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É advogado, Doutor em Direito e sócio da MPM Advogados

O alerta dos sinos da igreja para repensarmos o nosso Judiciário

Caso de processo em Guarapari mostra que demandas judiciais se tornaram algo cada vez mais banalizado no Brasil

  • Marcelo Pacheco Machado É advogado, Doutor em Direito e sócio da MPM Advogados
Publicado em 17/11/2021 às 02h00
Igreja
O padre Diego Carvalho desabafou sobre o processo que responde por conta dos sinos da igreja matriz de Guarapari. Crédito: Arquivo pessoal

A Gazeta” noticiou, nesta terça-feira (16), o curioso caso do padre de Guarapari que desabafou na missa da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição toda sua incredulidade a respeito de a igreja estar sendo processada em função do incômodo gerado pelo badalar de seus sinos: “Sinceramente, estamos vivendo em uma sociedade complicada. Há dois mil anos os sinos tocam. Vou a várias cidades do mundo inteiro e sempre ouvi sinos de igreja tocando... É só para partilhar com vocês dessa minha dor, pois isso se torna uma dor. Já disse hoje de manhã (domingo) e vou repetir: se eu tiver que tirar o sino da matriz do Centro, eu não fico nessa cidade”.

Não é nosso objetivo aqui tecer qualquer comentário sobre o processo em curso. Não importa. O fato que ressaltamos é apenas o de que as demandas judiciais se tornaram algo cada vez mais banalizado no Brasil. Pelos motivos mais comezinhos se busca o Judiciário, e o fato de há milênios sinos de igrejas ressoarem em comunidades, como a de Guarapari, não parece ser elemento inibidor para que se traga a um processo judicial o debate sobre a viabilidade de tal prática.

As portas do Judiciário estão abertas. Com custos significativamente baixos é possível propor uma demanda judicial, e se considerarmos o enorme percentual de casos abrigados pela “Justiça Gratuita”, demandar praticamente não representa qualquer risco para a parte. Isso significa que, pelo nosso sistema, quem provoca o Judiciário não precisa avaliar se sua causa tem, verdadeiramente, fundamentos. Não. Basta ajuizar a ação e ver “no que dá”, já que a consequência para o demandante, em caso de derrota, provavelmente será nenhuma.

O Brasil, assim, passa a ter um Judiciário que consome três vezes mais recursos da população, se comparado a países ricos e desenvolvidos, gastando mais de 1,3% do nosso produto interno bruto e que soma, hoje, mais de 75 milhões de processos judiciais, que entopem os escaninhos da Justiça. Apenas no ano passado, foram ajuizados 25 milhões de novos processos no Brasil, de modo que 1 em cada 10 brasileiros ingressou com ação judicial no ano de 2020.

E ao contrário do que se esperaria, mesmo nos poucos casos em que o Legislativo tenta restringir as hipóteses de gratuidade e impor verdadeiras consequências a quem demanda sem fundamento, o Judiciário tem respondido negativamente. Um exemplo. Em recente julgado (ADIN 5766), o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a parte da Reforma Trabalhista que restringia a possibilidade de demandar gratuitamente, e impunha risco financeiro a quem demandava aquilo a que não tinha direito (artigo 791-A, § 4º, da CLT).

Os sinos devem servir de alerta para nosso país e para como pensamos o nosso Judiciário. As portas do acesso à Justiça foram escancaradas, e o povo está pagando uma conta muito cara pela enorme litigiosidade e pelos custos atrelados à movimentação dessa máquina. Hora de sermos mais seletivos, pensarmos em filtros e deixarmos apenas as questões mais relevantes e fundamentadas para a apreciação da Justiça.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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