O empreendedorismo foi tema de debate na manhã desta sexta-feira (17), quando o Todas Elas, projeto de A Gazeta, reuniu um grupo de mulheres para a roda de conversa Todas Elas Inspiram. Com a presença de mulheres das mais diversas áreas, cada uma apresentou suas trajetórias de perseverança nos meios em que se propuseram a atuar, buscando mudar não apenas a própria realidade, como também de outras mulheres.
O bate-papo foi mediado por Elaine Silva, editora-chefe da redação A Gazeta/CBN Vitória e uma das embaixadoras do projeto Todas Elas, que combate violências e desigualdades, e fortalece o empoderamento feminino.
A ideia do evento, explicou, foi "inspirar mulheres capixabas por meio de um resgate histórico de trajetórias femininas potentes e marcantes, conectando com a história de outras que atualmente se destacam."
Lívia Rangel, doutora em História Social, professora do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), tem resgatado a história de diversas capixabas pioneiras nas artes, no ativismo, na política e em outros segmentos ao longo das décadas.
Durante muito tempo, foram as primeiras a se graduar em uma área de estudos, a ocupar determinados cargos públicos, ou trilhar outro caminho. E a pesquisadora destaca que ainda hoje, embora as mulheres sejam mais de 50% dos que empreendem no Brasil, buscando independência, não conseguem dedicar a integralidade do seu tempo aos seus negócios.
“E não é porque elas não querem estar lá trabalhando e cuidando do seu negócio, é por conta da tripla e da dupla jornada de trabalho. Entender essa divisão sexual do trabalho, a desigualdade na distribuição de tarefas, é entender, histórica e estruturalmente, por que nós ainda encontramos tantas barreiras para nos tornarmos mulheres independentes, desenvolver as nossas empresas, não falharmos nos negócios em que a gente se propõe.”
Lívia Rangel
Historiadora e pesquisadora
"Conhecer a história das mulheres, entender como foram pioneiras, como empreenderam, de onde vem isso, é entender que essa é uma história de luta e de resistência, é compreender um pouco melhor como a gente pode mudar essa situação, esse momento e essa realidade. E isso vem muito do compromisso, do diálogo, da educação"
Alcançar essa mudança passa também por compreender as diferentes realidades. Crislaine Zeferina é pedagoga e moradora do Bairro da Penha, em Vitória, no chamado Território do Bem, que reúne nove bairros periféricos da Capital. Ela relata que a percepção das vivências ao seu redor contribuíram para que se tornasse ativista social.
“Tive uma lição de vida para nunca mais querer largar o ativismo quando fui na casa de uma criança e essa criança estava comendo mingau de manhã. Perguntei: por que você ‘tá’ comendo mingau de fubá, cadê o pão? E a gente já tinha esse acesso (na nossa casa), as irmãs davam o pão lá em Consolação, minha avó ia buscar. A gente tinha esse acesso ao pão, mas aquela família não tinha. E a menininha virou para mim e falou: ‘é assim que a gente faz de manhã, e tem com açúcar, um mingauzinho doce. Na hora do almoço, às vezes tem aquelas carninhas, e a tarde tem com as folhinhas verdes’. E aí eu vi que a realidade das pessoas que subiam uma escada a mais que a minha era mais cruel.”
Roda de conversa: Todas Elas Inspiram
Ela pontua que, ainda hoje, muito disso se repete no cotidiano, às vezes em contextos diferentes, como em comunidades nas quais faltam água constantemente porque a pressão não é suficiente, entre tantos outros problemas encontrados nas periferias.
Muito além da questão financeira, Crislaine chama atenção, também, para as múltiplas violências enfrentadas diariamente, sobretudo pelas mulheres que integram grupos minoritários, como as mulheres negras, e que são membros da comunidade LGBTQIA+.
