O médico sanitarista Nésio Fernandes, 40, novo presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde), diz que a nova onda de casos de Covid chega no momento em que rede pública de saúde está sobrecarregada de atendimentos reprimidos durante a pandemia. "É a continuidade de um estado de emergência que permanece para os gestores públicos de saúde", afirma Fernandes, secretário da Saúde do Espírito Santo e que preside o Conass deste março.
Oficialmente, no dia 22 de abril, o governo de Jair Bolsonaro (PL) anunciou o fim da emergência sanitária provocada pela pandemia de Covid-19 no país. No momento, outras doenças estão dividindo as atenções das autoridades de saúde: uma hepatite ainda misteriosa que afeta crianças, a varíola dos macacos e a dengue, a velha conhecida dos brasileiros.
Segundo Fernandes, em ondas anteriores da Covid, em que houve algum nível de isolamento social, ocorreu queda dos traumas por acidentes de trânsito, por exemplo, mas que agora esse tipo de ocorrência tem aumentado muito, estrangulando ainda mais as emergências.
Nos últimos dez anos, os acidentes de trânsito consumiram R$ 290 milhões de recursos anuais do SUS (Sistema Único de Saúde).
Para agravar o cenário, estados e municípios também enfrentam o desabastecimento de medicamentos básicos, como antibióticos, analgésicos e anti-inflamatórios. Em São Paulo, alguns hospitais hospitais chegaram a adiar cirurgias e tratamentos no mês passado por falta de remédios.
Na lista de outra entidade de secretários, o Cosems (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo), estão em falta antibióticos, analgésicos, anti-inflamatórios, anestésicos e até soro fisiológico.
Ao mesmo tempo, os estados enfrentam neste ano um corte de recursos na ordem de R$ 40 bilhões em relação ao orçamento de 2021, que resultou numa redução de 60% dos leitos de UTIs, segundo Fernandes. "Isso tudo num contexto de crise econômica e de um ano de fim de mandatos, com questões fiscais e legais que impedem que os estados criem dívidas para os seus sucessores", diz.
Uma grande preocupação dos gestores de saúde tem sido a estagnação da vacinação contra a Covid, situação que traz um cenário de insegurança epidemiológica para o país. Os dados apontam queda no ritmo de aplicação do imunizante no público infantil e pouca adesão à quarta dose na população acima de 60 anos. "Queremos alcançar 90% de cobertura vacinal em todas as faixas etárias em 90 dias".
A proposta para alcançar essa meta foi aprovada no último dia 26 na comissão tripartite do SUS - além do Conass, integram o conselho de secretários municipais de saúde e o Ministério da Saúde. É a criação de uma grande aliança nacional pela vacinação, que envolva autoridades sanitárias, artistas, religiosos e a sociedade civil em geral.
A ideia é que a mobilização trate da vacinação contra a Covid e de outras doenças que também enfrentam queda nas taxas de imunização. A cada dez crianças brasileiras, três não receberam vacinas contra doenças potencialmente fatais, aponta um levantamento realizado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para as Crianças). "Estamos na iminência de o sarampo circular em todo o país, do retorno da poliomielite e de doenças já erradicadas devido a uma sucessão de anos de baixa cobertura vacinal", diz Fernandes.
O sarampo chegou a ser considerado erradicado no Brasil, mas acabou voltando -em 2019, foram mais de 20 mil casos. A poliomielite está em circulação em alguns países, e a falta de vacinação, portanto, pode deixar o Brasil vulnerável ao retorno dela.
Em relação à Covid, o presidente do Conass considera provável que o país tenha que distribuir novas doses de reforço ainda neste ano caso surjam novas variantes -e que estas encontrem pessoas suscetíveis ao contágio porque ainda não se vacinaram, estão com esquemas incompletos ou receberam a última dose há mais de seis meses. "Temos uma preocupação muito grande com o segundo semestre e com o período eleitoral. O cenário é de risco e temos que tomar medidas imediatamente".
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