A anulação da sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do sítio de Atibaia, que será discutida nesta quarta-feira (27) no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), beneficiaria não só o petista mas também delatores da Odebrecht que até hoje ainda não começaram a cumprir punições previstas em seus acordos.
Três juízes da corte regional vão julgar apelação do petista contra condenação em primeira instância a 12 anos e 11 meses por corrupção e lavagem de dinheiro. É possível, porém, que antes de julgar o mérito os magistrados decidam determinar que o caso volte à primeira instância, uma vez que à época os réus delatados não tiveram a autorização de se manifestar após os acusados delatores.
Entre os condenados em primeira instância no caso, estão o patriarca da empreiteira, Emílio Odebrecht, e ao menos um outro colaborador da construtora que, quase três anos após a assinatura do compromisso de colaboração, não foram ainda submetidos às restrições estabelecidas naquela época.
Isso ocorre porque parte dos 78 delatores da Odebrecht só terá que cumprir as punições previstas a partir do esgotamento de suas ações penais na Justiça, o que tende a acontecer no TRF-4.
Caso a sentença volte para a primeira instância, essa etapa vai demorar mais para acontecer. Emílio, 74, que em seus depoimentos disse que a relação corrompida entre políticos e empreiteiras vigora no país "há 30 anos", não tem outras condenações na Lava Jato até o momento.
No caso do sítio, a pena dele foi fixada em três anos e três meses de reclusão.
Em 2016, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que o acordo impunha a ele a permanência domiciliar por dois anos em regime semiaberto e outros dois anos em regime aberto, com tornozeleira eletrônica. Detalhes do compromisso ainda estão sob sigilo, mas na sentença do sítio foi informado que o empresário se comprometeu com as autoridades à época a pagar multa de R$ 68,7 milhões.
Outro delator da Odebrecht também condenado no caso sobre a propriedade rural de Atibaia e que ainda não está submetido a restrições é Carlos Armando Paschoal, ex-diretor-superintendente do grupo em São Paulo e condenado em primeira instância a dois anos de reclusão por lavagem --pena substituída por serviços à comunidade e multa.
A situação é bem diferente da vivida por Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, que negociou o acordo enquanto estava na cadeia, passou dois anos e meio preso em regime fechado e só em setembro pôde voltar a frequentar os escritórios da companhia. No Paraná, foi sentenciado em quatro ações penais.
A anulação da sentença do caso do sítio chegou a ser defendida pelo próprio Ministério Público Federal que atua na segunda instância, instituição responsável pela acusação, que afirmou em parecer que o retorno para a primeira instância garantiria "coerência do sistema jurídico", já que o STF (Supremo Tribunal Federal) já anulou outras duas sentenças da Lava Jato nas mesmas circunstâncias. Na semana passada, porém, a Procuradoria recuou em relação a essa manifestação.
O precedente que deve afetar o caso do sítio tem origem em um pedido da defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, que tinha sido condenado por Sergio Moro em primeira instância por corrupção e lavagem em 2018. Os advogados de Bendine pleitearam, antes da sentença, que suas considerações finais no processo fossem apresentadas só depois das manifestações de réus delatores, que haviam feito acusações contra o ex-executivo da estatal.
Moro negou o pedido, e o questionamento chegou ao Supremo, que deu razão a Bendine em agosto deste ano, anulando a condenação.
Com novos pedidos parecidos chegando ao STF, a corte chamou o plenário, composto por todos os ministros do tribunal, para discutir o mérito do tema. A tese das defesas venceu por 7 a 4, e outra sentença, que tinha como alvo um ex-gerente da Petrobras, foi anulada.
Toffoli, então, sugeriu que o Supremo definisse o impacto dessa decisão sobre outros casos similares. O ministro sugeriu que só se anulem sentenças nas quais as defesas tenham pedido ainda na primeira instância para apresentar suas manifestações por último. Esse recorte reduziria os efeitos na Lava Jato e torna o caso do sítio como um dos poucos potencialmente atingidos.
O STF, porém, adiou a análise sobre a sugestão de Dias Toffoli para data ainda não definida.
A decisão do juiz relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, de tratar da volta do caso do sítio à primeira instância antecipa uma ordem que provavelmente seria expedida pelo Supremo nos próximos meses.
Na sessão de quarta (27), o TRF-4 vai julgar os recursos das partes contra a decisão de primeira instância no caso do sítio em Atibaia. A juíza Gabriela Hardt, autora da sentença, entendeu que Lula recebeu vantagens indevidas das empreiteiras Odebrecht e OAS em troca de favorecimento em contratos da Petrobras. Para Hardt, as reformas e benfeitorias realizadas pelas construtoras no sítio frequentado por Lula em Atibaia configuraram a prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Um ponto fundamental será a análise sobre se é aplicável ao processo o mais recente entendimento do STF sobre a sequência de apresentação de alegações finais pelos acusados nas causas criminais. O STF decidiu em outubro que nos casos em que houver réus delatores e réus delatados deve ser alterada a ordem normal de apresentação da última manifestação pelas partes. Até o julgamento do Supremo, todos os acusados falavam ao mesmo tempo nas causas. Agora a corte superior decidiu que aqueles que são delatores devem anteceder os delatados. A decisão teve como fundamento o princípio de que os réus não colaboradores devem conhecer o conteúdo de todas as acusações contra eles antes de preparar e entregar suas alegações finais. Se esse tema for superado e a sentença não for anulada, o TRF-4 passará a examinar se as condenações ou absolvições devem ser mantidas ou reformadas.
Sim, uma vez que o ex-presidente teve a oportunidade de oferecer suas alegações finais no mesmo período em que outros réus delatores do processo, e sua defesa questionou esse fato em juízo.
Não. Com base no entendimento do STF sobre a ordem das alegações finais o TRF-4 pode anular apenas a sentença de primeira instância e determinar que o processo volte à fase de alegações finais. Todas as provas e depoimentos do caso continuariam válidos.
O caso deverá ser julgado pelo atual juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Luiz Antonio Bonat, que sucedeu o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
O juiz terá que abrir novo prazo para alegações finais conforme a decisão mais recente do STF. Após todas as partes entregarem suas petições, o magistrado examinará todo o conteúdo do processo e preparará uma nova sentença.
As partes apresentaram suas alegações finais na primeira instância em janeiro, e atualmente o processo já estava pronto para ser julgado em segunda instância. Assim, teriam sido perdidos cerca de 11 meses de andamento caso o TRF-4 mande a causa de volta a Curitiba.
A defesa de Lula alega que ele não teve direito a um processo justo pois a maior parte da causa foi conduzida pelo atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que, para os advogados, não agiu com imparcialidade durante a investigação e a ação penal do caso. Outra alegação é a de que não há provas de que Lula atuou para beneficiar a Odebrecht e a OAS em contratos da Petrobras, ou seja, não está comprovada qualquer contrapartida do líder petista em favor das companhias.
As empreiteiras Odebrecht e OAS realizaram reformas e benfeitorias no sítio que foi frequentado pelo ex-presidente e sua família. O ex-presidente da OAS Léo Pinheiro disse em juízo que as obras no local constituíram uma retribuição a Lula após favorecimento em contratos da Petrobras. Delatores da Odebrecht também fizeram acusações contra o petista.
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