“A gente precisa sim fazer um trabalho pra que essas mulheres (de periferia) parem de sobreviver e comecem a viver. Dessa narrativa de ‘eu sobrevivo’, eu ‘tô’ cansada. Não dá. Eu quero somente viver.”
A ativista reforça que a luta é de todas, mas passa também por políticas públicas de qualidade, que acolham essas mulheres, independentemente de quem sejam.
Uma trajetória de luta também foi enfrentada por Jacqueline Moraes, que, em 2019, tornou-se a primeira vice-governadora do Espírito Santo, ocupando a posição até 2022, e hoje é Secretária Estadual de Políticas para as Mulheres.
Muito antes de ingressar na política, trilhou um caminho no empreendedorismo, começando como camelô, ainda sem muita escolaridade. Foi aos 43 anos, depois de ter se deparado com outras tantas realidades e demandas, com a necessidade de mudanças, que obteve o bacharelado em Direito, já durante o mandato como vice-governadora.
Ela conta que quando compreendeu a dimensão de ter se tornado a primeira mulher a ocupar um cargo tão alto no governo do Estado, começou a estudar mais, aprendeu mais história, sobre outras mulheres em posição de liderança, inclusive séculos antes.
“Tinha estudado até a quinta série incompleta, trabalhava, acordava cinco da manhã, armava minha barraca o dia todo e voltava para casa, para cuidar dos meus filhos. E em que um político mudava na minha vida? Nada. Na minha concepção do senso comum, nada. E aí quando alguém chega para você e diz que se você não gostar da política, será dominada pelo homem que gosta, se você começar a gostar, vai ter curiosidade de aprender, vai ser informado. E informação é poder. Quando eu falo que a mulher é empoderada, é porque a informação é poder.”
Jacqueline Moraes
Secretária Estadual de Políticas para as Mulheres
"Às vezes sinto um pouco de tristeza pelo delay (atraso) na minha vida, mas as oportunidades não permitiam. Hoje eu fico correndo atrás, vou bebendo dessas fontes de informação. Nós não conseguimos beber o poço todo, mas a gente consegue pelo menos uma canequinha"
A informação também foi transformadora para Josy Santos, líder em Inovação Social e Empreendedorismo Feminino da Semente Negócios.
“Eu sou filha de Paulina Maria de Souza, in memoriam, eu sou irmã de Gerlândia, de Paula Beatriz. Eu sou essa mulher, né? Sou uma mulher periférica, eu sou essa mulher que adora sentar num barzinho da minha da minha comunidade, que frequenta feira aos domingos e compra um pastel há 20 anos no mesmo lugar, e que tive a minha vida marcada por tudo isso que a gente vê na sociedade, que é objetificação do corpo da mulher, que é o não respeito às mulheres.”
Josy Santos
Líder em Inovação Social e Empreendedorismo Feminino da Semente Negócios.
"Eu perdi minha mãe aos 13 anos, assassinada por um homem que achava que ter uma mulher, potente, empoderada, não era possível. (...) A partir daí, é aquilo que eu fiz com o que fizeram comigo"
Ela relata que foi morar com os tios, que eram empreendedores, uma palavra distante para ela, embora convivesse com essa rotina todos os dias. Cresceu vendo a vida se transformando a partir de pequenos negócios para geração de renda e alimentação da família.
“Eu cresci nesse movimento de empreendedorismo, né? Eu cresci vendo a minha vida se transformar. A vida da minha família, a vida da minha tia, a vida das minhas primas. Porque uma mulher, quando próspera no seu negócio, não impacta somente a vida dela, mas da sociedade, e isso eu não li num livro, isso eu vi acontecer na minha vida.”
Ela relata que começou a faculdade aos 28 anos, que foi somente quando teve condições. Nos estágios, teve contado com mais exemplos de empreendedorismo, de negócios prosperando, e isso despertou uma paixão. “Eu vi que eu queria fazer aquilo para a minha vida, não somente (lidar com) negócios, mas negócios liderados por mulheres.”
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