Ex-ministro de Jair Bolsonaro, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz acha que a aliança construída pelo Palácio do Planalto com os partidos políticos que dão as cartas no Congresso terá vida breve se não houver mudanças no governo e no comportamento do presidente.
Para Santos Cruz, que chefiou a Secretaria de Governo por seis meses e foi demitido após sofrer críticas do escritor Olavo de Carvalho e dos filhos de Bolsonaro, falta um plano de ação que dê substância aos acertos feitos com os políticos do centrão que passaram a comandar a Câmara dos Deputados e o Senado.
"Se a motivação principal [do acordo com o centrão] é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil", diz o ex-ministro. "O governo precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país."
Santos Cruz tornou-se um crítico ácido do governo Bolsonaro após sua demissão, mas acha que não existem condições para viabilizar um processo de impeachment e afastá-lo do cargo. "O melhor para o país é o presidente eleito governar", afirma o general. "Mas ele também tem que entender isso."
Desde o início da pandemia do coronavírus, o ex-ministro tem passado a maior parte do tempo recolhido numa chácara a 40 quilômetros de Brasília, indo até a capital apenas para compromissos eventuais. Fez melhorias na estrada que leva à propriedade, na cerca e no galpão. "Trabalho não falta", diz.
Carlos Alberto dos Santos Cruz - Na época em que buscava cativar os eleitores, ele falava barbaridades do centrão. Tratava o grupo como uma aglomeração de pessoas que não tinham compromisso nenhum e só se preocupavam em preservar a própria impunidade. Agora, ele faz uma virada como essa aí. Há uma incoerência, e fica difícil estabelecer uma relação de confiança quando você faz esse tipo de coisa. A verdade é que o governo não se preparou para fazer alianças. Negociação política não é crime. Mas você tem que negociar políticas públicas, não benefícios particulares. Na realidade, o que houve foi uma compra. Vão gastar bilhões de reais com as emendas dos parlamentares. Então não me parece uma coisa consistente, porque a influência do dinheiro é muito pesada. Uma negociação política desse tipo, para gerar confiança, precisa se sustentar em outros princípios, para produzir algo mais sólido.
Um alinhamento maior entre o Executivo e o Legislativo obviamente traz vantagens e pode viabilizar algumas coisas, mas vamos ter que esperar para ver. Falta pouco mais de um ano e dez meses para o governo acabar. Se a motivação principal é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil. Precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país. A pandemia ainda não acabou. Há muita coisa a fazer, mas a gente fica até hoje escutando mensagens contra a vacinação, como se tudo se transformasse numa disputa política. Essas coisas têm que parar. [O presidente] tem que saber falar com a população, e não só com os extremistas à sua volta. Ele não soube conduzir o processo. Agora tem que ajustar tudo isso se quiser a reeleição.
CASC - Se o objetivo é esse, pode ser que tenha conseguido alguma proteção, temporariamente. Esse tipo de aliança, quando depende de um fluxo de recursos desse porte, como se falou nesses dias, não sei até onde é confiável. Infelizmente, tem gente que daqui a pouco vai querer mais e mais e mais. O modelo não é baseado em fidelidade e harmonia de objetivos, mas no dinheiro. Então, não sei até onde vai essa garantia.
Precisa ter base jurídica, embasamento contra a autoridade. Há vários pedidos na Câmara dos Deputados. Não li, mas imagino que sejam sustentados por considerações nesse sentido. Você tem uma perda de apoio popular do presidente, mas não tão significativa que leve a essa situação. As condições não existem neste momento.
Nunca é desejável. Até pode ser, se você tiver uma pessoa desequilibrada no cargo. Aí tem que impedir que prossiga, por uma questão de saúde mental. Mas no geral não. Temos eleições a cada quatro anos, e dá para corrigir qualquer coisa no voto. O melhor para o país é o presidente eleito governar. Mas ele também tem que entender isso. Se está fazendo alguma coisa errada, dá uma corrigida. Se está falando demais, fala menos. Se está se comunicando de forma belicosa, baixa a bola. Agora, se [o presidente] faltar, não tem segredo. A linha sucessória está prevista em lei, tem gente responsável por tocar para frente. Não vejo problema nenhum se ele ficar, ou se ele sair. O país não vai parar por causa disso. Passa por aquele trauma e vai em frente. Já tivemos duas vezes essa situação, e o Brasil andou.
