A Comissão Especial da Câmara dos Deputados, constituída com o intuito de estudar, analisar e propor mudanças no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 3/10/1941), finalmente apresentou o relatório preliminar para o Colegiado por intermédio do seu relator-geral, o deputado Delegado João Campos (Republicanos/GO), substituindo o documento anteriormente apresentado em 2018. O atual relatório contém 247 páginas, incorporando a análise de 30 propostas vinculadas ao projeto de lei original, totalizando 364 pedidos de modificação anexados durante sua morosa e insípida tramitação.
O atual CPP de 1941, em pleno vigor, apresenta severas falhas procedimentais e carece de amplitude para previsão dos emergentes tipos penais e demanda urgentemente modificações abrangentes de aperfeiçoamento aos tempos modernos, tendo em vista os elevados índices de criminalidade e a péssima efetividade processual penal que tem inviabilizado a política criminal brasileira.
O momento escolhido para trazer a lume o referido relatório, em plena crise sanitária da Covid-19, parece ter sido estrategicamente agendado, em protocolos e gestos capciosos, buscando passar despercebido e sem a devida discussão pública desse projeto pela sociedade brasileira. A população nem de longe imagina o elevando grau de importância que esse código normativo representa e o quanto a mencionada reforma é imprescindível ao país e aos rumos da segurança pública, embora sua tramitação tenha sido uma “odisseia” obscura de articulações políticas desde a origem (PLS 156/2009).
Qualquer abalo institucional é motivo para a imposição da referida matéria e, as mencionadas associações de classe dos atuais gestores da segurança pública – tendo como ilustre membro o referido parlamentar-relator que é delegado de polícia - patrocinam a referida proposta, agindo com oportunismo, aproveitando-se da instabilidade política no país para tentar vincular a reforma do CPP à política criminal de redução da criminalidade. Contudo, verdadeiramente representa o retrocesso e a estagnação da atividade ostensiva policial, além da completa falência da investigação criminal, resultando em deficitária persecução penal, com resultados pífios de condenações aos criminosos.
Ao contrário do que se quer deixar transparecer com esse mencionado relatório, trata-se de um argumento sofismático encobrindo a centralização do poder administrativo na atividade policial, sob parâmetros burocráticos que destroem a autonomia técnica da investigação criminal, ampliando o poder desses mencionados gestores que monopolizam a segurança pública no Brasil.
Infelizmente, ocorreu o que já se previa na apresentação desse relatório preliminar. Sob forte pressão corporativa, o texto disponibilizado ao Colegiado é retrógrado e aliado com uma ideologia medieval de investigação criminal que deve ser contestado e rechaçado parcialmente, tendo em vista a pretensão de se consolidar uma reforma no CPP de maneira aviltante e irracional, como se fosse um “Vampiro tomando conta do Banco de Sangue”, enquanto a segurança pública segue agonizando e pedindo socorro.
As diretrizes corretas que levarão aos avanços sociais para a população, sob a perspectiva do “controle da criminalidade”, devem se guiar pela premissa de reforma e reestruturação da área de segurança pública e, na sequência ou concomitantemente, a mudança da persecução penal que adote uma ideologia voltada para a eficiência, celeridade, controle da criminalidade com integral garantia dos direitos individuais e coletivos que somente poderão ser alcançados com o “ciclo completo da atividade policial” e a implementação da “carreira única” com entrada exclusiva pela base laboral em todas as corporações policiais brasileiras.
O relatório apresentado por essa mencionada comissão chega ao absurdo de viabilizar ideias contrárias ao que já foi sedimentado pelo STF como, por exemplo, a investigação criminal efetuada pelo Ministério Público, no intuito de fundamentar o monopólio dessa atividade aos delegados de polícia, criando limitações ao legítimo exercício funcional do MP.
É dramática a constatação que o mencionado relatório de reforma do CPP mantém e amplia a estrutura ineficiente do Inquérito Policial e consolida a autoridade do delegado de polícia, com exclusividade, para presidir a investigação criminal, no viés evolutivo da segurança pública de todos os países democráticos do mundo, locais em que a referida investigação é feita por equipes multidisciplinares de profissionais formados, como oficiais de polícia.
Os atuais gestores da segurança pública no Brasil simplesmente ignoram os anseios da sociedade brasileira, que clama por tranquilidade e harmonia, e seguem preocupados apenas com suas diretrizes classistas de poder, sendo a principal delas o sonho patético de serem “juristas-policiais” – uma espécie híbrida alienígena entre juiz de instrução e autoridade policial – uma aberração cogitada e projetada pela referida categoria que passaria a atuar apenas no sistema brasileiro, posto que não existe similitude em nenhum país democrático moderno do mundo. A natureza da atividade policial é diametralmente oposta a atividade jurídica, embora se somem num objetivo de busca da justiça e pacificação social. “Lux quae sera tamem”.
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