à vontade, sem machismo, racismo, misoginia e esse conservadorismo radical que não promove nossos corpos e cultura de forma respeitosa. A festa tornou-se um movimento e já tem quatro anos", detalha.

Mulheres inspiradoras - Simone Quirgo de Souxa
Simone Quirgo de Souza. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

BUSCA POR MAIS INCLUSÃO SOCIAL

Quem também viu na própria realidade uma forma de atender às necessidades de outras pessoas foi Simone Quirgo de Souza Braga, de 50 anos. Sofrendo com a falta de acessibilidade que tornou a rotina diária ainda mais difícil, ela tornou-se a primeira pedagoga surda do do Espírito Santo. Hoje é professora bilíngue, cofundadora do Instituto Mãos que Falam e coordenadora pedagógica da Sociedade Editorial de Pesquisa e Educação e Libras (Socepel).

"Eu sou surda profunda de nascença e só fazia leitura labial. Meus pais sempre me apoiavam, mas tive muito sofrimento nas escolas de ouvintes porque os professores falavam rapidamente e eu não entendia nada dos conceitos e dos conteúdos ensinados. Às vezes, um amigo ouvinte da minha sala me ensinava e isso me dava muita felicidade. Eu só aprendi Libras quando conheci uma surda no ambiente de trabalho. Aos poucos,  fui conhecendo outros surdos que me ensinaram todos os demais sinais", lembra.

Mas a falta de acessibilidade não foi um problema apenas na infância e adolescência de Simone. Ao decidir fazer faculdade, ela conta que não foi verdadeiramente incluída pela instituição. A pedagoga lembra de episódios em que era deixada de lado pelos colegas. Além disso, a instituição tinha a errada concepção de que bastava  que ela sentasse na primeira cadeira e fizesse a leitura labial para que entender tudo. O que a ajudou foi o acesso aos livros, que ela define como seus "verdadeiros professores". Hoje, a pedagoga luta para que outras pessoas surdas não passem pelo mesmo.

Simone Quirgo de Souza

Pedagoga

"Contratei uma intérprete no último período para a monografia e concluí o curso de Pedagogia. Posso ser considerada uma aluna autodidata. Vocês não fazem ideia do que é batalhar pela própria inclusão no dia a dia das atividades acadêmicas, e não podem imaginar o quanto me senti isolada e abandonada a cada aula"

Em novembro de 2004, Simone criou, ao lado do pai e alguns amigos, o Instituto Mãos Que Falam. Já em 2009, criaram a Socepel.  Ambos têm o objetivo de capacitar surdos e ouvintes para o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras). 

Atualmente, Simone comanda dois projetos em andamento: um curso de Libras inicial para surdos e ouvintes para ensinar a sociedade em geral, e um curso técnico digital em Libras para as escolas profissionalizantes públicas e privadas.

"A leitura labial não garante o aprendizado de todo o conteúdo apresentado na aula. Ao contrário, perde-se muito. Por isso é intensa a minha luta para ter um intérprete da língua de sinais em cada sala de aula onde houver um surdo. O intérprete é uma alternativa muito melhor, já que ainda não existe uma universidade bilíngue, mas está longe de ser a condição ideal para o surdo. Porque ainda assim, o surdo não tem uma linguagem compartilhada circulando pela sala de aula", ressalta.

Mulheres inspiradoras
Deborah Sabará. Crédito: Acervo pessoal

VISIBILIDADE PARA A COMUNIDADE TRANS

Inclusão também está entre os propósitos da agente social Deborah Sabará, de 41 anos. Ela conseguiu sair das tristes estatísticas que envolvem pessoas transexuais e tornou-se a primeira trans do Espírito Santo a conseguir usar o nome social para uma prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Hoje, é coordenadora de projetos da Associação GOLD, que há 15 anos luta pelos direitos LGBTQI+ no Estado e realiza diversas ações para auxiliar pessoas em vulnerabilidade. 

"Sofri violências psicológicas e verbais no ambiente familiar, religioso, escolar e comunitário. Depois da transição, na adolescência,  tive que sair de casa. Foi quando vivi de favor na casa dos outros, conseguindo dinheiro pela prostituição. Eu entendia que aquilo não era bom, mas era onde eu via pessoas como eu sendo livres e me acolhendo", recorda.

Deborah começou a atuar em projetos culturais e foi através dos festivais de arraiás que ela passou a lutar pelo direito das pessoas trans, tornando-se a primeira mulher transexual do Estado a poder participar da festa usando a roupa de acordo com o gênero que se identifica. 

