"Futurologia" não pode ser usada para suspender conteúdo falso
Em que pese a importância da Resolução 23.714, que buscou maior eficácia às decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o combate dos conteúdos considerados “fake news” (conhecidos do TSE há alguns anos), a decisão é casuística, pois foi concebida a partir de um processo de “direito de resposta”, sem pedido da parte interessada, e na reta final da eleição mais polarizada de todos os tempos.
Com efeito, a súmula 18 do TSE, que reflete entendimento antigo do TSE, prescreve que a Justiça Eleitoral somente deve agir em matéria de propaganda eleitoral se provocada expressamente pela parte interessada.
Apesar da Resolução aparentemente se referir ao simples cumprimento de uma decisão do Tribunal discutida e julgada, a indeterminação do que seriam “outras situações com idênticos conteúdos” como previsto na Resolução cria uma cláusula aberta ao presidente do TSE para decidir o que seriam “fake news”, permitindo que tenha poderes semelhantes ao de um “censor geral das eleições”. A propósito, o próprio TSE já julgou que fake news também seriam “embaraços informacionais”, isto é, conteúdos verdadeiros que, por criarem estados emocionais no eleitor, podem ser objeto de censura.
A partir destas premissas, em que pese os bons objetivos, a Resolução pode debandar para limitar a atuação da própria imprensa livre.
Ademais, a censura prévia é vedada pelo artigo 220 da Constituição, em qualquer forma que imponha restrições à manifestação do pensamento. Isso pode gerar reflexos também para a imprensa séria, com profissionais que tratam a verdade com checagem dos fatos.
Defender a ilegalidade desta Resolução não significa dar carta-branca a quem produz conteúdo falso.
Lembramos que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão disse “aqueles que deveriam ser os protetores da livre imprensa contra violações e censuras estão na contramão da democracia, atuando para enfraquecê-la e fazem isso por meio da relativização dos conceitos de liberdade de imprensa, promovendo o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões”, ratificando o que já decidiu a ministra Cármen Lúcia na ADPF 130 ao condenar qualquer forma de obstáculo para a atividade jornalística.
Em conclusão, independentemente da opção política, a suspensão de um conteúdo falso não pode ser feita por futurologia, além de criar um precedente perigoso aos demais tribunais brasileiros.
Resolução aprovada é medida necessária
Na quinta-feira (20), o Tribunal Superior Eleitoral aprovou resolução que permite à Corte mandar plataformas removerem publicações sobre urnas, resultados e campanhas eleitorais, sem provocação das partes, dos partidos políticos ou do Ministério Público.
Nesse sentido, os ministros podem, de ofício, analisar denúncias de postagens e vídeos que se portem contra à integridade do processo eleitoral, podendo determinar a remoção do conteúdo em prazo estabelecido.
Em suma, a resolução visa o enfrentamento à desinformação. Ou seja, uma vez verificado pelo TSE que o conteúdo é difamatório, injurioso e que se perpetua por notícias fraudulentas ou falsas, este pode ser removido pela Corte Eleitoral.
A medida evidencia a percepção de que o cumprimento das decisões quando a requerimento das partes lesadas ou do MP, tendem a ser muito morosas e não inibem a viralização do conteúdo, inviabilizando a prestação da tutela jurisdicional.
Dessa forma, o novo entendimento torna-se proeminente a resguardar a normalidade da disputa eleitoral. Em que pese ser medida obviamente excepcional, agem nesse sentido, dentro da mais absoluta legalidade.
A resolução aprovada é medida necessária para se demonstrar a sociedade que o direito fundamental à liberdade de expressão não é absoluto. O controle judicial de notícias falsas e fraudulentas propicia o livre exercício da formação da vontade do eleitorado, bem jurídicos que precisam ser garantidos em tempo hábil.
Antes mesmo da resolução, as decisões do TSE vinham encaminhando o seu entendimento no mesmo sentido. O Tribunal passou a reconhecer o perigo das campanhas de desinformação e fornecer ao cidadão um entendimento estável, mas acima de tudo coerente a missão da Justiça Eleitoral.
Para além do objeto da resolução, a disseminação de conteúdos falsos colocam em risco os valores essenciais da nossa Constituição. Não cabe outra conclusão senão a que medidas de combate à desinformação, quando tomadas, não são atos de censura. O respeito à integridade é o que fará com que a barbárie não avance sobre a civilidade.
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