Paula Barcellos Tommazi Corrêa, 48 anos, é CEO da Viação Águia Branca e coordena a operação de 850 ônibus que transportam, todo ano, nove milhões de passageiros por nove Estados do país. Marisa de Deus Amado, 59 anos, comanda a entidade que representa 324 cartórios no Espírito Santo. Elaine Silva, 44 anos, é editora-chefe em uma empresa de jornalismo com mais de 90 anos de história. Jacqueline Moraes, 45 anos, já foi camelô e saiu da informalidade para subir a escadaria do Palácio Anchieta como a vice-governadora.
Mulheres com idades, histórias de vida e personalidades diferentes, mas que têm algo em comum: todas estão atualmente em um posto de liderança que só havia sido ocupado anteriormente por homens. Sim, elas são pioneiras em suas respectivas cadeiras.
Contudo, esse feito, embora grandioso e digno de comemoração, evidencia um grande problema: Paula, Marisa, Jacqueline e Elaine são a exceção.
Segundo um estudo da consultoria Bain & Company e da rede social profissional LinkedIn, divulgado em 2020, a representatividade de mulheres em cargos executivos de empresas é de 16%. Já entre os CEOs, o índice é ainda menor: apenas 3% das posições no Brasil são ocupadas por mulheres.
Em relação à Jacqueline, que ocupa um cargo político, a situação também é preocupante. Levantamento feito pela ONU Mulheres mostra que o Brasil ocupa o penúltimo lugar entre as nações da América Latina no quesito representatividade feminina, englobando cargos executivos, legislativos e em ministérios. Só fica à frente de Belize e Haiti.
Esses dados evidenciam uma contradição, visto que mulheres são 60% da força de trabalho com ensino superior no País e têm, em média, mais anos de estudo que os homens. O que leva a crer que a dificuldade de alcançar postos de liderança tem mais a ver com questões culturais do que com a competência delas para ocupar essas posições.
REFERÊNCIA E HISTÓRIA
Marisa Amado assistiu de camarote a entrada de mulheres no setor onde atua. Formada em Direito e titular de cartório há três décadas, ela lembra que, há alguns anos, era praticamente a única mulher a frequentar as reuniões do Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo (Sinoreg/ES).
“Só eu e uma colega que participávamos efetivamente das reuniões. Na época, mulher como titular de cartório deveria eram oito ou dez em um universo de 200. A gente foi ocupando o espaço e chegamos até aqui”, lembra.
Atualmente, a liderança feminina está em quase metade dos 324 cartórios capixabas. Esse movimento contribuiu para que Marisa fosse eleita no fim de 2020 para comandar a entidade. Ela é a primeira mulher que ocupa o cargo em 22 anos, desde a criação do Sinoreg.
Essa eleição também foi a primeira na história da entidade em que não houve chapa única. Ou seja, Marisa concorreu contra uma chapa liderada por um homem e venceu com 53% dos votos.
“Sempre participei ativamente, sempre coloquei as minhas posições mesmo que desagradasse os colegas. Fiquei mais feliz ainda por que não foi em uma chapa única, uma chapa de consenso. A disputa foi acirrada, mas acredito que minha eleição se deve ao meu trabalho no Sinoreg todos esses anos”, diz.
A força para lutar pelo que acredita, driblar o preconceito e buscar seus objetivos ela atribui às muitas referências femininas que teve durante a vida. Uma delas foi Judith Leão Castello Ribeiro, a primeira mulher eleita deputada estadual no Espírito Santo. Natural da Serra, Judith era amiga dos pais de Marisa.
“As histórias que contavam tinham sempre o tom de respeito e admiração por esta mulher. Eu conheci Dona Judith pessoalmente, era a referência que eu tinha”, lembra.
Outras figuras da infância também tiveram forte influência na trajetória de Marisa. Eram mulheres pioneiras que quebraram paradigmas e ocuparam posições que não eram comuns para uma mulher.
"Naquela época, as mulheres eram professoras, ajudavam os maridos no comércio ou eram donas de casa. Mas tinha dona Salviana Vizeu, que trabalhava nos Correios. Eu ficava encantada de vê-la operando um telégrafo. Minha mãe também foi um exemplo quando assumiu o cartório, mesmo com seis filhos. Mais adiante, com a instalação da comarca de Serra-Sede, tive oportunidade de ter contato com mulheres escrivãs, mulheres promotoras de Justiça”, afirma.
AUTOESTIMA E TRABALHO DURO
Assim como Marisa, Paula Corrêa conhece a sensação de ser a única mulher em um ambiente predominantemente masculino. Há dois anos ela ocupa o cargo de CEO no Grupo Águia Branca, a primeira mulher nessa posição em mais de 70 anos de empresa.
“Já estive em reuniões onde era a única executiva mulher responsável por uma empresa de transporte rodoviário de passageiros que não era da família. Eu vim do mercado, nunca tive nenhuma facilidade por isso. Sempre tive uma trajetória de muito trabalho e muito estudo”, relata.
Antes, ela, que é engenheira, passou por diversas empresas e se apaixonou pela área de marketing. Até conquistar uma das três vagas na diretoria executiva da empresa, Paula foi diretora-comercial na Águia Branca por dez anos.
A executiva acredita que, além do esforço árduo no trabalho e a dedicação aos estudos, a família contribuiu para que ela conseguisse alcançar essa posição.
“Nenhuma mulher cresce profissionalmente se o marido for um peso pra ela. Se ele for alguém que acha que ela trabalha muito. Se ele não for parceiro de verdade, não dá, o casamento fica pra trás. Sou casada há 27 anos, fui mãe muito jovem. Esse equilíbrio é muito importante”, avalia.
