Os mais jovens talvez não conheçam o termo “aquietar o facho”. Basta recorrer ao dicionário ou a uma simples busca na internet, e dá para aprender que “aquietar” é tornar-se quieto ou se tranquilizar, e “facho” é um material inflamável ou que se inflama facilmente.
Em resumo, é para ficar quietinho e parar de criar confusão. Num contexto geral, tudo bem usar a frase para tentar acalmar ou até tranquilizar alguém. Mas não dá para aceitar a forma como essa expressão popular foi utilizada por um promotor de Justiça numa audiência para pedido de pensão alimentícia, na Vara de Família de Vitória.
Diante de um casal que já estava separado, após denúncias de diversas violências e medidas protetivas, o promotor Luiz Antônio de Souza Silva teve a infelicidade de usar o termo “aquietar o facho” para pedir que a mulher, mãe de 7 filhos, cinco do ex-marido, voltasse para o suposto agressor. Ainda com a máxima: “ficar o resto da vida juntos”.
Só quem acompanha diariamente casos de violência contra mulher no Espírito Santo e em nosso país tem a noção do quanto é cruel um ente da justiça ter esse tipo de fala. Reforça preconceitos, revitimiza a vítima e, pior, incute ainda mais, entre os agressores, a certeza da impunidade.
Nos meus 25 anos de jornalismo, sempre me incomodou ter que noticiar tantos casos de violência, pelo simples fato de a mulher ser mulher, ter suas vontades, querer sua independência. Em 2019, me tornei a primeira mulher editora-chefe em mais de 90 anos de existência do jornal A Gazeta e, no ano seguinte, com apoio de outras jornalistas da Redação, criamos o projeto Todas Elas, exatamente para acompanhar, ainda de mais perto, os casos de violência contra mulher e promover a igualdade de gênero.
Criamos um contador de feminicídios que aponta, entre 2021 e 2024, 117 mortes de mulheres por essa causa. Algumas dessas vítimas tiveram suas histórias contadas em nosso site.
É por essa triste realidade que, quando me deparo com essa fala infeliz do promotor, não tenho como deixar de dar um recado para todas as mulheres: não aquietem o facho, porque o silêncio mata.
As histórias de terror que já contamos no projeto Todas Elas mostram tragédias com traços muito comuns. Mulheres que foram silenciadas por anos, num sofrimento sem fim, e que não conseguiam cessar o ciclo da violência até serem mortas.
A história dessa mãe de 7 filhos, até agora, é diferente. Ela conseguiu gritar por socorro, fugir da violência, exigir seus direitos. E agora, de onde menos se espera, ouve um novo “cale a boca”.
Por essa mãe, e por todas as outras vítimas, não vamos nos calar, nem nos aquietar, promotor. O silêncio da sociedade não pode continuar enquanto há um facho aceso queimando a dignidade de muitas mulheres.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
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