O número de autores de violência contra mulheres presos no Espírito Santo subiu 21,6% em 2022, na comparação com o ano anterior. No total, entre prisões em flagrante e cumprimento de mandatos, 2.573 agressores foram detidos, segundo informações da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher (DIV-DEAM) da Polícia Civil do Espírito Santo (PCES).
O número de medidas protetivas solicitadas também aumentou, passando de 8.152 para 9.488, com um avanço de 16,38%. E mais, foram registrados 17.707 boletins de ocorrência, um acréscimo de 27,3% comparado ao ano de 2021 (13.907).
Especialistas avaliam que a explicação decorre de dois fatores predominantes. O primeiro deles é consequência do aumento do número de casos de violência, que nem sempre resultam em morte, mas provocam outros tipos de danos.
“Concomitantemente, temos vários programas de proteção contra a mulher, tanto Patrulha Maria da Penha, botão de pânico, uma série de programas, delegacias especializadas, que começam a ficar cada vez mais disponíveis. Então, há mais situações de violência em evidência e mais possibilidades de fazer a denúncia”, observa Jaqueline Bagalho, doutora em Psicologia e professora do mestrado de Segurança Pública da Universidade Vila Velha.
Ela pontua ainda que, ao longo dos anos, o Poder Judiciário e as polícias foram se tornando mais preparados para identificar o que é violência de gênero e adotar as medidas cabíveis.
Neste contexto, o número de feminicídios fez o caminho inverso, baixando de 38 para 31, com redução de 16,38% entre 2021 e 2022, sendo que, nos meses de fevereiro e novembro, nenhum caso foi registrado, de acordo com dados do Observatório da Segurança Pública da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp).
É fato que o número de mulheres em situação de violência ultrapassa em muito o número de feminicídios, e, ainda assim, a subnotificação dos casos de violência doméstica é um obstáculo a ser enfrentado diariamente.
“Já houve situações em que a violência contra a mulher era vista como apenas uma briga comum. Agora você vê uma mudança no atendimento, com profissionais mais capacitados para entender as consequências disso, o que acabou trazendo maior clareza da necessidade de enfrentamento. O Espírito Santo sempre teve uma taxa de feminicídio alta, e há um peso grande dessa cultura machista na violência contra a mulher.”
Jaqueline Bagalho
Doutora em Psicologia e professora do mestrado de Segurança Pública da Universidade Vila Velha
"Há mulheres que identificam o comportamento violento, sabem da potência, mas não denunciam porque ouvem todo um discurso, às vezes até religioso, de que tem que ficar, de que é ela que vai modificar o homem. Isso tudo agrava a situação e, mantendo essa lógica, há subnotificação"
Embora o número de denúncias tenha crescido substancialmente, o mesmo não se pode dizer, por exemplo, do número de inquéritos relatados (finalizados), que aumentou apenas 0,5% entre um ano e outro e, ainda assim, é bastante inferior ao número de boletins de ocorrência registrados. Ao longo de 2022, somente 6.375 investigações foram concluídas no Estado.
A delegada Michele Meira, da Gerência de Proteção à Mulher da Sesp, observa ainda que nem sempre as vítimas optam por representar judicialmente contra o agressor. Para instauração de um inquérito, uma vez que é feito o boletim de ocorrência, o delegado ou a delegada analisa o fato e, a partir daí, a vítima precisa decidir se quer denunciar.
"Sendo crime e a pessoa denunciando, começa a investigar. Então, não necessariamente porque aumentou o número de boletins, aumenta o número de inquérito. Podem ser casos atípicos. Às vezes, a mulher não quer representar, quer somente a medida protetiva".
Ela explica ainda que há outros fatores por trás dos números. "Não necessariamente os finalizados em um ano foram registrados naquele ano. Tem várias questões que flutuam nessa questão da resolutividade do inquérito. Além disso, se a mulher abre o inquérito e depois desiste, como às vezes acontece, o inquérito não é dado como relatado. É arquivado."
A pesquisadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência contra a Mulher no Espírito Santo (Lapvim), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Heloisa Ivone da Silva de Carvalho avalia que, mesmo com a redução dos dados de feminicídio, não se pode ignorar a violência, que também precisa ser combatida com urgência.
“Será que a nossa sociedade não culpabiliza as mulheres agredidas questionando suas escolhas de vida? Será que essas instituições públicas no Espírito Santo têm ideia do que é ser mulher e uma sociedade alicerçada no patriarcado, no machismo, no sexismo e no racismo, antes de ser assassinada? Precisamos trabalhar na desconstrução dos valores machistas que, infelizmente, ainda existem. E essa deve ser uma luta e um compromisso não só das mulheres, mas da sociedade como um todo.”
Heloisa Ivone da Silva de Carvalho
Pesquisadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência contra a Mulher no Espírito Santo (Lapvim/Ufes)
"Começa ainda na infância. O pai bate e diz que é porque ama. E aí chega à vida adulta, a mulher apanha, o homem pede perdão, diz que ama também. E como fica? Se a mulher chega na delegacia e tem lá um homem, ou alguém que não está preparado para lidar com essa situação, como é isso? A gente precisa de uma transformação"
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.