Não é nenhum segredo que os atuais representantes do governo federal são avessos à participação social na administração pública e à gestão democrática das cidades. Não é à toa que já em abril de 2019, por meio do Decreto nº 9759, houve a extinção de grande parte das instâncias participativas.
Entre elas estava o Grupo de Trabalho Estadual de Habitação de Interesse Social (GTE/HIS), vinculado à Superintendência de Patrimônio da União no Espírito Santo (SPU/ES), o qual discutia junto com a sociedade civil a destinação de imóveis ociosos da União Federal, nas cidades capixabas, para a moradia das pessoas mais necessitadas.
A transparência também não tem sido uma grande preocupação da gestão atual, pelo que, de forma arbitrária e sem qualquer consulta à população, a União Federal decidiu vender 11 imóveis de sua propriedade no Espírito Santo, incluindo o terreno dos Galpões do IBC, o qual consiste em uma área de aproximadamente 33 mil metros quadrados no coração do bairro Jardim da Penha.
Essa notícia pegou todos de surpresa e gerou indignação de grande parte da população capixaba, em especial da Associação de Moradores do Bairro Jardim da Penha (Amjap) — que já vem lutando desde a década de 1980 para o uso público do imóvel em favor dos moradores do bairro —, do Instituto dos Arquitetos e Urbanistas do Brasil, departamento do Espírito Santo (IAB/ES) e dos artistas e profissionais da cultura, os quais se manifestaram publicamente contra a venda do imóvel.
A partir de uma ótica totalmente privatista e individualista, sem qualquer sensibilidade com o interesse coletivo, o governo federal, através do Ministério da Economia, vem empreendendo uma política de desmantelamento do patrimônio público, por ele denominada de “política de desestatização e desinvestimento”. Essa política tem no seu radar apenas o valor de troca dos espaços da cidade, ou seja, o seu valor de mercado, que no caso dos Galpões do IBC foi avaliado em 35 milhões de reais.
Todavia, parte da população capixaba, mesmo alijada dos espaços participativos, resolveu reagir e proteger o patrimônio consistente nos Galpões do IBC, através da realização do pedido de tombamento. Isso que demonstra a preocupação com o valor de uso desse bem, tanto dos seus usos pretéritos que lhe conferem um valor histórico na economia cafeeira do Espírito Santo e na urbanização da cidade de Vitória, quanto dos seus usos futuros, podendo ser utilizado para eventos culturais, feiras agroecológicas, exposições de artesanato e outras diversas atividades de interesse social.
Ainda há em muitos capixabas o sonho e luta por espaços públicos de encontro, festa e convivência, e desejo por cidades mais inclusivas e justas. Ouvir a população deve ser premissa permanente na construção de políticas públicas e na produção dos espaços das cidades.
O autor é graduado em Direito, mestre em Ciências Sociais pela Ufes, Defensor Público do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia do Estado do Espírito Santo, associado ao Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), participante do BrCidades ES
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