A aluna da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) acusada por colegas de ter desviado quase R$ 1 milhão arrecadados para a formatura da turma ganhou cinco vezes na loteria em 2022 com apostas feitas após transferir, no fim de 2021, o montante pertencente aos estudantes para sua conta pessoal.
De acordo com a Polícia Civil, Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, faturou, no total, R$ 326 mil em premiações da Lotofácil depois de realizar dezenas de jogos de alto valor em uma lotérica da zona sul de São Paulo entre abril e julho de 2022.
Na última vez que tentou fazer uma aposta, ela teria dado um golpe no estabelecimento, causando um prejuízo de R$ 192 mil ao comércio, segundo apuração da Delegacia Especializada em Investigações Criminas (Deic) de São Bernardo do Campo, onde a ocorrência foi registrada pelos donos da lotérica.
A descoberta dos prêmios ocorreu após a abertura de inquérito policial, ainda em julho de 2022, para apurar o suposto golpe da jovem contra a lotérica. Segundo relataram os proprietários do estabelecimento à polícia, Alicia vinha, desde abril, fazendo apostas de cerca de R$ 9 mil diariamente.
Em 12 de julho de 2022, quando ela já havia gastado cerca de R$ 461 mil em apostas e até feito amizade com os funcionários da lotérica, ela tentou fazer um conjunto de jogos na Lotofácil no total de R$ 891.530. Para isso, apresentou, como prova do pagamento, um agendamento de transferência via Pix. As funcionárias, então, começaram a registrar os jogos e a entregar os comprovantes para a apostadora, mas a gerente desconfiou da situação e questionou a estudante sobre quando o dinheiro cairia.
Ainda de acordo com a polícia, a aluna de Medicina, então, tentou "ludibriar" os funcionários da lotérica ao mostrar um comprovante de transferência no valor de R$ 891,53, mas a gerente ordenou que as apostas fossem interrompidas.
Naquela altura, porém, Alicia já havia recebido os comprovantes de R$ 193 mil em apostas mesmo tendo pago à lotérica somente os R$ 891,53. Ela saiu do local com os canhotos das apostas que conseguiu efetuar e o estabelecimento amargou prejuízo de R$ 192 mil reais, o que fez seus donos procurarem a polícia, que abriu inquérito contra Alicia por suspeita de lavagem de dinheiro e estelionato.
Foi tentando desvendar a origem do dinheiro usado nas apostas de Alicia que a delegada Katia Regina Cristofaro Martins, do Deic de São Bernardo, chegou à informação de que ela havia ganhado cinco vezes na loteria. "Solicitamos informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) (que monitora transações financeiras) e vimos que ela havia recebido vários prêmios, mas, como eram valores de origem lícita, isso não dizia muita coisa", afirmou Katia ao Estadão.
Até então, ela e sua equipe não tinham a informação sobre a possível apropriação indébita de quase R$ 1 milhão dos alunos de Medicina da USP por parte da Alicia. "Fiquei sabendo desse fato novo na última sexta-feira. Agora temos uma pista da origem do dinheiro e pretendo colher depoimento dos alunos da comissão de formatura e da empresa envolvida", afirmou.
De acordo com membros da comissão de formatura, o dinheiro para a formatura vinha sendo arrecadado pela empresa Ás Formaturas há quatro anos. No fim de 2021, Alicia, que era presidente da comissão, solicitou a transferência dos valores para uma conta pessoal dela sem o aval de outros estudantes integrantes do grupo. "Ninguém sabia até o dia 6 de janeiro de 2023 que ela havia retirado dinheiro da conta da Ás", disse um representante da comissão que não quis ser identificado. Foi nessa data que Alicia, por meio de uma mensagem de Whatsapp no grupo da comissão, afirmou ter perdido todo o dinheiro.
Em nota assinada por todos os alunos da comissão, o grupo afirma que Alicia descumpriu "o Estatuto ao movimentar esse montante sem a assinatura de nenhum outro membro e transferindo-o a uma conta pessoal sua" e que "a atitude não representa moral e eticamente a postura dos demais membros desta comissão e os mais de 110 alunos aderidos".
Aos colegas, Alicia declarou que sacou o dinheiro da conta da empresa porque ela não estava prestando um bom serviço e decidiu investir o recurso junto à corretora Sentinel Bank, de quem teria, posteriormente, sofrido um golpe. A estudante investigada diz que a instituição financeira sumiu com cerca de R$ 800 mil e que o restante do valor foi gasto por ela com advogados para tentar reaver a quantia. Questionada pelos demais alunos sobre os comprovantes, ela afirma não ter o contrato de prestação de serviços com o Sentinel Bank porque o documento teria sido levado em um assalto que ela sofreu.
O Estadão tentou contato com Alicia por ligação e mensagem, mas não obteve retorno. As chamadas caíram na caixa postal e as mensagens não foram respondidas. Alunos disseram que ela deixou de frequentar as atividades acadêmica nesta segunda, 16.
A empresa Ás Formaturas afirmou que "todas as transferências foram realizadas rigorosamente conforme estabelecido nas cláusulas contratuais" e disse estar "à disposição das autoridades para o fornecimento de contratos, documentos, e-mails e demais informações". A reportagem não conseguiu localizar representantes do Sentinel Bank.
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