Tombamento dos galpões do IBC é uma boa medida para Vitória?

Com o imóvel “provisoriamente tombado” pelo Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo, leilão que vai vender 6,6 mil metros quadrados do terreno precisou ser adiado para 18 de maio para adequação do edital

Publicado em 06/12/2020 às 08h53
Atualizado em 22/04/2022 às 16h05
Galpões do Instituto Brasileiro do Café, o IBC, em Jardim da Penha.
Galpões do Instituto Brasileiro do Café, o IBC, em Jardim da Penha. Crédito: Vitor Jubini

Imóvel merece destino inteligente e moderno

Sandro Carlesso
É presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Estado do Espírito Santo (Ademi-ES)

Localizados em uma área valorizada de Jardim da Penha, em Vitória, os galpões do Instituto Brasileiro do Café (IBC) estão no centro de uma discussão que envolve diversos setores da sociedade. De um lado, existe um grupo a favor do tombamento para preservação de sua estrutura após a venda e do outro há os que defendem que o espaço vá a leilão sem restrições, porém em sintonia com o PDU e a comunidade local.

O tombamento do imóvel não me parece, à primeira vista, a opção mais viável para dar funcionalidade ao equipamento. A classificação de uma área como patrimônio histórico e cultural deve ser precedida de um estudo minucioso para evitarmos que mais um empreendimento público fique abandonado por falta de incentivos para sua ocupação. Essa é a realidade, por exemplo, de alguns edifícios do centro da cidade.

Como é sabido, os imóveis tombados exigem que intervenções estruturais sejam submetidas a órgãos de controle. No caso dos galpões do IBC, os projetos de reforma seriam encaminhados à aprovação do Conselho Estadual de Cultura. Na prática, significa que o futuro proprietário não poderá modificar a fachada e nem promover demolições, o que inibiria o interesse da iniciativa privada pela aquisição do imóvel.

A destinação dos galpões como patrimônio histórico imputa ao empreendedor um custo muito elevado para a preservação da propriedade, além de limitar o uso adequado do terreno para a instalação de negócios modernos e compatíveis com a realidade atual do bairro e com as demandas de moradia e serviços dos capixabas.

Sem um projeto imobiliário economicamente viável para o local, corremos sério risco de testemunharmos mais um equipamento público ocioso em Vitória, sofrendo com a degradação provocada pela ação do tempo, sem qualquer expectativa de resgate.

Os galpões do IBC somam uma área total de 33 mil metros quadrados, com potencial para receber um projeto arrojado, condizente com a arquitetura moderna e urbanística do bairro, congregando residências e uma ampla estrutura de comércio. A definição do espaço como uso misto deve ser uma opção a ser considerada.

Devemos vocacionar a área para abrigar um empreendimento que promova a valorização da região, proporcionando mais qualidade de vida para o bairro e sua população. Precisamos mudar a imagem do local, fortemente associada ao abandono, criando uma área segura, de vivência e interação social, oportunizando ainda a geração de empregos e receitas para os cofres do município.

É urgente repensar reintegração de antigos espaços à cidade

Viviane Pimentel e Martha Campos
São, respectivamente, arquiteta urbanista e doutora em Restauração e Gestão do Patrimônio pela UFRJ e arquiteta urbanista, professora doutora da Ufes e participante do BrCidades ES

A preservação do patrimônio cultural consiste em tema controverso e, não raro, reduzido ao debate simplista. Argumentos se reprisam na oposição ao tombamento, tal como a associação entre valor arquitetônico e ornamentos, além da clássica tríade congelamento-abandono-arruinamento. Não por acaso, no debate sobre os galpões do IBC, tais premissas reverberam visões que desconhecem o valor do patrimônio cultural na atualidade.

Após criação do instrumento do tombamento no Brasil, em 1937, persiste a ideia de que apenas imóveis de ‘excepcional valor’ ou ligados a ‘fatos memoráveis’ seriam tutelados com propósito de construir a imagem mítica de Nação. Somente a partir de 1960 que esse debate é ampliado e os bens de arquitetura modesta são incorporados ao acervo protegido e reabilitados como museus, lojas, restaurantes, moradia, dentre outros usos diversos.

Com localização privilegiada no segundo bairro mais populoso de Vitória, tendo um dos solos mais caros da Capital e, portanto, cobiçado por setores da construção civil, os galpões do IBC expressam um dos casos mais antigos de disputa pelo direito à cidade, sobretudo por parte dos moradores do bairro, em mobilização iniciada há décadas pela Associação dos Moradores de Jardim da Penha.

Em fins de 2019, setores da construção civil manifestaram interesse sobre a área a convite da Superintendência de Patrimônio da União, sem que essa instituição oferecesse a mesma deferência à população em geral. Durante negociação da área, a população foi surpreendida com a interrupção do processo que previa instalação de um polo tecnológico no local e pela comemoração antecipada do mercado imobiliário que antevia a venda da área em leilão.

Neste momento, entidades e grupos organizados da sociedade civil reivindicaram o direito de integrar e ampliar o debate sobre o destino deste patrimônio público e seus impactos para o bairro e a cidade. Esse direito foi reconhecido na instauração do processo de tombamento provisório dos galpões do IBC, instruído em rigorosa documentação técnica protocolada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil - Departamento ES.

A proteção legal aos galpões do IBC garante a integridade de suas estruturas, viabilizando o necessário debate acerca de seu destino de forma ampla e democrática. É urgente repensar usos e alternativas protetoras dos vestígios da produção cafeeira do Estado, bem como a reintegração à dinâmica da cidade de antigos espaços que guardam essa memória.

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