A população vê os ministros que são generais como generais, não como ministros. Isso não é bom, porque compromete a imagem institucional das Forças Armadas. No Exército, a gente sabe que não tem ninguém envolvido com a negociação com o centrão. Mas, para a população, parece que tem. A quantidade de militares no governo é muito grande e alimenta essa percepção. O Ramos fazer essa articulação está na função dele. Eu não gosto desse tipo de articulação. Gosto de articulação política, mas não dessa qualidade, baseada em recursos financeiros, e principalmente com um grupo que o próprio governo criminalizava. Seria desconfortável para mim. Quando a imagem da instituição é comprometida, ela se torna responsável pelos erros e pelos acertos, e muito mais pelos erros. As Forças Armadas são instituições de Estado. Podem dar suporte a políticas públicas, levar oxigênio para Manaus, completar a estrada onde a ponte caiu, mas não participam da rotina política. Ainda mais essa, baseada em bate-boca, extremismo, discursos na churrascaria.
Não. A queda de popularidade do presidente resulta do seu comportamento político e do mau desempenho. Pode haver algum reflexo, mas a instituição militar é tão sólida que acho que não foi arranhada.
Ele deve ser avaliado como ministro, não como general. Ele não exerce função militar. Pegou o bonde andando, assumindo uma estrutura que já vinha funcionando mal. A administração da pandemia é falha desde o início, porque o governo não assumiu a liderança do processo. De vez em quando o pessoal fala que está cumprindo uma missão. Missão coisa nenhuma. Você só está cumprindo uma missão quando as Forças Armadas te dão uma tarefa. Quando é como foi no meu caso, ou no dele, ou qualquer outro que foi convidado para participar do governo e aceitou, o problema é seu. Não tem nada a ver com a instituição.
É verdade, mas a logística militar é completamente diferente da logística civil. E ali o problema não era esse. A questão é de política pública de saúde. Ele podia ter segurado a parte logística se continuasse como secretário executivo do ministério, mas ao se tornar ministro passou a ser o responsável pela política de saúde. Aí é que a coisa dá zebra.
O presidente Bolsonaro percebeu ali que estávamos no fim de um ciclo iniciado pelos governos do PT e investiu nisso. A aproximação não foi só com as Forças Armadas. Foi com os eleitores, a sociedade. Ele falou tudo que a população queria ouvir, trouxe esperança, criou boa expectativa. Mas seu comportamento no governo tem sido lastimável. Ele não tinha ideia de como fazer, e por isso a prática é diferente do discurso.
Sem dúvida. Mas uma coisa é levar as coisas na brincadeira e fazer grosserias para capturar a atenção do eleitor numa campanha. Quando você ganha e assume a função, você tem responsabilidade num nível muito maior e tem que dar o exemplo. Você pode emocionar uma parte do eleitorado quando diz que bandido bom é bandido morto. Quando assume, tem que ter um plano de segurança pública. Tem que seguir a lei, verificar o orçamento, aperfeiçoar as instituições, mesmo que sua política seja para valorizar o policial e aumentar sua proteção.
O PT se manteve na liderança por muito tempo e só tinha um líder, o ex-presidente Lula. Na hora que ele caiu, ficou sem liderança. Quem ainda fala no PT e em Lula todo dia são os bolsonaristas. O PT tem até que agradecer a propaganda. Mas o partido perdeu a eleição e não consegue mais se organizar como centro da oposição. O que não é bom, porque precisamos de uma oposição ativa, que faça o contraponto [ao governo]. Sem isso, e com todo esse dinheiro, vão passar o trator por cima. Foi o que ocorreu agora na Câmara e no Senado.
De jeito nenhum. Alguns parlamentares, o pessoal civil, a imprensa e parte da população podem ter essa sensação, vendo que tentaram arrastar o Exército como arma para ameaçar. Mas foi puro blefe. Não tem nada disso. Teve até jurista defendendo a tese de que o Exército podia ser o moderador dos Poderes. Invenção pura. O que existe é a Constituição, e a obrigação que os Poderes têm de se ajustar. Fechem a porta e discutam até chegar a um acordo. As Forças Armadas não têm nada a ver com isso.
Carlos Alberto dos Santos Cruz, 68, General da reserva do Exército, foi ministro da Secretaria de Governo de janeiro a junho de 2019. No governo Michel Temer, foi secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Comandou tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) em missões para estabilização do Haiti e do Congo.
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