Conteúdo investigado: Vídeo no qual um pastor afirma que “a maior reserva de gás natural do mundo” foi encontrada no Paraná durante o governo Lula, mas que o ex-presidente criou o Parque Nacional do Iguaçu no local para impedir a exploração da commodity e privilegiar a compra de gás da Bolívia, em benefício do ex-presidente boliviano Evo Morales.
Onde foi publicado: Facebook e YouTube
Conclusão do Comprova: Um pastor faz alegações falsas em um vídeo viral no Facebook ao dizer que o Paraná teria a maior reserva de gás natural do mundo. Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) mostram que o Brasil é o 33º país em termos de reservas de gás natural. As principais reservas da commodity estão localizadas no mar e ficam no estado do Rio de Janeiro.
O pastor também engana ao dizer que Lula teria criado o Parque Nacional do Iguaçu no mesmo lugar em que supostamente estaria a reserva de gás. Na verdade, o Parna Iguaçu foi criado por meio de Decreto-Lei do presidente Getúlio Vargas, em 1939. Ele foi expandido no governo de João Figueiredo, em 1981.
Em relação à importação de gás da Bolívia, há acordos anteriores e posteriores aos mandatos de Lula, firmados nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Jair Bolsonaro (PL).
Não há campo exploratório na região do Parque Nacional do Iguaçu, conforme a ANP.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
O que diz o autor da publicação: o Comprova entrou em contato com a Igreja Porto de Cristo, que informou o e-mail pessoal do pastor Sandro Rocha. O religioso apenas respondeu que, no vídeo, não disse “Parque Iguaçu”, e sim “um parque”. No entanto, ele diz, de fato, “Parque Iguaçu” na gravação.
Como verificamos: o primeiro passo foi procurar informações oficiais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sobre a criação do Parque Nacional do Iguaçu. Também entramos em contato com o próprio instituto e com a administração do parque para sanar dúvidas.
Consultamos o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, da ANP, para obter informações sobre a produção nacional e importação do gás natural. Também entramos em contato com a agência por e-mail.
Foram procuradas reportagens no acervo dos jornais Folha de S.Paulo e Estadão para entender o contexto em que foram fechados acordos de importação do gás natural boliviano.
O Parque Nacional do Iguaçu foi criado em 10 de janeiro de 1939, por meio do Decreto-Lei Nº 1.035 pelo então presidente Getúlio Vargas. Segundo o decreto, a Constituição vigente à época colocava sob a proteção dos entes federados “os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza”. A criação do parque foi possível graças a uma doação de terras do governo do Paraná para o governo federal.
O Parque Nacional do Iguaçu teve seus limites alterados pelo Decreto nº 86.676, de 1º de dezembro de 1981, quando passou a ter 185,2 mil hectares. O presidente à época era o general João Figueiredo.
A Lei 9.985/2000 estabeleceu os critérios para criação, implantação e gestão das unidades de conservação no país. Uma das regras estabelece que cada unidade terá um plano de manejo para definir o seu zoneamento, o uso da sua área e o manejo dos recursos naturais.
O plano de manejo, atualizado em 2018, elenca os benefícios prestados pelo Parque Nacional do Iguaçu:
Em 22 de março de 2022, o governo federal celebrou o leilão de concessão para serviços de visitação do parque nacional. O vencedor, com uma proposta de R$ 375 milhões, foi o Consórcio Novo PNI, formado pelo Grupo Cataratas S.A., que já operava na unidade de conservação, e pela empresas Construcap. Eles devem investir R$ 3,6 bilhões ao longo de 30 anos, estima o ICMBio.
O leilão foi uma parceria entre o ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Economia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por e-mail, o ICMBio negou que o parque tenha sido criado no governo Lula. A informação também foi dada pela assessoria de comunicação do parque.
O autor da publicação engana ao dizer que teria sido descoberto, durante o governo Lula, o “maior poço de gás do mundo”. Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que, em 2020, o Brasil ocupou a 33ª colocação no ranking das maiores reservas provadas de gás natural do mundo. No ano seguinte, eram 338,1 bilhões de m3 de reservas provadas de gás natural. Essas são as reservas cuja análise de dados geológicos e de engenharia permite concluir, com elevado grau de certeza, que é possível recuperar o gás comercialmente.