Em 2009, se tornou  a primeira porta-bandeira travesti no Brasil, quando desfilou no Carnaval de Vitória. Anos depois, foi a primeira transexual do Espírito Santo a conseguir usar o nome social para uma prova do Enem.

Todas essa conquistas abriram portas para outras pessoas trans. "Eu sabia da minha formação em direitos humanos, que veio da igreja, com a defesa dos indígenas, do meio ambiente, da saúde, das pessoas em vulnerabilidade... Mas, na cultura, achava que eu era apenas alguém que gostava de carnaval - que é uma porta para que trans saiam da prostituição para trabalhar com artesanato, dança, produção. Foi quando as pessoas começaram a me falar que, mais do que amante da cultura, eu era ativista. Então fui participar de um debate sobre LGBT, entrei na discussão e não saí mais. Por seis anos fui a presidente da Associação GOLD, onde hoje sou coordenadora", pontua. 

Hoje, Deborah coordena projetos não apenas nas causas LGBTQI+, pois entende que só é possível ter uma sociedade melhor se as pessoas lutarem por causas diversas. Uma das ações é o atendimento às pessoas em situação de rua em Cariacica, fazendo testagem de HIV e entregando kits de lanche e de higiene. 

Ela também coordena o Papo Reto, projeto sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, e o Cineclub, que promove diálogos sobre raça, gênero e violência contra a mulher por meio do cinema dentro das unidades socioeducativas.

Durante a pandemia, Deborah participou de uma ação que distribuiu 400 cestas básicas e mais de 1.200 kits de higiene na região do Bairro da Penha, em Vitória. Já em Central Carapina, na Serra, conseguiu uma parceria para criar um projeto que atende 618 pessoas em vulnerabilidade social com R$ 100 para compras por três meses. Para o futuro, ela sonha em construir uma casa provisória para acolher pessoas LGBTQI+, e planeja ações sobre tolerância religiosa e formação de mulheres ativistas.

Deborah Sabará

Agente social

"As pessoas foram ensinadas a ter ódio da população travesti. Se foram ensinadas a odiar, podem ser ensinadas a entender, respeitar e ajudar. Eu superei a expectativa de vida de uma pessoa trans, que é de 35 anos, e fiz um comprometimento comigo de que eu quero fazer a diferença"
Mulheres inspiradoras -  Yasmin Piovezan
Yasmin Provezan. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

PROTEÇÃO PARA VÍTIMAS DE HOMOFOBIA 

Em 2018, a jovem advogada Yasmin Garcia Piovezan Leite criou o coletivo Resisto.ES, que oferece acolhimento, acompanhamento e encaminhamento psicológico e advocatício às vítimas de homofobia no Estado. Além disso, tornou-se vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-ES.

"Descobri que gostava de garotas muito nova, e passei a adolescência sofrendo com a homofobia. Na faculdade, vivi a pressão de seguir um padrão e tive uma relação heterossexual que foi abusiva. Fiz terapia e comecei a me entender como mulher e sujeito político, convivendo com pessoas que passavam pelo mesmo ou por coisas ainda piores. Tive contato com militantes que já estavam há mais tempo nessa luta, senti muita admiração e percebi que eu poderia ser uma daquelas pessoas também", relata Yasmin, hoje com 27 anos. 

Em 2018, temendo pelos direitos da comunidade LGBTQI+, após as eleições,  Yasmin sentiu a necessidade de fundar o coletivo. O grupo reuniu profissionais de Direito e Psicologia com um objetivo em comum: dar apoio às vítimas de violência ou que tiveram os direitos violados pela sexualidade ou gênero. 

"A gente oferece acolhimento, apoio psicológico e advocatício.  Avaliamos os que não possuem condições de pagar pelos serviços, que vivem com metade de um salário mínimo por pessoa na família, e atendemos gratuitamente. Infelizmente não podemos atender a todos de forma gratuita porque ainda somos um grupo pequeno, mas damos todo apoio e orientação. Inclusive, nossa ideia é fazer com que esse trabalho chegue cada vez mais até pessoas que realmente precisam, e também queremos deixar o espaço aberto para profissionais voluntários que queiram ajudar", salienta.

 Em 2019, o grupo começou a participar do Conselho Estadual LGBT, criado para tratar dos assuntos referentes à promoção, proteção e defesa dessa população. Já em 2020, o coletivo promoveu o Festival Resisto, que aconteceu de forma on-line com artistas LGBTQI+ do Espirito Santo. Com a apresentação, o grupo conseguiu arrecadar fundos para a Associação GOLD.

