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Desequilíbrio na relação de emprego
O ano de 2020 foi atípico na economia devido à pandemia e isso teve reflexos nas relações de trabalho: mais da metade dos empregos com carteira assinada foram na modalidade de contrato intermitente, segundo o Ministério da Economia. No entanto, essa forma de contratação que não prevê jornada fixa é uma tendência que não deve se manter, cresceu num momento difícil e que não serve de parâmetro.
O modelo intermitente tem aderência em países da Europa e nos Estados Unidos, pois o valor da hora trabalhada é superior à remuneração por hora referenciada no Brasil: que é baseado no salário mínimo, ou seja, atualmente está em R$ 5/hora.
Vale destacar que o trabalhador em contrato intermitente tem direito ao seguro-desemprego e demais benefícios da previdência social, a diferença são os encargos trabalhistas, que são recolhidos sobre o valor da hora trabalhada e não em cima do salário-base.
Através dos estudos efetuados, conclui-se que a rapidez em que a Lei 13.467/17 foi aprovada não se mostrou uma reforma reflexiva. A flexibilização das normas trabalhistas teve o intuito de facilitar as relações trabalho e possibilitar a expansão de vagas de empregos formais. Evidentemente que na prática não está sucedendo.
A princípio, pontuamos que, na contratação tradicional, o risco da atividade econômica é do empregador, ao passo que o contrato intermitente transfere tal risco ao empregado, em razão da ausência de previsibilidade quanto à prestação de serviço, condicionando o salário ao efetivo labor.
Embora a jornada intermitente seja mais flexível, é vantajosa apenas para os que buscam uma complementação de renda. Na verdade, é um contrato que mais convém aos empregadores, visto que podem optar por contratar o trabalhador somente para atender uma demanda específica, sem a necessidade de custear um empregado contínuo.
Essa modalidade carece de regulamentação em diversos pontos para que efetivamente traga segurança jurídica para o trabalhador, como: fixação da jornada diária; intervalo para descanso; número de recusas por parte do empregado quando da sua convocação; instituição de um intervalo entre as contratações; forma de recolhimento das contribuições previdenciárias quando os valores pagos não atingirem um salário mínimo, entre outros.
Com efeito, é inegável que a Consolidação das Leis do Trabalho necessitava de uma modernização. Todavia, ao flexibilizar as normas trabalhistas, na intenção de aumentar o número de empregos, os interesses dos trabalhadores não foram observados, causando desequilíbrio na relação de emprego.
Espaço para aumento da eficiência
O trabalho intermitente é uma modalidade de relação trabalhista em que o empregado trabalha e é remuneração somente quando a empresa está precisando dos seus serviços. Foi instituído com a recente reforma trabalhista, sob a alegação de que favoreceria a geração de empregos devido à flexibilidade da relação entre patrão e empregado. É possível.
Guardadas as devidas proporções, essa mudança lembra a dos anos 1940-50 com a instituição da CLT, que definiu o piso salarial para o mercado de trabalho, o salário-mínimo. Como a de agora, alegava favorecimento para o trabalhador devido à garantia do piso salarial.
A CLT regulamentou as relações trabalhistas de um Brasil com pretensões de desenvolvimento industrial que precisaria de mercado de trabalho. Trouxe segurança jurídica, mas não escapou das críticas de que a mão-de-obra estava sendo explorada.
Contudo, a ameaça estava no casuísmo da plutocracia que transformou um piso salarial em teto. Com isso, relativizou o benefício da CLT, e o trabalhador foi prejudicado. Então, o entrave da CLT estava mais ganância da plutocracia do que no haver piso salarial.
O tempo passou, a dinâmica do mercado de trabalho alterou-se, mas a legislação trabalhista não acompanhou – mesmo com férias remuneradas, abono de férias, final de semana remunerado, aviso-prévio para demissão sem justa causa, a sua regulação não teve fôlego para se ajustar às mudanças de mercado em curso.
Até que a recente aprovação da reforma trabalhista admitiu o trabalho intermitente – deu grau de liberdade para as partes decidirem – reacendendo a polêmica sobre as perdas para o trabalhador. São dois momentos distintos que enfrentaram situações análogas: a mudança de um paradigma.
O de agora admite trabalho sob demanda. Esse novo status quo pode ser tanto benéfico quanto maléfico para os trabalhadores e empresários. Depende do grau de comprometimento e profissionalismo de ambos.
A flexibilização pode abrir espaço para aumento de eficiência em que todos ganham. Contudo, tem um entrave - que é subproduto das omissões do Estado brasileiro: a baixa qualificação do mercado de trabalho. É a real ameaça à sustentação desse modelo. Principalmente considerando-se a mudança de paradigma tecnológico em curso.
Resumindo, não é a flexibilidade para negociar contrato de trabalho que ameaça o trabalhador e esse mercado. São as condições estruturais da economia. A ameaça é endógena, com ou sem reforma trabalhista.
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