Os dois acusados pela morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes serão julgado pelo Tribunal do Júri, decidiu nesta terça-feira (10) o juiz Gustavo Kalil, da 4ª Vara Criminal.
O policial militar aposentado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz serão julgados pelo duplo homicídio e pela tentativa de matar uma ex-assessora de Marielle que estava no carro no momento do crime. O assassinato completa dois anos no próximo sábado (14) e ainda não há data marcada para o julgamento.
A vereadora foi assassinada dentro do carro, no bairro Estácio (centro do Rio), por volta das 21h30 do dia 14 de março de 2018. Seu veículo foi atacado a tiros, enquanto ela voltava de um encontro com mulheres negras na Lapa, também no centro, a cerca de 4 km dali.
Marielle estava no banco de trás de um Chevrolet Agile branco com sua assessora, que sofreu ferimentos leves. Na frente, estava seu motorista, Anderson, 39, que também morreu.
O carro dos criminosos emparelhou com o veículo em que Marielle estava, na rua Joaquim Palhares, próximo à estação Estácio do metrô. Após atirarem, eles fugiram em disparada sem roubar nada.
Kalil decidiu manter os dois acusados presos, mas não decidiu sobre o pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro de deixá-los em unidades separadas. O magistrado escreveu que apreciaria a solicitação em outro momento.
Os réus estão presos preventivamente na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, desde maio do ano passado. A solicitação de separação dos réus depende também do aval do juiz-corregedor do presídio de Porto Velho. Além da unidade em que eles estão presos, há outros quatro presídios federais no país.
Ronnie e Élcio negaram em seus depoimentos envolvimento na morte de Marielle e Anderson ?o primeiro é acusado de atirar contra as vítimas e o segundo, de dirigir o carro usado no crime. Os dois afirmaram que estavam num bar assistindo a um jogo do Flamengo na TV no momento do crime.
A Polícia Civil e o Ministério Público ainda apuram, sob sigilo, a existência de mandantes do crime.
O Tribunal do Júri julga os crimes dolosos contra a vida: homicídio, feminicídio, infanticídio, aborto e auxílio, indução e instigação ao suicídio.
Nessas situações, o veredicto é dado por um conjunto de jurados escolhidos entre a população, e o julgamento é presidido por um juiz de direito.
?Marielle se denominava feminista, negra e criada na comunidade da Maré, na zona norte do Rio. Ela militou por essas três frentes em conjunto. Sua principal militância era pela defesa dos moradores de favelas, principalmente os negros e mulheres. Também denunciou supostos abusos do 41º batalhão, de Acari, o que mais matou pessoas nos últimos cinco anos, segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública).
Ela e Anderson foram mortos numa emboscada no centro do Rio de Janeiro, quando o estado sob intervenção federal na segurança pública, sob coordenação do Exército.?
A vereadora havia participado de um debate de mulheres negras na Lapa e se dirigia para casa quando foi atingida por quatro tiros na cabeça. O motorista foi atingido por três projéteis nas costas. A ex-assessora que os acompanhava ficou ferida por estilhaços.
Ronnie e Élcio foram presos há um ano, em 12 de março de 2019, perto do primeiro aniversário da morte da vereadora e seu motorista. A investigação teve como base a quebra de sigilo de dados de celulares usados pelos acusados no dia do crime, além de uma perícia que identificou Ronnie Lessa dentro do carro por meio de uma tatuagem capturada por uma câmera da prefeitura.
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público, Marielle foi morta em razão de sua militância em favor dos direitos humanos. Os investigadores identificaram ainda que Lessa, o policial reformado responsável pelos disparos, fez pesquisas sobre a rotina de Marielle e sobre eventos de que ela participaria semanas antes do crime.
Ele também teria pesquisado sobre outras figuras da esquerda, como o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), próximo a Marielle.
Os dois acusados se tornaram alvo de investigação a partir de outubro de 2018, quando uma denúncia anônima apontou o envolvimento. A polícia checou as informações recebidas e encontrou uma linha de investigação que culminou na denúncia contra os dois.
