O presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Alexandre Ribeiro Pereira Lopes, foi exonerado do cargo.
Está já é a quarta mudança mudança no comando órgão, responsável pelo Enem, sob o governo Jair Bolsonaro (sem partido).
A exoneração foi publicada na madrugada desta sexta-feira (26) no Diário Oficial da União, com a assinatura do ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, mas a decisão coube ao ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro.
O Inep é vinculado ao MEC. Ribeiro e Lopes não tinham um bom relacionamento, e o clima foi reforçado pela ausência do ministro nas atividades e nos desafios da pasta e, particularmente, do instituto, na pandemia.
As falhas na realização do Enem, com parte dos candidatos impedidos de fazer por lotação das salas, foram consideradas pelo ministro a gota d'água para a mudança imediatamente após o fim do exame. A reaplicação das provas terminou na quarta-feira (24), e no dia seguinte Ribeiro encaminhou à Casa Civil as portarias de demissão.
Também foi exonerado o chefe de gabinete da presidência do Inep, Marcelo Silva Pontes.
A demissão de Lopes já era esperada internamente desde dezembro, mas esperava-se um processo menos intempestivo. Segundo integrantes do governo, Lopes soube só ontem que a exoneração seria publicada nesta sexta. Procurado, ele não respondeu à reportagem.
Também causou desconforto ao ministro a divulgação de proposta do Inep para revisão da lei que regula a avaliação das instituições de ensino superior. Ex-reitor do Mackenzie, Milton Ribeiro tem tido relação próxima com o setor privado.
Deve haver troca em praticamente todas as diretorias do órgão. Um coronel do exército é forte cotado para a Diretoria de Avaliações da Educação Básica, responsável pelo Enem e pelo Saeb, que avalia a etapa.
Há chances, segundo relatos feitos à reportagem, de que um militar assuma a presidência do instituto. O ministro também avalia nomes da sua equipe atual.
Políticos do centrão também se movimentam para ocupar espaço no instituto, mas a oferta de cargos no Inep para o grupo que apoia Bolsonaro não foi o principal motivo para a troca.
O diretor de Tecnologia e Disseminação de Informações Educacionais do Inep, Camilo Mussi, responde interinamente pela presidência. O ministro informou a interlocutores que pretende mantê-lo na diretoria.
A exoneração dos dois principais responsáveis pelo Instituto ocorre 2 dias depois da reaplicação do Enem, que teve uma série de problemas nesta edição. A prova teve abstenção recorde e candidatos impedidos de fazer o exame por conta de salas superlotadas.
Integrantes do Inep e do Ministério da Educação (MEC) relataram à reportagem preocupação com as próximas etapas do Enem, já que o órgão responsável pela organização da prova fica agora sem comando.
A Assinep (Associação de Servidores do Inep) divulgou uma nota pública na manhã desta sexta em que dizem ver com preocupação a exoneração de mais um presidente - o quinto a ocupar a chefia do instituto nos último 2 anos.
Segundo a associação, a "descontinuidade de gestão, com sucessivos períodos de instabilidade" tem comprometido o trabalho do instituto.
"Os servidores do Inep alertam a sociedade para os graves riscos à instituição, essencial para o desenvolvimento educacional brasileiro, e clamam pela necessidade de gestores com reconhecida capacidade técnica e familiaridade com a temática da educação, à altura dos 84 anos do instituto", diz a nota.
A exoneração surpreendeu integrantes do MEC, já que Lopes tinha na manhã desta sexta (26) um encontro com donos de faculdades privadas para discutir mudanças no Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior).
Antes de assumir o instituto, em maio de 2019, Lopes ocupava a função de diretor legislativo na secretaria-executiva da Casa Civil.
Ele foi o terceiro presidente do instituto no governo Bolsonaro (sem partido). Nos cinco primeiros meses da atual gestão federal, duas outras trocas foram realizadas.
Marcus Vinícius Rodrigues e Elmer Vicenzi ficaram por um curto período à frente do instituto. Já Maria Inês Fini, que ocupava o cargo desde o governo Temer, foi exonerada no começo de janeiro de 2019.
Lopes já havia trabalhado com o ex-ministro da Educação da gestão Bolsonaro Abraham Weintraub que, antes de se tornar titular do MEC, era o número dois da então pasta comandada por Onyx Lorenzoni (Casa Civil).
Segundo o currículo de Lopes, ele é formado em engenharia química pela UFRJ e em direito pela UnB. É servidor público de carreira como analista de comércio exterior desde 1999.
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, Alexandre Lopes defendeu a manutenção do Enem durante a pandemia de Covid-19. A realização do exame, no entanto, gerou um recorde de abstenção de inscritos, que temeram pela falta de medidas sanitárias efetivas durante a aplicação das provas.
Em entrevista à Folha de S.Paulo após assumir o cargo, Lopes também disse que quem fizesse redação de esquerda no Enem não seria prejudicado.
Mas especialistas e servidores que elaboram o Enem temem, desde o início do governo Bolsonaro, por interferências na prova. O presidente em diversas ocasiões criticou o exame e chegou a dizer que, sob sua gestão, questões sobre alguns temas seriam barradas.
Bolsonaro já criticou em edições anteriores perguntas que abordavam racismo e homofobia. Neste ano, ele reclamou de uma questão que comparava os salários dos jogadores Marta e Neymar.
"Você vê as provas do Enem. O banco de questões do Enem não é do meu governo ainda, é de governos anteriores. Tem questões ali ridículas ainda, ridículas", disse Bolsonaro na ocasião.
Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o Inep criou uma comissão para censura ideológica de temas no banco de itens, que agrupa as questões usadas nos exames federais. O Inep nunca divulgou quais temas e questões foram barrados.
No entanto, parecer da comissão mostra que foi sugerido a troca do termo "ditadura" por "regime militar" em um item da área de Linguagens. O documento foi divulgado pelo jornal O Globo e confirmado pela reportagem.
A comissão vetou 66 perguntas que foram avaliadas como tendo "abordagens controversas" e "teor ofensivo". Os itens condenados estão, principalmente, nas áreas de ciências humanas e linguagens, 29 e 28 itens respectivamente. Outros 5 eram de ciências da natureza e 4, de matemática.
A criação da comissão veio a pedido de Bolsonaro, que antes acumula críticas, de teor ideológico, sobre questões do Enem. As duas edições do exame a cargo deste governo deixaram de contar, de forma inédita, com perguntas sobre a ditadura militar no Brasil (1964-1985), período marcado por restrições civis e tortura, mas elogiado e defendido por Bolsonaro e apoiadores.
Bolsonaro tem um discurso de minimização do racismo, problema que ele já disse que não existe no país.
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