Elisiane Oliveira fazendo trança nagô em Lidiane Gomes da Silva
Elisiane Oliveira fazendo trança nagô em Lidiane Gomes da Silva. Crédito: Fernando Madeira

Trança nagô vira oportunidade de negócios para mulheres em Vitória

Tradição de origem africana é uma forma de valorização do cabelo crespo que se torna, cada vez mais, fonte de renda para mulheres empreendedoras

Tempo de leitura: 4min
Vitória
Publicado em 28/08/2022 às 09h09

Basta um pente fino, agulha e alguns adereços para colocar as mãos à obra. O resultado é uma obra de arte nos cabelos com a trança nagô, uma tradição cultural de origem africana que, além da beleza, desempenha o papel de poder da mulher negra.

Quem sabe bem disso é a cabeleireira Elisiane Oliveira Souza, 46 anos. Em 1990, quando pouco se falava da valorização do cabelo crespo, ela procurava alguém para fazer trança nela, mas não achava ninguém que soubesse.

“Eu moro em Vitória e tive que sair da cidade e pagar caro para colocar tranças em meu cabelo. O problema é que, da forma que a profissional fez, caiu tudo. Eu fiquei desesperada, e então coloquei na minha cabeça que precisava aprender”, explica.

Elisiane Oliveira é instrutora de tranças
Elisiane Oliveira fazendo tranças nagô em Lidiane Gomes da Silva. Crédito: Fernando Madeira

A primeira modelo de Elisiane para treinar, na época, foi a sua irmã. Em seguida, sua mãe, depois as vizinhas… Até que chegou a primeira cliente, a segunda, a terceira, e as coisas foram crescendo. “Eu não tinha profissão, eu trabalhava na casa dos outros. Às vezes, não tinha o que comer", conta.

Elisiane Oliveira

Cabelereira e Instrutora de Tranças 

"Antigamente, ninguém valorizava o cabelo crespo, o black, o volume do cacheado. Eu mesma tinha preconceito. Mas aí eu fui percebendo que as tranças são mais do que estética, é uma forma de valorizar a origem negra, da mulher preta ter autoestima, se empoderar"

Para que a atividade realmente desse certo, a Elisiane precisou de um ingrediente comum a todos que querem empreender: capacitação profissional. Em 2003, a aspirante a trancista foi em busca de cursos gratuitos disponibilizados pela Prefeitura de Vitória.

Elisiane Oliveira é instrutora de tranças
Elisiane Oliveira fazendo tranças nagô em Lidiane Gomes da Silva, 37, autônoma. Crédito: Fernando Madeira

“Quando comecei a frequentar as oficinas disponibilizadas pelo Cras (Centro de Referência de Assistência Social), descobri que as tranças podiam me dar um resultado além do que eu estava tendo, foi aí que me capacitei. O resultado desse aperfeiçoamento é que consegui construir a minha casa, ter o meu salão. Hoje sou cabeleireira e faço outros procedimentos nos cabelos, mas 50% do meu rendimento continua sendo das tranças”, comenta.

Elisiane Oliveira

Cabelereira e Instrutora de Tranças

"Comecei a trançar cabelos na cozinha da minha casa, porque só tinha dois cômodos. Comecei e nunca mais parei. Hoje, tenho duas casas, tenho um salão de beleza. Tudo conquistado com o dinheiro recebido do meu trabalho de trancista. sou exemplo real de que empreender como trancista é uma boa opção"

VALORES DE REFERÊNCIA

Segundo a trancista, o valor cobrado diz respeito à parte do cabelo que é trançada e à mão de obra do profissional. 

  • Trança nagô: 
  • Lateral simples: R$ 30,00 (em média, meia hora);
  • Meia cabeça: R$ 50,00 (em média, 1h);
  • Trança com fibra: R$180,00 apenas a mão de obra. O valor vai aumentar de acordo com o tamanho e preço do material.