A apuração do caso Marielle e Anderson também foi marcada por erros cometidos pela polícia, admitidos pelo próprio delegado Giniton Lages, responsável pelo inquérito que apontou os executores do crime. Em depoimento à Justiça, ele reconheceu que houve equívocos na coleta e análise de imagens a fim de identificar o trajeto feito pelo veículo usado pelos criminosos.
Isso impediu, inclusive, que a polícia pudesse determinar se o veículo saiu ou não do condomínio Vivendas da Barra, onde morava o policial militar aposentado Ronnie Lessa.
O erro, segundo ele, ocorreu dias após o crime, quando agentes foram à Barra da Tijuca coletar imagens de segurança de prédios do bairro.
A polícia já sabia que o Cobalt usado no crime havia passado pelo bairro do Itanhangá (início da Barra) e atravessado o Alto da Boa Vista até a Câmara Municipal, quando passaram a seguir os passos da vereadora. Essa informação tinha como base um sistema da Prefeitura do Rio de Janeiro conhecido como OCR, que identifica as placas dos carros que passaram pelas câmeras do município.
Lages escalou uma equipe para coletar as imagens e tentar flagrar nelas a passagem do veículo antes do ponto já conhecido. O grupo recolheu arquivos do Itanhangá até a região do quebra-mar (início da orla da Barra), mas não encontrou o Cobalt.
"[A rota que os criminosos percorreram antes do Itanhangá] Era uma incógnita até setembro, outubro de 2018. Até que entra uma informação que resolvia a equação. O carro saiu do quebra-mar", disse ele no depoimento.
Sete meses após o crime, os policiais voltaram a analisar as imagens recolhidas anteriormente e notaram que usaram um programa incompatível com o arquivo do vídeo, o que reduziu sua resolução. Ao usar a ferramenta correta, foi possível identificar a passagem do Cobalt utilizado no crime.
"A equipe cometeu o maior pecado de uma investigação, que foi chegar até o quebra-mar e não seguir para trás. Acreditou demais em sua própria ?expertise?. Quando levaram a imagem para análise, tinham que ter a certeza que o carro não passou. Eles não perceberam um defeito de Codec [programas utilizados para codificar e decodificar arquivos de mídia] naquela imagem", declarou o delegado.
"Com a segurança que nenhum policial pode ter numa atividade como essa, eles olharam as imagens, [mas] não são especialistas. Tinham que pedir a um especialista para olhar com outros olhos. [O especialista] Teria visto o carro em março [de 2018]. E aí toda a energia iria para a praia. E muito provavelmente pegaríamos eles entrando no carro, o carro parado há mais tempo. Teríamos outras informações que não temos hoje", afirmou ele.
Lages disse que determinou aos agentes para que buscassem imagens de prédios da orla a fim de tentar localizar o veículo. "Mas o que aconteceu? O óbvio: não tinham mais imagens. O fato é que o carro vinha da praia", disse ele.
De acordo com o Ministério Público, Élcio entrou às 17h07 no condomínio, na orla. A câmera no quebra-mar identificou a passagem do Cobalt às 17h24. O trajeto entre o Vivendas da Barra e o ponto da primeira visualização do veículo é de cerca de sete minutos.
O delegado deixou claro que o objetivo da busca era descobrir se o veículo usado no crime saiu diretamente do condomínio de Lessa ou se eles embarcaram nele em outro local.
"Minha esperança é que tivéssemos uma OCR [câmera de identificação de placas] na [avenida] Sernambetiba. Mas não consegui pegar esse carro na Sernambetiba. Uma OCR me indicaria se ele estava na frente da casa do Lessa, antes da casa do Lessa, depois da casa do Lessa, se não estava", afirmou ao juiz.
Também morava no condomínio Vivendas da Barra na ocasião o então deputado federal Jair Bolsonaro.
Na apuração sobre os mandantes do crime, a polícia localizou uma planilha de controle de entrada de visitantes do condomínio que indicava que Élcio teria entrado no local para ir à casa de Bolsonaro, de número 58. Um porteiro disse que fora o então deputado quem autorizou a entrada. O caso acabou sendo enviado para consulta da Procuradoria-Geral da República em razão da menção ao presidente.
A gravação do interfone da portaria, contudo, mostrou que quem autorizou a entrada foi Ronnie Lessa. O porteiro, depois, reconheceu ter se equivocado na menção ao presidente.
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