FGTS: aquele que foi sem ter sido
O FGTS foi criado no PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) como um mecanismo para gerar estoque de poupança para os trabalhadores utilizarem quando se aposentassem. E, também, para extinguir a estabilidade do emprego para os trabalhadores com mais de cinco anos de trabalho na empresa.
Ambas propostas eram adequadas e necessárias naquele momento. Primeiro, porque criavam um mecanismo para amparo ao trabalhador. Segundo, porque eliminavam o freio à eficiência/produtividade das empresas – como a empresa não podia demitir trabalhador com mais de cinco anos de casa, esses trabalhadores eram naturalmente induzidos a procrastinar durante a jornada de trabalho. Um convite à ineficiência e ao prejuízo.
Até aí, tudo dentro da coerência de mercado em prol do crescimento econômico e da justiça social. Contudo, por um erro de interpretação da equipe econômica que implementou o PAEG, considerou-se que a inflação do Brasil não tinha solução, portanto o que deveria ser feito era construir um mecanismo para conviver pacificamente com ela.
Esse mecanismo foi a correção monetária. O referido erro de interpretação da equipe foi ter desconsiderado que a correção monetária não evita choques inflacionários.
Em meados dos anos 1970 houve o primeiro choque do petróleo (quadruplicou o preço do barril); e no final o segundo (quadruplicou o preço que havia sido quadruplicado).
A partir daí a economia brasileira embrenhou-se numa corrente inflacionária ora alimentada pelos choques, ora pela inércia que a indexação produziu sobre os preços.
Começara aí a ameaça à sustentação do valor real do estoque de recursos do FGTS.
Com a desfaçatez que lhe é peculiar, o governo brasileiro reteve, ao longo de décadas, o reajuste real da taxa de rendimento do estoque de poupança dos trabalhadores no FGTS. Além disso, dissimuladamente, aplicava taxas inferiores às do aumento da inflação.
Não satisfeito com esse estelionato moral, também emprestou recursos do FGTS, a taxa de juros abaixo das de mercado, para a plutocracia amiga executar seus empreendimentos.
Quando o efeito do anacronismo dessa situação tornou-se inegável, o governo baixou a guarda, criando critérios para os trabalhadores retirarem parte de seus saldos do FGTS. A partir daí o fundo ficou sem fundo. E os trabalhadores lesados (porque contribuíram, no valor estipulado por lei, durante todo esse período).
Ainda que tenham sido abertas “janelas” para que o trabalhador resgatasse seu saldo do FGTS para comprar imóvel e/ou pagar tratamento de saúde de doença crônica, o propósito para o qual foi criado perdeu-se nas artimanhas da gestão pública do dinheiro privado de cidadãos que trabalharam para juntá-lo.
O FGTS idealizado no PAEG, há anos, não existe. Hoje, preto no branco, é um estelionato moral que abortou uma política social fundamental para reduzir a desigualdade social deste país. As conveniências políticas impediram que o FGTS cumprisse o papel para o qual foi idealizado. Na realidade não há “fundo” para o trabalhador brasileiro. A essência do FGTS desapareceu.
Proteção para o trabalhador
No Brasil a última reforma trabalhista foi feita em 2017, após cinco anos o governo federal pediu ao Ministério do Trabalho e Previdência um estudo sobre a viabilidade de novas alterações na legislação que regula as relações de trabalho. Tal análise está sendo feita pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET) que sugere mudanças no pagamento da multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em casos de demissão sem justa causa.
Hoje, se um trabalhador é contratado, a empresa passa a depositar 8% por mês em uma conta do FGTS em nome do empregado que, em casos de demissão sem justa causa, tem acesso a tais valores, além da multa rescisória equivalente a 40% sobre seu saldo do FGTS.
A sugestão do GAET é a redução dessa multa rescisória em caso de demissão sem justa causa e por culpa recíproca ou força maior. Seria, portanto, uma importante alteração que reduziria a multa de 40% para 25%. Em caso de culpa recíproca ou força maior, reduz dos atuais 20% para 10%.
Além disso, defende-se em tal estudo que, numa demissão sem justa causa, o empregador pagaria a multa ao governo e não mais ao trabalhador, nos primeiros 30 meses de trabalho. Depois desse prazo, não haveria mais depósitos. Também há uma intenção de reduzir o acesso ao FGTS a qualquer momento, diferentemente do que ocorre hoje.
Em um país onde o desemprego massacra milhões de pessoas e o trabalho precário é uma crescente mazela, propostas como essas mostram o despreparo do governo em fomentar a geração de empregos. Apesar de ainda ser um rascunho de reforma, o que se desenha é o enfraquecimento do FGTS, um importante instrumento de proteção do trabalhador o qual ficaria mais vulnerável no momento da demissão, uma vez que ele ficaria descapitalizado.
Num cenário pós-pandemia onde a economia mundial levou um baque, economistas defendem que para enfrentar a crise instalada é urgente implementar políticas públicas intersetoriais pautadas no mapeamento honesto da realidade, bem como estratégias coordenadas de socorro às empresas e de proteção aos empregados. Afinal, não é com a flexibilização de direitos que se evita a erosão do trabalho.
Enquadrar o país à lógica da modernização dos grandes mercados não significa reduzir direitos do trabalhador, mas sim adotar uma governança comprometida em fazer mudanças estruturais e transversais na política econômica, investir nas pequenas e médias empresas, promover uma reforma tributária, implementar programas de geração de emprego e renda, buscar medidas que consolidem relações trabalhistas mais consistentes, mais transparentes e com maior garantia de direitos.
Embora ainda esteja em fase preliminar, a ideia do governo em reduzir os 40% da multa rescisória sobre o FGTS em casos de demissão sem justa causa é cercada de polêmica e certamente não será levada a diante num ano de eleição. O fato é que toda vez que há uma pauta para mudança na legislação trabalhista, sob a falácia da maior geração de empregos, o que vemos é sempre uma lógica perversa de prejuízo e insegurança para a classe trabalhadora.
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