Sexo com mulher alcoolizada pode ser considerado estupri
Sexo com mulher alcoolizada pode ser considerado estupri. Crédito: Stefan Keller/Pixabay/Montagem

Estupro? Entenda quando sexo ou carícias com mulher embriagada é abuso

Expulsão do cantor Nego do Borel do reality show A Fazenda levantou o debate sobre consentimento e estupro de vulnerável

Vitória
Publicado em 14/10/2021 às 09h13

Após a expulsão do cantor Nego do Borel do reality show A Fazenda, por suspeita de estupro contra uma das participantes, o significado do termo consentimento entrou em debate nas redes sociais. Nas cenas divulgadas pelo programa, os confinados aparecem trocando carícias na cama. A modelo Dayane Mello estava visivelmente embriagada, e apesar de dizer que não houve sexo, confessou não se lembrar de tudo o que ocorreu.

Isso foi suficiente para que o departamento jurídico da emissora decidisse retirar o cantor do programa.

Dentro da casa, muitos participantes se mostraram surpresos com a expulsão de Borel e culparam a modelo: "Mas ela queria”, afirmaram. "Eles não fizeram nada demais". Nas redes sociais não foi diferente. Segundo especialistas consultados por A Gazeta, há falta de conhecimento sobre o assunto, o que explica, em parte, tantos questionamentos.

Afinal, houve consentimento? Uma pessoa embriagada é capaz de dizer o que quer? Se não houve relação sexual, não houve estupro? 

O QUE DIZ A LEI

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso. Essa é a definição de estupro, de acordo com o artigo 213 do Código Penal.

E ao contrário do que muita gente pensa, o crime não se dá apenas quando ocorre uma relação sexual, com penetração. Desde 2009, quando a lei foi reformada, passar a mão nas partes íntimas de uma mulher, por exemplo, também é considerado estupro. Isso se encaixa no “ato libidinoso”, previsto na legislação.

Mas o estupro também é previsto em um outro artigo do Código Penal, o 217 A, que especifica o crime ao tratar de pessoas em situação de vulnerabilidade.

É o caso de menores de 14 anos ou pessoa de qualquer idade “sem o necessário discernimento para a prática do ato” ou incapaz de oferecer resistência, "como quando ela está dormindo ou sob efeito de substâncias como álcool ou drogas”, exemplifica a advogada Maíra Zapater, especialista em Direito Processual Penal.

De acordo com Zapater,  não há uma previsão legal expressa sobre a prática de estupro com uma pessoa embriagada. Mas essa é uma interpretação da parte final do artigo 217, em que a legislação equipara a violência sexual em situações que a vítima não pode oferecer resistência. 

“Ainda que a pessoa de 14 anos diga que quis manter uma relação sexual ou qualquer ato, a lei vai dizer que a vontade dela não vale, que ela não tem a capacidade para consentir. E isso é equiparado à uma pessoa embriagada. Ainda que ela diga sim, que ela quer, a lei considera que essa vontade não é juridicamente válida”, destacou.

Maíra Zapater

Advogada e especialista em Direito Processual Penal

"É importante levar em conta o que a vítima diz. E quando ela não se lembra do que aconteceu, isso pode ser considerado ausência de consentimento"
Nego do Borel e Dayane Mello, em
O cantor Nego do Borel é investigado por suspeita de estupro contra a modelo Dayane Mello. Crédito: Reprodução/Playplus

CONSENTIMENTO

Na avaliação da advogada e Mestre em Direitos em Garantias Fundamentais Renata Bravo, no caso da modelo Dayane Mello, ela não tinha consciência plena para consentir qualquer relação, sexual ou não. 

"Ela precisou de ajuda para trocar de roupa, mal parava em pé. E essa situação era perceptível para as pessoas ao redor, tanto que elas tentaram intervir, alertar", pontuou.

Renata Bravo

Advogada e Mestre em Direitos Fundamentais

"Uma pessoa embriagada não tem a consciência plena dos atos que pratica. Então a capacidade de consentir está comprometida"

Renata Bravo considera que o consentimento precisa ser tratado como uma questão coletiva. E ressalta que a culpa nunca deve ser colocada na vítima. 

"A vítima nunca é a culpada, e no caso do reality show, em que era visível que outras pessoas estavam tentando ajudar, isso mostra que havia dúvidas se a participante queria aquilo mesmo. Acho que é preciso tratar como uma questão coletiva mesmo, se a pessoa não tem condição, quem está ao redor pode consentir ou não", avaliou. 

FAZER SEXO BÊBADO É ESTUPRO?

Não raro, as pessoas fazem sexo após ingerir bebidas alcóolicas. Isso, por si só, contudo, não é considerado estupro. Maíra Zapater explica que, nessas situações, a condição da pessoa para consentir precisa ser avaliada. E cada caso, é um caso. 

"Não existe uma quantidade de álcool estipulada para considerar que uma pessoa estava embriagada e sem condições de consentir alguma coisa. Não é como na lei de trânsito, que determina um limite de álcool. Na suspeita de estupro com uma pessoa embriagada, o juiz vai ter que verificar a capacidade de discernimento que ela tinha, a condição para consentir", destacou.

À frente da Delegacia Especializa de de Atendimento à Mulher (Deam) de Linhares, a delegada Silvana Soeiro chama atenção para uma normalização de abusos quando a pessoa está embriagada. De acordo com ela, existe falta de conhecimento sobre o estupro e uma tentativa frequente de culpabilizar a vítima.

Silvana Soeiro

Delegada

"A questão não é estar bêbado, mas ter capacidade para discernir o que você quer e tomar decisões. É muito frequente chegar na delegacia casos de pessoas que ingeriram bebida ou alguma substância e tiveram alguma relação, mas não se lembram. E durante a apuração você ouve de pessoas próximas à vítima 'mas ela quis beber, ela sempre bebe'. Isso não pode ser uma justificativa nem tratado como normal"

E SE A PESSOA QUE COMETEU O ESTUPRO TAMBÉM ESTIVER EMBRIAGADA?

De acordo com Renata Bravo,  no caso de quem é acusado de estupro, a embriaguez "não exclui a imputabilidade penal".  Ou seja, a pessoa vai responder pela pena e a situação é analisada pelo juiz.

"Durante o processo penal, isso vai ser analisado. Dependendo do nível da embriaguez, das substâncias ingeridas e das circunstâncias, o juiz pode ter um entendimento diferente da situação. Mas a embriaguez, por si só, não afasta a pena por parte de quem praticou o crime", explicou.

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