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Presunção de inocência e impunidades
É necessário implementar direitos fundamentais. Não é razoável escolher pessoas ou grupos com direitos, mas sim garantir uma proteção efetiva para maiorias e minorias, para réus e vítimas no processo penal. Reconhecido isso, é preciso compreender que nosso Poder Judiciário tem duas instâncias ordinárias e duas instâncias superiores. As instâncias ordinárias são as responsáveis pelo julgamento de matérias de fato e de direito. As instâncias extraordinárias (STJ e STF) não foram criadas para julgamento de casos concretos, mas com a missão de garantir a uniformidade de entendimentos e o respeito à Constituição.
Uma pesquisa no Direito de outros países, como Inglaterra, EUA, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina, revela que em nenhum deles é necessário esperar a Suprema Corte se manifestar para que possa haver a prisão do réu para cumprimento de pena. Será que todos esses países violam direitos fundamentais? Ou o Brasil de fato está exagerando com uma interpretação que, a pretexto de preservar direitos fundamentais, contribui para a impunidade e estimula a interposição de recursos incabíveis aos tribunais superiores com o único objetivo (não declarado) de evitar a prisão.
O argumento da possibilidade de erro pelo Tribunal não convence, porque até a Suprema Corte, como disse Rui Barbosa, só tem a prerrogativa de errar por último. Não existe nenhuma garantia de que o STF não possa errar. É uma necessidade alguém ter a última palavra, e essa é do STF, mas, enquanto ele não julgar, prevalece a decisão condenatória ou absolutória do Tribunal.
A discussão no Brasil deveria envolver quais hipóteses de decisão de juiz de primeiro grau podem ser executadas. A situação de um indivíduo que participa por horas de um júri popular, é condenado e sai livre pela porta da frente ofende a noção de justiça que o povo espera.
Lembro que uma presunção não pode valer mais que um juízo de mérito com análise exaustiva das provas. É uma contradição afirmar que o juiz, para condenar, tem que ir além de qualquer dúvida razoável e, ainda assim, garantir que o réu tenha presunção de inocência.
Importante lembrar que o STF, de 1988 a 2009, entendeu pela possibilidade de execução da sentença no segundo grau. Apenas de 2009 a 2016, a Corte teve a interpretação de que a execução depende do julgamento pelo STF. Sendo que, em 2016, retomou o entendimento de que a presunção de inocência acaba na segunda instância. Isso revela que a nossa tradição é pela execução imediata e que esse tema não será a solução para todas as angústias do nosso sistema criminal, porque existem outros problemas estruturantes que precisam ser resolvidos.
O direito precisa equilibrar interesses do réu, da vítima e da sociedade. O inconformismo e a vontade de ficar livre são inerentes ao ser humano, mas a quantidade de recursos e os seus efeitos precisam ser racionalizados no interesse da justiça. Um sistema sério não pode exigir quatro condenações (do primeiro grau ao STF) para que a decisão possa valer. Espera-se um sistema de justiça sério. A presunção de inocência não é um salvo conduto para impunidades.
O ceifador da Constituição
No Brasil, possuímos quatro instâncias do Judiciário. Neste sentido, um processo pode passar pelas mãos de um juiz, depois de três desembargadores, posteriormente nas mãos de cinco ministros do STJ e por fim nas mãos de onze ministros do STF. Por certo, processos que passam em tantas mãos certamente podem demorar para terem um resultado, positivo ou negativo, mas é assim que está escrito na Constituição desde 1988.
Falando em Constituição, é importante dizer que ela é a lei máxima de nosso país, ou seja, tudo e todos estamos a ela sujeitos, obrigados a obedecê-la. A Constituição é tão importante para o Brasil que existe um órgão criado exclusivamente para protegê-la, o STF, que é o guardião da Constituição, ou seja, cabe ao STF protegê-la e submeter-nos ao seu cumprimento.
Mas o STF, como dito alhures, é composto por 11 ministros, seres humanos, que são nomeados pelo presidente da República. Hoje, de sua composição, oito deles foram nomeados por um mesmo partido político, retirando, em tese, a sua imprescindível e salutar imparcialidade. O STF, que é, ou deveria ser, o guardião da Constituição, laborou em seu desfavor, foi seu ceifador, quando decidiu, ao arrepio do que diz a Carta Magna, que os condenados em primeiro grau, que tiverem a sentença mantida em segundo grau, deverão iniciar o cumprimento de sua pena, mesmo que ainda possam recorrer para os Tribunais Superiores (STJ e STF), mesmo que as decisões possam ser modificadas, mesmo que as pessoas possam ser consideradas inocentes, mesmo que as penas possam ser diminuídas ou aumentadas.
Essa decisão fere de morte os princípios consagrados pela Constituição, notadamente a presunção de inocência. Segundo a Constituição, as pessoas só podem iniciar o cumprimento de uma pena depois de exaurirem todos os recursos possíveis. A isso dá-se o nome de “trânsito em julgado” da decisão, exigência expressa do texto constitucional.
Sim, porque os erros judiciais acontecem, porque o índice de reforma das decisões em nosso país é altíssimo. Certo é que assim determina a Constituição.
O STF retomou a discussão acerca desse assunto, tendendo a rever seu posicionamento, ou seja, voltar a cumprir a Constituição, obrigação que não deveria ter deixado de cumprir em nenhum momento. Agirá acertadamente o STF se, por ventura, em agrado ou desagrado de quem quer que seja, voltar a dar cumprimento ao que diz a Constituição.
Não podemos desejar o cumprimento da lei só quando nos atingir diretamente, só quando alguém bater na traseira de nosso veículo, quando não recebermos nosso salário em dia ou quando comprarmos um aparelho celular que não funcione. Pelo contrário, ser cidadão é requerer o fiel cumprimento da lei, em especial da Constituição, para todos e em qualquer circunstância.
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