A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou nesta quarta-feira (14) um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para esclarecer pontos do julgamento que, em junho do ano passado, enquadrou a homofobia e a transfobia nos crimes de racismo.
Com a peça, tecnicamente chamada de embargos de declaração, a AGU quer saber se o que foi decidido pelo Supremo atinge alguns aspectos da liberdade religiosa, como os atos de exclusão de membros de organizações religiosas.
Datado de terça-feira (13), o recurso foi enviado ao relator da matéria, o ministro Celso de Mello, agora aposentado. Se não houver redistribuição do caso, a análise caberá a seu substituto. Para a vaga, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) indicou o juiz federal Kassio Nunes Marques, do TRF-1 (Tribunal regional Federal da 1ª Região).
No julgamento do ano passado, o ministro Celso disse que a decisão do Supremo não interferiria nem comprometeria a liberdade religiosa.
"Fica assegurada, nesse sentido, a liberdade para que líderes religiosos possam argumentar em seus cultos que condutas homoafetivas não estão de acordo com suas crenças, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas as exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero", disse o então decano.
A AGU viu na fala de Celso de Mello o reconhecimento de que o contexto de expressão de certas ideias relacionadas à moral sexual deve ser sopesado quando decorrer do exercício da liberdade de religião, configurando, assim, na interpretação da advocacia, uma espécie de excludente de ilicitude, desde que não haja excesso odioso.
"Reconhecendo e enfatizando a lucidez das observações registradas a favor da liberdade religiosa, a decisão também reclama esclarecimentos nesse aspecto", afirmou o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior.
Além de aspectos relacionados à liberdade religiosa, a AGU pediu ao STF esclarecimentos sobre o "legítimo exercício de outras liberdades constitucionais".
"É importante que se esclareça, como tese de julgamento, que não só a liberdade religiosa, mas a própria liberdade de expressão, considerada genericamente (englobando a manifestação artística, científica ou profissional), respalda a possibilidade de manifestação não aviltante a propósito da moralidade sexual", disse a AGU.
"A proteção dos cidadãos identificados com o grupo LGBTI+ não pode criminalizar a divulgação - seja em meios acadêmicos, midiáticos ou profissionais - de toda e qualquer ponderação acerca dos modos de exercício da sexualidade."
Outro ponto mencionado a exigir esclarecimento, segundo a AGU, é o controle de acesso a espaços de convivência pública, como banheiros, vestiários, vagões de transporte público e até mesmo estabelecimentos prisionais.
Após a leitura e uma avaliação ainda inicial do recurso do governo, o professor de Direito da FGV Thiago Amparo afirmou que há por parte do governo uma clara intenção de se ampliar exceções à criminalização da homofobia e da transfobia.
"A peça coloca em termos jurídicos uma clara ambição por parte de uma fatia conservadora da sociedade de inventar uma liberdade de discriminar LGBTs. Em termos práticos, esse recurso da AGU quer desmantelar completamente a decisão do STF pela criminalização da LGBTfobia, embora tenha pouca chance de sucesso no Supremo", afirmou Amparo.
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