Os três países com as maiores reservas são a Rússia, com 37,4 trilhões de m3; o Irã, com 32,1 trilhões de m3; e o Catar, com 24,7 trilhões de m3. Juntos, esses três países responderam por 50,1% das reservas globais de gás natural.
O Rio de Janeiro é o estado do Brasil com a maior quantidade de reservas provadas, representando 62,6% do total nacional, com 211 bilhões de m3 em reservas marítimas. Já o Paraná possui números menores. Em 2011, dado mais recente, sua reserva terrestre era de 149 milhões de m3. Não foram encontradas notícias sobre a descoberta de reservas de gás natural na região do Parque Nacional do Iguaçu, o que é indício de conteúdo falso.
Por meio de sua assessoria de comunicação, a ANP informou que não há, atualmente, nenhum bloco exploratório, nem poço ou campo produtor brasileiro na região da cidade de Foz do Iguaçu. Segundo o órgão, em todo o Estado do Paraná há dois campos:
Em 2020, o Brasil produziu 23,9 bilhões de m3 e consumiu 32,1 bilhões de m3. Para atender a demanda total, foram importados 7,9 bilhões de m3, dos quais 6,6 bilhões de m3 (83,2%) foram provenientes da Bolívia. O país vizinho produziu 14,4 bilhões de m3 em 2020.
Em 2021, a ANP estima que o Brasil produziu 60% do gás consumido internamente. Outros 20% são provenientes da Bolívia. A agência calcula que 43,15% do gás natural importado no ano passado era boliviano, enquanto outros 48,44% vieram dos Estados Unidos.
A importação de gás natural da Bolívia ganhou impulso ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Lula. A construção de usinas termelétricas movidas a gás foi uma aposta de FHC para combater a crise energética do começo dos anos 2000. Na época, a matriz energética era muito mais dependente das hidrelétricas e foi duramente afetada por causa de um nível de chuvas abaixo do esperado. A ANP informou por meio de e-mail que a importação do gás boliviano começou em 1999.
O jornal Folha de S.Paulo cobriu a viagem de FHC à Bolívia, em 24 de junho de 2001, para negociar uma ampliação no fornecimento de gás do país vizinho para o Brasil. Um contrato anterior já estabelecia o aumento do fornecimento para até 30 milhões de metros cúbicos/dia até 2004, mas o governo pretendia antecipar essa data.
Lula e Evo Morales eram aliados políticos, mas o pastor engana no vídeo ao ligar a situação do gás exclusivamente ao ex-presidente boliviano. Isso porque Morales só assumiria a presidência em 2006, sete anos após o início dos acordos. Quem ocupava a presidência na época era Hugo Banzer.
O jornal Estadão também noticiou o encontro de FHC com Banzer. E informou que no mesmo mês entrou em funcionamento a primeira usina termelétrica brasileira com gás natural boliviano. Ela ficava em Campo Grande e produzia 80 megawatts por dia, suficiente para atender 20% do consumo de energia do estado de Mato Grosso do Sul.
Em janeiro de 2021, o Ministério das Relações Exteriores, ainda sob o comando de Ernesto Araújo, publicou um relatório sobre suas atividades no ano anterior. Ele elenca as “tratativas sobre a renovação do acordo de suprimento de gás entre Brasil e Bolívia” e destaca que foi assinado o oitavo adendo ao acordo. Também diz que a Petrobras assinou acordo com o governo boliviano para ampliação temporária da importação de gás.
Por que investigamos: O Comprova checa conteúdos com alto grau de viralização sobre pandemia, eleições e políticas públicas do governo federal. As alegações feitas no vídeo dizem respeito ao ex-presidente Lula, apontado pelas pesquisas eleitorais mais recentes (veja aqui) como o candidato favorito do momento à eleição presidencial de 2022. Conteúdos desse tipo atrapalham o poder de decisão dos eleitores por distorcer os conhecimentos que eles possuem dos principais candidatos.
Alcance da publicação: A publicação verificada recebeu ao menos 4,7 mil reações no Facebook e foi visualizada ao menos 72,5 mil vezes no YouTube até o dia 28 de março de 2022.
Outras checagens sobre o tema: A mesma publicação foi verificada pela Lupa.
O Comprova já checou um vídeo que fazia uma comparação enganosa sobre o poder de compra nos governos Lula e Bolsonaro. Também mostramos ser falso que um pagamento de indenização da Petrobras à Justiça dos EUA teria influenciado o preço da gasolina.
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