No Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas, mas a maioria não sabe que algumas situações diárias são crimes. Pensando nisso, a advogada capixaba Fayda Belo lançou recentemente o livro "Justiça para todas: o que toda mulher deve saber para garantir seus direitos", pela Editora Planeta.
“A ausência de informação faz com que muitas mulheres sequer tenham ideia de que estejam sendo violentadas, ocasionando a não punição do agressor, bem como a perpetuação da violência, que é um ciclo que pode se repetir, como tem ocorrido diariamente, em inúmeros casos de feminicídio.”
Em suas redes sociais, a advogada faz vídeos explicando conceitos jurídicos, leis e crimes contra as mulheres, além de temas como injúria racial, homofobia e assédio sexual. Com a iniciativa, a especialista ficou conhecida em todo país por democratizar o “juridiquês”.
Fayda utiliza uma narrativa simples e de fácil leitura, falando sobre crimes contra honra, violência psicológica, crimes sexuais e vários outros tipos, que são ilustrados em exemplos práticos, facilitando a identificação de casos que podem ser a realidade de muitas mulheres.
Como surgiu a ideia do livro?
Cresci vendo mulheres muito próximas a mim sendo violentadas de várias formas (eu, inclusive), e sempre tive a esperança de que isso não se tornasse eterno na vida de todas as mulheres brasileiras. Pensei que, do mesmo modo que a educação me salvou de diversas formas, ela também poderia salvar muitas mulheres. Abastecer mulheres de informação para saberem defender seus direitos e buscar justiça por qualquer tipo de violência que sofrem era um sonho pessoal e que está sendo materializado nesse livro.
Como você acha que o livro pode ajudar as mulheres?
A ausência de informação faz com que muitas mulheres sequer tenham ideia de que estejam sendo violentadas, ocasionando a não punição do agressor, bem como a perpetuação da violência, que é um ciclo que pode se repetir, como tem ocorrido diariamente, em inúmeros casos de feminicídio. Municiar as mulheres de informação é dar a elas o direito de saber que têm o direito de viver livres de qualquer tipo de opressão e violência. Levar informação de fácil compreensão e com linguagem simplificada significa colaborar para o combate ao machismo e à misoginia, bem como garantir que todas as mulheres, independentemente de classe ou grau de instrução, tenham acesso à Justiça. Como bem disse a escritora norte-americana Maya Angelou: ‘Quando uma mulher se defende, sem nem perceber que isso é possível, sem qualquer pretensão, ela defende todas as mulheres’. O que almejo é que todas elas aprendam sobre seus direitos, se defendam e, com isso, empoderem outras mulheres para que, um dia, possamos ter um país onde a violência contra nossos corpos não seja mais a regra, mas apenas exceção.
Por que os direitos das mulheres ainda são tão desrespeitados?
Precisamos lembrar que o Brasil foi um país colonizado e, desse modo, os europeus trouxeram um modelo de sociedade na qual objetivavam que o Brasil fosse moldado, e esse modelo era o homem como líder, o patriarca, e a mulher apenas como mero adereço, ou seja, a sociedade brasileira e as leis foram criadas por homens, para homens e para favorecê-los. E, desse modo, ainda que hoje tenhamos leis que coíbam a violência contra a mulher, ainda recolhemos resquícios dessa sociedade patriarcal e machista sob a qual o Brasil foi fundado.
Por que algumas mulheres têm dificuldade de identificar quando estão sofrendo abusos?
Como disse acima, com as bênçãos da lei, aos homens foi dado, desde o império, o poder sobre a vida das mulheres, como se elas fossem propriedade deles, fazendo com que a normalização da violência fosse a regra. Em virtude disso, ainda hoje muitas mulheres não conseguem enxergar que estão sendo violentadas, pois subsiste a falsa ideia de que existe uma hierarquia dentro de uma relação conjugal e que tudo o homem pode fazer. Por isso é tão necessário fomentar informação, pois se, de um lado, é cultural e histórico essa normalização da violência, por outro, precisamos lembrar que, na atual conjuntura, não é mais aceitável, além de ser crime também.
Quais os impactos a violência doméstica pode ter na vida profissional das mulheres? Como colegas e a empresa podem ajudar?
