Novo na legislação brasileira, o acordo de não persecução penal celebrado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM), abre caminho para que políticos investigados por caixa dois paguem multas mais altas para se livrarem de processos judiciais.
A recente modalidade de acordo, adotada no caso de Onyx, foi regulamentada por meio da Lei Anticrime, do ano passado. Vale para crimes com penas mínimas não superiores a quatro anos (não só o de caixa dois), praticados sem violência ou grave ameaça. Não se aplica, por exemplo, em caso de delitos previstos na Lei Maria da Penha. O investigado confessa o crime e paga a multa. Com isso, evita a abertura de ação penal e continua réu primário.
O gabinete do procurador-geral, Augusto Aras, adotou no caso do ministro um sistema de cálculo da penalidade que considera critérios objetivos, como níveis de gravidade do crime e a faixa de renda do investigado. A ideia é uniformizar esse modelo e replicá-lo em casos futuros.
Onyx confessou à PGR ter recebido R$ 300 mil (R$ 423,5 mil atualizados pela inflação) em doações ilegais, provenientes da JBS, nas campanhas de 2012 e 2014.
Para evitar uma ação por crime eleitoral, ele aceitou pagar uma multa de R$ 189 mil. Ela corresponde a 45% do valor da contribuição recebida por fora. O acordo foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para homologação.
O montante acertado é bem mais alto do que o praticado em casos anteriores, quando a Procuradoria propunha a chamada suspensão condicional de processos.
Trata-se de um instrumento semelhante ao acordo de não persecução penal, que permite sustar o andamento de uma ação penal se o acusado atende aos requisitos previstos na lei, paga multa e cumpre outras penas alternativas. Feito isso, a punibilidade é extinta.
Levantamento da Folha de S.Paulo em processos que tramitaram no STF a partir de 2004 mostra situações em que o réu acertou as contas com a Justiça desembolsando menos de 1% do que recebeu de caixa dois.
É o caso do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que conseguiu em 2005 suspender um processo por doação ilegal na campanha para deputado federal de 2002.
Na ocasião, a PGR o acusou de obter R$ 318,6 mil em contribuições não contabilizadas (R$ 878,2 mil, considerada a inflação do período). Como o crime tem pena igual ou inferior a um ano, entre outros fatores, propôs ao Supremo que o caso fosse sobrestado mediante depósito de R$ 1.000 (R$ 2.159 hoje) na conta do Programa Fome Zero.
A penalidade financeira, em valores atuais, representa 0,24% do caixa dois.
Gomes pagou a fatura. Por dois anos, teve de dar palestras trimestrais em escolas públicas sobre o sistema democrático e o processo eleitoral.
Comprovou ter cumprido as obrigações e, em 2007, o Supremo arquivou o caso.
Em pacto semelhante, o ex-deputado federal Augusto Nardes (ex-PP-RS), hoje ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), pagou multa equivalente a 3% de um caixa dois denunciado pela PGR.
A mulher do então congressista foi acusada de receber R$ 20 mil para ele durante a campanha de 1998 (R$ 72,8 mil atualmente), sem que a quantia fosse declarada à Justiça.
Mediante proposta da Procuradoria, o Supremo suspendeu a ação penal contra Nardes em dezembro de 2004. Para isso, naquele ano, ele também doou R$ 1.000 ao Fome Zero (que seriam R$ 2.247 agora) e teve de dar aulas periódicas para estudantes da rede pública durante dois anos.
O Código Penal prevê, para penas alternativas em dinheiro (prestação pecuniária), pagamento que varia de 1 a 360 salários mínimos (R$ 1.045 a R$ 376,2 mil). Essa faixa é a considerada na suspensão condicional de processos e em outros tipos de pactos com a Justiça. Porém, segundo a Procuradoria, não havia até agora critérios bem definidos de cálculo, o que dava margem à aplicação de multas baixas.
Brasil afora, o acordo já vem sendo adotado pelos procuradores de primeira instância para situações diversas. No âmbito da PGR, a partir do caso Onyx, a expectativa é de que mais políticos e autoridades públicas recorram ao expediente em casos de caixa dois, corrupção e peculato, entre outros.
O modelo de cálculo adotado no caso Onyx foi desenvolvido pelo procurador Aldo Costa, que auxilia Aras em seu gabinete e foi um dos condutores da negociação com a defesa do ministro.
A metodologia foi enviada à Segunda Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável por assuntos criminais, que avaliará se a recomenda para toda a instituição.
O sistema consiste em classificar o crime conforme a gravidade, numa escala que vai de A a E.
Para isso, avalia-se se o delito foi praticado com ou sem intenção e se suas consequências sociais foram mínimas, moderadas ou significativas.
Também verifica-se o itinerário da conduta, ou seja, se o crime foi consumado, tentado ou ficou apenas na fase de preparação.
Cada um desses aspectos recebe uma pontuação, cuja soma definirá o enquadramento entre A e E. No caso de Onyx, a PGR considerou que a gravidade foi a mais alta (E).
Quanto mais grave é o crime, maior é a multa a ser aplicada. Uma tabela prevê quais são os valores a serem pagos por faixa de renda do signatário do acordo.
Costa afirma que o modelo fixa parâmetros uniformes para o cálculo das multas e reduz a possibilidade de "casuísmo na determinação das somas envolvidas".
Ele diz que o valor a ser pago tem de ser suficiente para desestimular a reincidência e proporcional ao benefício obtido pelo investigado (não ser processado).
"Você não pode extinguir uma ação penal a título de troco. O valor tem de servir tanto para a reprovação quanto para a prevenção do delito. O agente que firma o acordo tem de ter a percepção de que a conduta dele é reprovável e que não deve ser praticada novamente", comenta.
Segundo o procurador, a tendência é que os acordos de não persecução penal se tornem um "novo normal" no dia a dia do Judiciário.
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