Lívia de Azevedo Silveira Rangel, historiadora
Lívia de Azevedo Silveira Rangel, historiadora
Lívia Rangel

"Mudanças são perceptíveis. Mas há mulheres que ainda lutam por questões muito antigas"

A historiadora Lívia Rangel pesquisou o feminismo no Espírito Santo e a luta das mulheres por direitos, traçando um paralelo entre o início do século XX e os tempos atuais. Será que nada mudou?

Tempo de leitura: 2min
Lívia de Azevedo Silveira Rangel, historiadora
Vitória
Publicado em 15/03/2023 às 11h24

Pode ser tênue a linha que separa mulheres das primeiras décadas do século XX para as que vivem na contemporaneidade. A diferença, em muitas circunstâncias, é apenas temporal. São histórias de luta para abrir novos espaços e garantir direitos, mas também de conquistas. A historiadora Lívia de Azevedo Silveira Rangel traça um paralelo de diferentes momentos da vida de mulheres no Espírito Santo em um livro, mas, antes do lançamento de "Feminismo ideal e sadio: os discursos feministas na escrita de mulheres intelectuais capixabas", fala de suas percepções em uma roda de conversa do Projeto Todas Elas, de A Gazeta.  

O evento "Todas Elas Inspiram" vai ser realizado nesta sexta-feira (17), a partir das 8h30, com inscrições gratuitas ao público. Também participam do bate-papo a secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Jacqueline Moraes; a ativista social Crislayne Zeferina; a líder em Inovação Social e Empreendedorismo Feminino, Josy Santos; e a editora-chefe de A Gazeta/CBN Vitória, Elaine Silva. 

A roda de conversa, observa Elaine Silva, é uma forma de conectar o presente ao passado, de olho no futuro do empreendedorismo feminino. O que se pode aprender com a primeira mulher médica ou na política, por exemplo, o que elas têm a ensinar para quem vive num mundo como o de hoje. A editora-chefe ressalta que o Todas Elas abre espaço para um debate importante que traz as referências históricas das pesquisas de Lívia Rangel e se entrelaçam com as mulheres que fazem a diferença em suas áreas atualmente, como as participantes do encontro. 

Lívia Rangel, que também é professora do Ifes e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência da Ufes, fala um pouco, nesta entrevista, sobre sua participação no "Todas Elas Inspiram", e sobre sua visão da jornada de mulheres no Estado, avanços e permanências. Confira!

O que você pretende apresentar na roda de conversa?

Tenho uma pesquisa historiográfica desde os discursos feministas, a mobilização do início do século XX, que trata de mulheres históricas do Espírito Santo, até as que têm protagonismo atualmente. Faço um contraponto entre essas histórias, vinculado nas mais diversas áreas, como ciência, literatura, docência, militância política. Vou fazer essa contextualização sobre a história das mulheres do Espírito Santo. 

Vamos discutir também a participação das mulheres no mercado de trabalho, como houve essa entrada de mulheres caracteristicamente oriundas de classe média urbana e como entraram nesse debate das reivindicações por direitos. 

Na sua pesquisa, o que mais te surpreendeu sobre a história das mulheres no ES?

O que me chamou atenção — e ainda chama — é a dificuldade de aqui no Estado, dentro da produção historiográfica, não se enxergar a presença e a riqueza das mulheres discutindo seus direitos, sejam políticos, civis, sociais, sejam as discussões sobre seu próprio corpo. 

É como se o Espírito Santo estivesse isolado do restante do país. A gente interpreta a história do Espírito Santo sempre isolada ou com a perspectiva tardia, como se tardasse a se desenvolver ou a implantar um conjunto de ideias. Na minha pesquisa em relação ao feminismo, constatei que havia um diálogo muito intenso entre as mulheres capixabas com as do Rio de Janeiro e de outros lugares sobre, por exemplo, encontrar um caminho de emancipação. Isso foi bem surpreendente para mim.

Por quê?

Desde que comecei, disseram que não havia feminismo, que isso era muito atual, mais contemporâneo. Mas havia movimentos nos anos de 1920, 1930. Diálogos de mulheres daqui com Bertha Lutz (cientista e ativista feminista), por exemplo.

E esses movimentos se perderam para serem retomados mais recentemente?

Há um vazio historiográfico dos movimentos feministas e de mulheres no Espírito Santo. Houve também um movimento de refluxo porque, depois que as mulheres conquistam o direito ao voto (incorporado à Constituição Federal em 1934, mas facultativo), pouco tempo depois houve um golpe de Estado dado por Getúlio Vargas. As mulheres só voltam a se mobilizar de maneira mais organizada nos anos 1960, 1970. 

No Espírito Santo, percebemos, em 1980, movimentos de mulheres organizadas, algumas sindicalizadas e que atuavam politicamente. Infelizmente, faltam pesquisas substanciais sobre o período. 

Que paralelos você conseguiu estabelecer entre as mulheres do início do século XX e as de hoje?

Quando se fala da história dos feminismos, há muitas permanências, questões que não foram resolvidas. São reivindicações que se mantêm, algumas até estão garantidas por lei, mas não se concretizam, e outras sequer estão garantidas. Na relação que tracei, é possível perceber a linhagem histórica de reivindicação de direitos, de ocupação de espaços que eram negados a elas. Isso permanece. 

Agora, também existem mulheres que continuam sendo pioneiras em algumas áreas. Um exemplo é a Camila Valadão (deputada estadual pelo Psol), que foi a primeira mulher negra a ocupar uma vaga na Câmara Municipal de Vitória. Muitas mulheres continuam sendo pioneiras, mas são longos processos, de lutas necessárias contra as hierarquias, as desigualdades. 

Num paralelo otimista, mudanças são perceptíveis. Mas há o lado em que as mulheres continuam insistindo em questões muito antigas. Conquistaram o direito ao voto, por exemplo, mas continuam sub-representadas na política. 

Para você, o que mais aflige as mulheres hoje?

Tenho certeza que a coisa mais grave, que mais aflige as mulheres, é a condição de extrema vulnerabilidade, em especial as mulheres negras e as periféricas, em que muitas são assassinadas pelo simples fato de serem mulheres. A estrutura patriarcal nos coloca como vítimas da violência dos homens que ainda enxergam as mulheres como posse. 

Se formos pensar em termos legais, as mulheres só deixaram de ser tuteladas dos homens em 2002. Se a lei demorou tanto, imagine em termos culturais. 

O que mais você considera importante ressaltar sob a perspectiva das mulheres?

Uma questão fundamental é que hoje, no Espírito Santo, temos coletivos feministas de mulheres jovens discutindo a questão do aborto, feminicídio, expandindo espaços. A gente, muitas vezes, demora a enxergar essas pessoas e a ver como isso muda a cara do fazer política. As mulheres estão o tempo todo mobilizadas pelos seus direitos. 

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