Com uma escalada de críticas que partem de dentro do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem se equilibrado entre a pressão de seus pares para agir contra ações controversas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a resposta que tem dado às demandas para não ser acusado de omissão.
Na segunda-feira (20), Aras pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para investigar as manifestações do domingo (19) que pediram intervenção militar, o que foi acolhido pelo ministro Alexandre Moraes.
A solicitação mira os organizadores dos atos, mas deixa de fora Bolsonaro. Segundo pessoas próximas a Aras, ele não viu no discurso presidencial elementos que pudessem ser questionados como referendo a intervenção militar.
Para uma ala de procuradores, o gesto de ir à manifestação poderia levar o presidente a responder por agir contra políticas de saúde.
Mas já houve questionamento interno sobre esse tema quando Bolsonaro foi a outros protestos semanas atrás, e Aras argumentou que o presidente estava exercendo sua liberdade de expressão.
No domingo, até ministros do Supremo avaliaram que o procurador-geral não poderia ficar inerte aos atos pró-golpe. Os ministérios públicos federais no DF e em outros estados também haviam proposto investigação sobre os atos.
Integrantes do MPF avaliam que Aras agiu no limite de sua atribuição para também não ser acusado de omissão.
Aras tem tido embates com seus pares por arquivar pedidos de providências contra declarações de Bolsonaro na pandemia. Ele foi indicado pelo presidente ao cargo em 2019, sem disputar eleição interna da categoria na qual se forma uma lista tríplice de nomes sugeridos ao Planalto.
Na semana passada, ele já havia mudado de tom sobre o combate à pandemia e buscou usar o apoio dos ministérios públicos dos estados e de outros braços do MPU (Ministério Público da União) para demonstrar força.
No dia 13, enviou ao ministro do STF Luís Roberto Barroso um parecer sugerindo que a decisão sobre a quarentena deveria ser tomada pela União e que o Judiciário não poderia interferir nas medidas. Afirmava que não é possível determinar o grau de isolamento social adequado contra a disseminação do vírus.
Dois dias depois e ante forte reação interna, mudou de tom: defendeu claramente a competência de prefeitos e governadores para decretar a quarentena e não questionou a eficácia da diretriz de que a população fique em casa.
Auxiliares do chefe do MPF afirmam que não houve recuo. Segundo esses interlocutores, na semana anterior ele já havia se manifestado ao Supremo com a mesma análise de que as medidas cabiam a cada estado e município.
Os dois pareceres com tons distintos na mesma semana, porém, foram lidos como tentativa de marcar posição, evitar derrotas no STF e amainar as críticas da classe.
A manifestação do início da semana passada foi enviada em resposta a uma ação que questiona uma campanha do governo federal pregando o fim das quarentenas.
O trecho considerado mais polêmico, porém, foi um que relativizou a eficácia do distanciamento social.
O procurador escreveu que as "incertezas que cercam o enfrentamento" do coronavírus por todos os países "não permitem um juízo seguro quanto ao acerto ou desacerto de maior ou menor medida de isolamento social".
Aras avançou dizendo que essas medidas "dependem de diversos cenários não só faticamente instáveis, mas geograficamente distintos, tendo em conta a dimensão continental do Brasil".
A manifestação foi interpretada como um gesto político de Aras porque encontra respaldo no discurso de Bolsonaro e contraria medidas defendidas pelo próprio comitê criado na PGR para analisar o combate à Covid-19.
Após as críticas, o PGR enviou outra manifestação ao STF numa liminar concedida por Moraes que proíbe a União de barrar ações adotadas por estados e municípios. Nesse caso, ele concordou com o ministro, afirmou que o Executivo federal não tem poderes para minar ações de outros entes e não relativizou a eficácia do isolamento.
Para integrantes do MPF, as manifestações com tons distintos são resultado da constatação de Aras de que sua posição anterior não encontraria respaldo no STF e passava sinalização ruim à categoria.
Outro ponto de choque entre Aras e seus pares foi seu pedido para ministérios do Executivo devolverem à PGR, sem resposta, eventuais recomendações feitas por procuradores de outras instâncias.
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) estuda entrar com representação contra Aras no STF por entender que a atitude pode ferir a independência funcional do MPF nos estados e dos órgão estaduais. As variações no seu discurso frearam essa ofensiva, por ora.
Em outra frente, o procurador articulou com o presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, Paulo Passos, uma carta pública com elogios à condução da PGR divulgada na quinta-feira (16).
Compõem o conselho os 26 procuradores-gerais de Justiça, além dos chefes do Ministério Público Militar, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
A ideia da carta surgiu de um grupo de procuradores-gerais, que, vendo a ofensiva contra Aras, avaliaram que poderiam apoiá-lo.
Aras foi avisado da iniciativa e, segundo relatos, ajudou a construir o texto, que diz que ele "age de forma democrática e responsável, ponderada" com interlocução com os signatários da nota. Também fez questão de dar ampla divulgação ao documento, para mostrar força diante de seu isolamento no MPF.
Para os integrantes dos outros braços do MPU e estados, é útil manter bom diálogo com Aras porque ele pode garantir recursos e poder.
Ele nomeou para a Secretaria-Geral do Conselho Nacional do Ministério Público o ex-procurador-geral militar Jaime de Cassio Miranda, em gesto ao MPU. Também tem buscado acomodar cada vez mais integrantes dos órgãos estaduais na estrutura do órgão.
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