Costumo dizer que quem violenta uma mulher violenta toda sociedade, pois os resquícios atingem não apenas aquele lar, mas a vivência social, religiosa e corporativa dessa mulher. É necessário que as organizações se capacitem e treinem seu time para acolher, ajudar e proteger essa mulher, pois o enfrentamento à violência contra a mulher não é dever apenas do poder público, mas trata-se de responsabilidades sociais de todos os atores que integram a sociedade brasileira.
Recentemente, houve o caso do presidente da federação de futebol espanhola que beijou uma jogadora, sem o consentimento dela. A maior reclamação da moça é que ninguém chega perto dela para dar parabéns pela conquista e sim para falar do beijo. Por que esse tipo de situação ainda acontece? Por que as mulheres precisam se justificar quando sofrem abusos: se estão com roupa curta ou beberam?
Infelizmente, ainda hoje em nossa sociedade perdura a chamada cultura do estupro, que, em síntese, significa que a sociedade tenta culpar as vítimas de crimes sexuais e minimizar o comportamento violento dos homens que praticam tais delitos. Vale dizer, a sociedade tenta achar meios para justificar, normalizar e chancelar a violação dos corpos femininos pelos homens. A cultura do estupro é resultado da normalização de comportamentos machistas, que incitam crimes sexuais e várias outras agressões contra as mulheres.
O que ainda falta para reverter esse quadro?
Enquanto a mulher não for vista como um indivíduo sujeito de direitos, e não como um corpo disponível, enquanto duvidarem sempre da palavra da vítima, enquanto tentarem sempre achar uma razão que justifique a violação dos corpos femininos, esse tipo de violência sexual persistirá. É necessário que a sociedade e os atores do sistema de Justiça parem de normalizar e procurar justificativas para alguém que invade um corpo que não deu autorização para ser invadido. Violência sexual não tem relação com prazer, tem relação com violência, com uma violência brutal que tira da mulher o direito sobre suas vontades, seu próprio corpo.
Muitas empresas vêm ampliando as políticas de inclusão da diversidade, inclusive, incentivando mulheres a ocuparem cargos de liderança. Esse seria um caminho para diminuir a discriminação contra as mulheres?
Sim, mas não só nas empresas, mas igualmente em todos os espaços de poder e decisão, já que, como dito, o modelo de sociedade que o Brasil adotou desde o império foi o homem como figura central e a mulher apenas como uma coadjuvante. E, até hoje, vivemos os resquícios desse sistema de sociedade adotado, principalmente porque são os homens que, em sua maioria, ocupam os cargos de liderança nas organizações públicas e privadas, que criam as leis, e são os homens que julgam as leis, pois as mulheres nesses espaços ainda são um número bem pequeno, o que resulta na demora da mudança da estrutura machista na qual foi fundada a sociedade brasileira. Por isso, é de extrema importância ações afirmativas de equidade de gênero em todos os espaços, visando não apenas equilibrar a balança, mas combater de fato o machismo estrutural que furta das mulheres o direito de serem vistas e tratadas como indivíduos.
Muitas empresas vêm ampliando as políticas de inclusão da diversidade, inclusive, incentivando mulheres a ocuparem cargos de liderança. Esse seria um caminho para diminuir a discriminação contra as mulheres?
Sim, mas não só nas empresas, mas igualmente em todos os espaços de poder e decisão, já que, como dito, o modelo de sociedade que o Brasil adotou desde o império foi o homem como figura central e a mulher apenas como uma coadjuvante. E, até hoje, vivemos os resquícios desse sistema de sociedade adotado, principalmente porque são os homens que, em sua maioria, ocupam os cargos de liderança nas organizações públicas e privadas, que criam as leis, e são os homens que julgam as leis, pois as mulheres nesses espaços ainda são um número bem pequeno, o que resulta na demora da mudança da estrutura machista na qual foi fundada a sociedade brasileira. Por isso, é de extrema importância ações afirmativas de equidade de gênero em todos os espaços, visando não apenas equilibrar a balança, mas combater de fato o machismo estrutural que furta das mulheres o direito de serem vistas e tratadas como indivíduos.
Sobre o livro
- Título: Justiça para todas
- Autora: Fayda Belo
- 176 páginas
- R$ 64,90
- Editora Planeta
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