As lacunas no anúncio no último dia 7 dos resultados da Coronavac, vacina desenvolvida pela parceria entre a farmacêutica chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, chamaram a atenção de especialistas. O responsável pela ausência continua sendo o contrato do Butantan com a empresa chinesa, que já impediu anteriormente a divulgação dos resultados no país.
O grande número do anúncio do último dia 7 foram os 78% de prevenção de casos leves (que necessitam de algum auxílio médico), mas a eficácia, que engloba também aqueles que não precisaram de assistência, mas que foram infectados, não foi divulgada.
A razão disso, segundo a reportagem apurou com pessoas ligadas à pesquisa da vacina, é a proibição, pelo contrato que tem com a Sinovac, de o Butantan anunciar ao público qual é a taxa.
A informação vai ao encontro do que consta no acordo entre a Sinovac e o Butantan, ao qual a CNN Brasil teve acesso em novembro do ano passado. Segundo a emissora, no termo, no item 4.8.6, consta que "a Sinovac detém os direitos de propriedade intelectual e interesses da Sinovac na vacina e que os dados clínicos da Fase III abrangem os direitos de propriedade intelectual e interesses da Sinovac na vacina".
A preponderância da decisão da Sinovac quanto até mesmo à divulgação de dados se repete em outros trechos, segundo a CNN.
Em outra parte do acordo, consta que "a menos que expressamente permitido por este acordo ou com o consentimento prévio escrito e expresso da Sinovac, o Butantan não irá manusear, utilizar, descartar, divulgar para, permitir que seja utilizado ou compartilhar com terceiros ou suas próprias filiadas (exceto com as autoridade regulatórias) o dossiê do produto de propriedade e fornecido pela Sinovac".
Em mais um trecho, lê-se: "a Sinovac reserva o direito de decisão, escolha, eleição, a seu critério de manuseio, uso, divulgação, permissão de uso ou compartilhamento com qualquer terceiro ou suas filiadas de tais dados clínicos da Sinovac".
Mesmo assim, após insistência de jornalistas presentes, Dimas Tadeu Covas, diretor do Butantan, apontou alguns dados aproximados relacionados a infecções pela Covid-19 detectadas durante a fase 3 do estudo da Coronavac no Brasil. Segundo ele, foram 218 infecções, sendo 160 no grupo placebo e pouco menos de 60 no grupo vacinado.
A partir desses dados, é possível calcular uma eficácia de cerca de 64%, 14 pontos percentuais abaixo dos 78% de prevenção de casos leves e 14 pontos percentuais acima dos 50% da eficácia mínima exigida pelas agências regulatórias, como a Anvisa. Para chegar a esse número -mais precisamente 63,75%-, leva-se em conta 58 infecções no grupo vacinado e grupos (placebo e o que tomou a vacina) do mesmo tamanho.
O motivo inicial, ainda no ano passado, de a Sinovac ter segurado o anúncio dos resultados brasileiros seria a discrepância em relação a resultados dos testes em outras partes do mundo, como na Turquia, onde a eficácia anunciada foi de 91,25% -apesar de o país ainda ter somente dados provisórios.
A explicação dos cientistas para essa diferença tem pelo menos dois componentes. O primeiro é a população de cada país, que está longe de ser homogênea.
O segundo é intrínseco ao ensaio brasileiro. Por aqui os voluntários eram profissionais de saúde, que sofriam uma exposição muito maior aos vírus -e aí têm que ser considerados o número de encontros com possíveis fontes de infecção e a maior quantidade de vírus que chega no sistema respiratório dessas pessoas.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem sob condição de sigilo atestam a integridade dos testes e se dizem confiantes na qualidade da vacina, mas apontam problemas.
Um deles é a pressão do governo João Doria (PSDB) para emplacar uma vitória política contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que incluiu datas para anunciar resultados e também para iniciar a imunização no estado.
Outro é a falta de transparência da Sinovac, que tem dificultado o acesso geral aos dados, o que tem sido cobrado por pesquisadores brasileiros, por considerar baixa a eficácia obtida no braço brasileiro dos testes, dizem as fontes ouvidas pela reportagem.
Já logo em seguida à coletiva com o anúncio, Esper Kallás, infectologista da da Faculdade de Medicina da USP, que participou do anúncio, afirmou à Science uma certa frustração pela não divulgação dos dados mais detalhados. Segundo o especialista, há divergência entre o Butantan e a Sinovac quanto ao que se configura como um caso de Covid-19 (além da confirmação de infecção por PCR).
De toda forma, mesmo com uma eficácia geral mais baixa, quando comparada a outras vacinas, como a da Pfizer (95%) ou a russa Sputnik V (90%) -que ainda não teve dados da fase 3 disponibilizados para a comunidade científica avaliar-, especialistas afirmam que a Coronavac pode ser fundamental para conter as mortes por Covid-19 no país, tendo em vista o sucesso de 100% em evitar quadros graves nos testes.
Outra vantagem da Coronavac é a facilidade de armazenamento, em refrigeradores convencionais. Além disso, como a produção está sendo feita pelo Butantan, a logística de distribuição do imunizante também tende a ser facilitada.
Desde sexta (8), a Anvisa está analisando o pedido de uso emergencial da vacina. O prazo de análise é de 10 dias. Só depois disso haverá a divulgação dos dados e, por fim, a publicação dos resultados na forma de artigo científico.
Procurado, o Instituto Butantan não se manifestou até a publicação desta reportagem.
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