Yasmin Piovezan

Advogada e produtora cultural

"Independentemente da orientação ou gênero, temos direitos iguais que não podem ser violados. A homofobia massacra pessoas LGBTQI+, o Espírito Santo é um dos Estados mais violentos e o Brasil é o país que mais mata essa população. Nos colocarmos, termos vozes e estarmos na frente da luta política é uma forma de resistir"
Mulheres inspiradoras - Juliana Rohsner
Juliana Rohsner. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

EDUCAÇÃO PARA VENCER A VIOLÊNCIA

A transformação de uma realidade  também acontece quando se aposta na educação desde cedo. É o caso da educadora e gestora escolar Juliana Rohsner, 36 anos. Em 2016, ela assumiu a direção da da Escola Jones José do Nascimento, em Central Carapina, na Serra, em caráter emergencial. 

Com o apoio da equipe e da comunidade, Juliana praticamente zerou as ocorrências de atos infracionais logo no primeiro ano de gestão. Ao dar mais dignidade aos alunos, o desempenho dos estudantes melhorou gradativamente e o bom desempenho a fez vencedora do 22ª edição do Prêmio Educador Nota 10.

"A princípio, eu não tinha a intenção de mudar a realidade daquela comunidade e sim fazer o meu trabalho bem feito, de uma forma que houvesse algum resultado. Mas fui conhecendo de forma individual cada pessoa e fui me encantando. Comecei a mudar pequenas coisas: tiramos as grades da escola, limpamos as paredes, passei a tratá-los de modo mais humanizado, falando manso, ensinando pelo exemplo. Levamos pneus reciclados com flores - algo simples e barato, mas que os deixou tão encantados. Foi quando percebi que muitos deles eram privados até da beleza nos ambientes em que viviam", revela.

Juliana conta que a escola, que foi classificada como a mais violenta do Estado por muitos anos, era palco da naturalização da violência. Em todo o recreio, segundo ela, havia brigas. Porém, os próprios alunos não entendiam xingamentos e empurrões, por exemplo, como agressões. A gestora iniciou um trabalho, baseado no diálogo, para ensinar como até palavras podem ferir outra pessoa.

"Era muita violência e a escola carregava um título terrível. Foi nesse contexto que eu entrei, para ficar apenas três meses até as crianças serem transferidas e o colégio,  fechado. Os profissionais já não tinham estímulo e a unidade ficou entregue, em um cenário de guerra, sem controle. Mas começamos a ver resultados logo no início. Em 2016, eram 16 ocorrências policiais por semana. De 2018 para cá, não temos nenhuma. Isso tudo dando mais dignidade a eles", destaca.

Os alunos começaram a fazer atividades culturais e passeios. E a escola passou a oferecer boa alimentação, ambiente limpo e bonito. 

Juliana Rohsner

Educadora e gestora escolar

"Fazemos muitas atividades externas: feiras de livros, igrejas, museus, cinema. Nossa comida é a mesma que todas as escolas recebem, mas fazemos tudo bem bonito e gostoso. Eu os olho como eles merecem e não com a imagem marginalizada que havia ali"

Em 2016, Juliana ganhou o 1º lugar na categoria gestão administrativa no Prêmio Estadual Sedu de Boas Práticas. Em 2017, ela levou o 1º lugar na categoria gestão pedagógica e o 1º lugar na categoria coordenador de turno na mesma premiação. A escola ainda esteve entre as cinco melhores no Prêmio Nacional de Referência em Gestão Escolar. 

Pela conquista, Juliana ganhou um intercâmbio para os Estados Unidos, onde visitou vários escolas públicas. Em 2018, a instituição venceu uma premiação estadual pela coordenação pedagógica e, em 2019, vieram os prêmios Mulheres do Amanhã, na categoria serviço público, e o Educador Nota 10, que é maior prêmio de educação do Brasil.

"Hoje, os alunos e a comunidade sentem orgulho da escola e dos prêmios que ganhamos. Mas o retorno que tenho deles é maior do que qualquer prêmio. Vejo que eu os inspiro e isso me motiva. Ficará um legado para toda a comunidade", comemora.