Outros tipos de tranças são as box brands, que consiste em dividir o cabelo em quadrados e trançá-los até as pontas. Elas  também têm variações de estilos, podendo ser feitas, principalmente, com jumbo, lã ou fibra sintética. Dessa forma, o preço vai variar de acordo com o material utilizado e a mão de obra cobrada.

CAPACITAÇÃO GRATUITA EM VITÓRIA

Atenta às demandas das comunidades, a Unidade Inclusão Produtiva de Vitória, equipamento da Secretaria de Assistência Social do município, oferece cursos de tranças nagô com o objetivo de oferecer qualificação profissional para que os participantes transformem a sua vida por meio do empreendedorismo.

A primeira capacitação foi oferecida em 2021, atendendo uma demanda reprimida da pandemia. Na ocasião, foram 40 horas de aulas para apenas 15 participantes. No entanto, a unidade recebeu 50 inscrições.

Curso de tra
Curso de tranças oferecido pela Prefeitura de Vitória. Crédito: PMV/Divulgação

De acordo com a assessora técnica de inclusão produtiva Débora da Silva Valadares, a aceitação do público foi a primeira mostra de que esse curso tinha uma demanda social.

“Esse curso surgiu na unidade como uma sugestão das pessoas que querem se capacitar. Fizemos uma parceria com o Ensino Social Profissionalizante (Espro) e conseguimos promovê-lo no ano passado. Mas, por causa das limitações da pandemia, muita gente não pôde participar e, por isso, pensamos numa segunda edição”, explicou.

A segunda edição da capacitação foi por meio de um workshop, realizado em julho deste ano, no qual 15 mulheres participaram. Desta vez, foram oito horas de oficina. 

“O público atendido é bem mesclado. Tem desde aquelas mulheres que já empreendem até aquelas que estão desempregadas e buscam uma nova qualificação para ter uma fonte de renda. Tivemos o relato, por exemplo, de uma idosa que quer voltar para o mercado de trabalho por meio das tranças. Outro de uma adolescente que quer ajudar a mãe, que já tem um empreendimento na área. As tranças unem gerações”, acrescenta Valadares.

Um exemplo é a dona de casa Sônia Dias, de 70 anos. Ela contou que sempre teve o sonho de trançar cabelos e só de se inscrever para a oficina já começou a pensar num futuro como trancista.

"Já falei com minhas filhas que gostaria de trabalhar como trancista. Quero fazer outros cursos para ficar boa no que pretendo fazer. Minhas filhas quando souberam do meu interesse me apoiaram muito", comentou.

Dona de casa Sônia Dias, de 70 anos, fez curso de trança nagô
Dona de casa Sônia Dias, de 70 anos, fez curso de trança nagô. Crédito: Divulgação/PMV

Quem também salienta a presença da cultura africana na região de São Pedro e Santo Antônio é a Coordenadora de Inclusão Produtiva, Beatriz Souza Oliveira.

“Em Inhanguetá, São Pedro, Santo Antônio… em diversas casas desses bairros e adjacentes vemos plaquinhas que dizem ‘faço tranças’. É uma característica do território, que se refletiu nas capacitações que são oferecidas pela Unidade de Inclusão Produtiva. Justamente, porque é a comunidade que queremos atender”, comentou.

A coordenadora disse ainda que os munícipes têm acesso às capacitações, oferecidas ao longo do ano, por meio de encaminhamentos dos serviços de assistência social da capital, como, por exemplo, o Cras, o Centro Pop, entre outros.

“Caso o munícipe não tenha esse encaminhamento, ele pode vir aqui e fazer a pré-inscrição, que vai ser analisada. Além da capacitação, a unidade faz um trabalho de orientação sobre mercado de trabalho, com promoção de palestras, rodas de conversas sobre empreendedorismo, mulher e mercado de trabalho, como construir imagem profissional e pessoal, como fazer meu currículo, dentre outros temas”, finaliza.

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