Atualmente, Paula mantém um perfil nas redes sociais onde usa sua experiência para compartilhar dicas e reflexões sobre dividir o tempo e a vida entre a família e o trabalho.
A executiva acredita que ocupar um lugar de poder dentro de uma empresa tão relevante inspira outras mulheres a almejar o topo. Para Paula, além de serem tão competentes quanto os homens, as mulheres têm ainda caraterísticas que são muito importantes nos cargos de liderança, como sensibilidade, intuição e criatividade.
Ela aponta que, muitas vezes, o que impede as mulheres de alçar voos maiores é a falta de autoconfiança.
“A mulher se prepara, mas tende a acreditar menos nela que o homem. Tem vários estudos mostrando isso. Ouvi de grandes empresas que, ao disputar uma vaga, a mulher tem 110 % das competências exigidas,mas ela questiona se está preparada e nem se candidata. O homem tem 70%, mas vai lá e se candidata“, diz.
TRANSPARÊNCIA E CORAGEM
A editora-chefe de A Gazeta, Elaine Silva, também acredita que o bom equilíbrio entre a família e o trabalho permite que o caminho até os cargos mais altos seja galgado com mais tranquilidade e menos culpa.
Ela avalia que, por muito tempo, gestores e até familiares não encorajaram mulheres a ocuparem essas posições por acreditar que elas precisariam fazer um “esforço a mais”, afinal, além do trabalho, mulheres sempre tiveram que se responsabilizar pela educação dos filhos e o cuidado da casa.
“A base familiar para ter esse tipo de conquista é muito importante. Me deixa segura para tomar minhas decisões sem sofrer. Muitas vezes até tem sofrimento, culpa. Mas a pessoa tem que entender o que a move, o que a faz feliz. Se eu estou feliz no meu trabalho, minha família tem que entender que eles contribuem para essa felicidade”, afirma.
A jornalista, que já quis ser engenheira, passou por diversos postos até se tornar editora-executiva em 2019, o cargo mais alto dentro de uma redação e que até então só havia sido ocupado por homens.
Elaine acredita que, muitas vezes, o medo impede que mulheres aceitem desafios maiores. Medo de não se encaixar, de não conseguir se afirmar naquela posição de gestão, de lidar com chefes, pares e até subordinados.
“É um desafio que enfrento até hoje. Você participa de reuniões e decisões que só têm homens. No início tem um medo e até raiva de algumas situações em que você vê um comentário, uma piada. Eu fui aprendendo a lidar com isso. É preciso vencer esse medo e eu sempre fui muito transparente. Se eu ouvia uma piada que não gostava eu não precisava falar nada porque já dava pra ver na minha cara”, conta.
Ela não nega que homens e mulheres tenham características diferentes que podem influenciar na maneira como gerenciam determinadas situações. Porém, Elaine acredita que a variedade de ideias e abordagens contribui para que as empresas tomem decisões melhores.
“No caso da redação, já temos muitas mulheres e eu tento estimulá-las pelo exemplo, pela inspiração. Mas acho que empresas podem e devem estimular de forma mais objetiva. Se acreditam que as mulheres não estão aptas para a função de gestão por falta de capacitação, que capacitem as mulheres para que cheguem a esses cargos. Políticas afirmativas que buscam igualdade de gênero são muito importantes”, ressalta.
PELA VOZ DAS MULHERES
A vice-governadora do Espírito Santo, Jacqueline Moraes, afirma que tem uma missão em seu posto, conquistado na eleição de 2018: lutar incansavelmente para que o trabalho das mulheres, principalmente na política, mas não só, tenha visibilidade e seja reconhecido.
“Somos 53% da população e temos um nível de representatividade que não passa de 12% ou 13%. A ciência mostra que quando as mulheres participam, quando têm poder de forma igualitária, a sociedade muda. A voz da liderança política tem peso na sociedade”, afirma.
Hoje primeira mulher a ocupar o segundo cargo mais alto no executivo estadual, Jacqueline era camelô antes de entrar na vida pública. Começou na base, como presidente da Associação dos Camelôs do Centro de Vitória. Depois, foi líder comunitária do Bairro Operário, em Cariacica, por dois mandatos.
O início do reconhecimento veio com a eleição para uma vaga na Câmara da cidade. Mas, mesmo tendo sido escolhida pelos munícipes para ocupar aquele posto, ela afirma que se sentia silenciada.
“O que eu percebi ali é que as pessoas não te ouvem. Mas não é uma questão de vocalidade, de som. É questão de respeito com o que você fala. Às vezes eu falava de alguma pauta que eu achava interessante e eu sentia o deboche, as risadas. Parece que o nosso discurso tem um peso menor. Essa falta de respeito com o que a gente fala é muito forte no espaço de poder”, diz, salientando que esse não é o caso em seu cargo atual.
Atualmente, a vice-governadora relata que o governador Renato Casagrande faz questão de que ela se pronuncie durante as reuniões e a empodera a participar ativamente das tomadas de decisão.
Como referência, Jacqueline conta que se inspira na chanceler alemã Angela Merkel, que, segundo ela, exemplifica a “frieza e estratégia que mulheres são capazes de ter na vida pública".
No Estado, ela aponta a senadora Rose de Freitas, primeira senadora mulher do Espírito Santo, como referência. "São mulheres que me inspiram a saber que na vida pública a gente precisa reafirmar os nossos compromissos”, aponta.
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