Mulheres inspiradoras - Crislayne Zeferina
Crislayne Zeferina. Crédito: Acervo pessoal/Arte Geraldo Neto

ENCONTRO MARCADO COM O PAPA

Local que também vem ganhando um grande legado é o Bairro da Penha, em Vitória, onde atua a ativista e cofundadora do projeto Conexão Perifa, Crislayne Zeferina, 28 anos. A pedagoga desenvolve ações de geração de renda e formação cidadã entre os moradores da região. O trabalho faz tanto sucesso que ela foi escolhida para encontrar o Papa Francisco no evento “Economy of Francesco”, na Itália, em novembro.

"Eu trabalho há mais dez anos na pastoral da criança dentro da minha comunidade. Na faculdade, estudei muito sobre mulheres e, em 2015, fui em minha primeira conferência nacional de políticas para mulheres. Foi quando conheci o livro "Mulheres, raça e classe", de Angela Davis, e passei a entender que eu sou um corpo que sofre opressões e que vários desses corpos não foram emancipados na minha comunidade. Quis levar esse conhecimento para eles e comecei a trabalhar a questão da negritude. Através de várias atividades,  levei esse empoderamento para outras meninas também", enfatiza. 

Percebendo que muita informação não sobe o morro, Crislayne criou o primeiro espaço cultural de debate sobre negritude, direitos humanos, violência contra a mulher, participação ativa das mulheres no poder, tecnologia da informação, racismo institucional e estrutural, além de gênero e sexualidade. 

Desde então, desenvolve várias ações sociais na comunidade, dentre elas o "Conectando Mulheres",  que oferece cursos e oficinas para inserção no  mercado de trabalho, o  festival de pipa "Sem cerol é mais legal", além de atendimento odontológico e práticas para estimular a economia local. 

Crislayne Zeferina

Pedagoga

"Passei muitas dificuldades para me formar em Pedagogia, recebendo ajuda de vizinhos até para comer, porque nunca sequer tive orientação do que era uma universidade federal. Hoje, sinto que é meu papel passar para a minha comunidade os ensinamentos que eu tive e devolver a ajuda que recebi um dia"
Mulheres inspiradoras
Francisca Monteiro Alves. Crédito: Acervo pessoal

RECICLAGEM PARA UMA INFÂNCIA FELIZ 

Com o objetivo de dar alegria para crianças de comunidades da Grande Vitória, Francisca Monteiro Alves, 68 anos, recicla bonecas e ursos de pelúcia, muitas vezes retirados do lixo, e transforma em brinquedos novos. Ao todo, cerca de 400 crianças já foram beneficiadas. A vontade de levar sorrisos através de brinquedos parte da lembrança da infância pobre, ao lado dos seis irmãos, em Aimorés, Minas Gerais.

"Eu tinha tanta vontade de ganhar uma boneca, mas nunca tivemos condições para comprar nada, nem mesmo no Natal. Chegamos a passar fome e nem para roupa tínhamos dinheiro. Eu mesma costurava roupinhas para meus irmãos menores com retalhos. Foi uma época difícil, mas foi quando descobri a paixão pela costura. Me dava gosto vê-los de banho tomado com as roupas que eu fazia com minhas próprias mãos", relembra.

A costureira conta que essa memória a fez querer mudar outras infâncias de alguma forma, só não imaginava que isso seria possível através do lixo. Francisca conta que, apesar de ter costurado por toda vida, foi em 2016 que ela teve a ideia de reformar bonecas que eram descartadas. 

Ao escutar de uma amiga sobre a felicidade de crianças quando recebem brinquedos de doações no Natal, ela decidiu que queria proporcionar sorrisos também. 

"Eu tinha muitos retalhos, arrumei algumas bonecas velhas, revirei até no lixo, consertei todas e doei 18 bonecas. Foi quando eu pude ver os sorrisos das crianças e decidi que faria isso sempre, cada ano em uma comunidade diferente. Em 2017, fiz 43; e em 2018, fiz 111. Já em 2019, consegui bonecas em condições péssimas, talvez por conta de chuvas e alagamentos. Mas recuperei, mesmo as piores, e as deixei bem bonitas. Entre ursos e bonecas, foram mais de 200 brinquedos", comemora.

Hoje, além do trabalho de reciclagem, Francisca depende de doações para continuar alegrando o Natal de centenas de  crianças. 

Francisca Monteiro Alves

Costureira

"Sempre quis dar um pouco de alegria para crianças com infâncias pobres, como eu tive um dia. Mas achava que a ajuda só poderia acontecer através do dinheiro. Eu não tinha condições de arcar com esse compromisso. Quando soube que eu poderia levar alegria para elas através da reciclagem, me encontrei"

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