Conteúdo verificado: Vídeo publicado no perfil do Facebook de um deputado federal em que ele afirma que o governador de São Paulo, João Doria, recebeu R$ 19,5 bilhões de Bolsonaro para o combate à Covid-19.
É enganosa a afirmação do deputado federal Leo Motta (PSL-MG) de que o presidente Jair Bolsonaro destinou R$ 19,5 bilhões ao governo do estado de São Paulo para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Em vídeo viral no Facebook, o parlamentar omite que mais da metade da quantia citada por ele foi encaminhada a administrações municipais e, portanto, não é de competência do governador paulista João Doria. Motta ainda reproduz uma alegação já desmentida pelo Comprova de que o estado do Amazonas teria recebido “quase R$ 10 bilhões” para combater à covid-19. O Comprova já mostrou que apenas uma pequena parte desse valor era destinado ao enfrentamento da crise sanitária.
Questionado pelo Comprova, o gabinete de Motta enviou por e-mail um boletim da Secretaria Especial de Assuntos Federativos com a descrição de recursos do Governo Federal destinados ao estado de São Paulo e municípios no âmbito da pandemia. Divulgados em novembro de 2020, os relatórios de cada unidade federativa do país estão disponíveis no site do Governo Federal.
O documento informa um repasse total de R$ 19,347 bilhões, com base em dados do Tesouro Nacional, do Fundo Nacional de Saúde e do Ministério da Cidadania. Desse montante, porém, R$ 10,05 bilhões foram destinados a governos municipais.
O mandato de Leo Motta não quis se manifestar sobre os apontamentos do Comprova até a publicação desta reportagem.
Procuramos o deputado Léo Motta, por meio dos contatos de e-mail e telefone informados no site da Câmara dos Deputados, para questionar a fonte usada por ele para as afirmações. A assessoria do deputado enviou em resposta apenas uma apresentação em PDF, produzida pela Secretaria Especial de Assuntos Federativos, do Governo Federal.
Em seguida, buscamos, nos Portais da Transparência da União e do estado de São Paulo, além do Portal Siga Brasil, do Senado Federal, os dados sobre repasses enviados ao governo paulista para o combate à Covid-19, desde o início da pandemia. Os dados listados em cada site possuíam algumas divergências entre as rubricas, e, por isso, procuramos, por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Fazenda de SP e o Ministério da Economia. As duas pastas disseram que os valores nos portais estão atualizados e enviaram o caminho para o acesso às informações.
Para saber mais sobre a compra de respiradores e insumos para o combate à pandemia em São Paulo, mencionados pelo deputado, consultamos o Portal da Transparência estadual, que possui uma seção dedicada aos gastos relacionados ao novo coronavírus, bem como os sites do Ministério Público de Contas de SP e do Tribunal de Contas do Estado. Acessamos, ainda, reportagens publicadas sobre possíveis irregularidades na aquisição desses equipamentos.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 5 de fevereiro de 2021.
O boletim da Secretaria Especial de Assuntos Federativos aponta cinco origens de repasses ao estado de São Paulo destinados especificamente para combate à pandemia. A primeira delas consiste na transferência da ordem de R$ 1,618 bilhão provinda do Fundo Nacional de Saúde, que é o órgão federal responsável por gerir recursos do Sistema Único de Saúde (SUS).
É importante ressaltar, porém, que o relatório considera dados de janeiro a novembro de 2020. Em nota ao Comprova, a Secretaria da Fazenda de São Paulo informou que a quantia atualizada corresponde a R$ 1,78 bilhão. O valor também consta no portal de transparência da pasta.
De acordo com o boletim do Governo Federal, a União também repassou R$ 69,53 milhões como parte do programa de compensação do Fundo de Participação dos Estados (FPE) em meio à pandemia. O repasse obedece à lei 14.041/2020, que foi constituída a partir de uma medida provisória assinada por Bolsonaro.
O FPE recebe 21,5% dos tributos arrecadados pela União por meio do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos e Serviços (IPI). Esse valor é distribuído aos 26 estados e ao Distrito Federal, conforme parâmetros previstos em lei. O programa do Governo Federal instituído durante a pandemia cobre a diferença negativa entre os valores destinados ao fundo entre março a junho de 2020, com a arrecadação do mesmo período no ano anterior.
Uma planilha disponível no site do Tesouro Nacional permite a qualquer cidadão verificar a quantia encaminhada a todos os estados e o Distrito Federal.
A maior parte dos recursos destinados pela União ao combate à Covid-19 no estado, no entanto, corresponde ao Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (PFEC). Dos R$ 19,4 bilhões de repasses incluindo os municípios paulistas, R$ 12,7 bilhões são oriundos do auxílio, dos quais R$ 7,6 bilhões foram destinados ao governo estadual.
O programa segue a lei complementar 173/2020, que teve origem em um projeto de lei do senador Antonio Anastasia (PSD-MG). O portal da Fazenda do governo Doria descreve a verba em duas categorias: as receitas referentes ao “Inciso I” da legislação, na ordem de R$ 988 milhões, e ao inciso II, de R$ 6,61 bilhões. Ambos os valores são nominais, ou seja, não estão corrigidos pela inflação.
A distinção acontece porque a lei determina no art 5º inciso I que parte do valor deve ser destinado obrigatoriamente ao apoio de sistemas de saúde e assistência social na linha de frente do combate à pandemia. Já o restante referente ao inciso II pode ser aplicado livremente pelos poderes estaduais beneficiados como, por exemplo, para compensar perdas fiscais.
Na seção “Auxílio Financeiro de que trata o art. 5º da Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020” da página informativa do site do Tesouro é possível baixar a planilha com detalhes de cada uma das quatro parcelas do auxílio.
A apresentação do Governo Federal ainda aponta uma última categoria chamada “outros repasses” na ordem de R$ 927 mil. Somando todos os recursos expostos no relatório, o governo estadual de São Paulo recebeu aproximadamente R$ 9,3 bilhões, já os municípios paulistas obtiveram cerca de R$ 10,05 bilhões.
Portanto, é equivocado afirmar que o governador João Doria ganhou R$ 19,5 bilhões do Governo Federal para investir em medidas de combate à pandemia, como sugere o deputado Leo Motta no vídeo. Além disso, nem todas as verbas partiram de iniciativas do presidente Jair Bolsonaro.
Leo Motta ainda erra ao insinuar que a União teria repassado quase R$ 10 bilhões ao Amazonas para enfrentar a pandemia. Como mostra uma verificação anterior do Comprova, o repasse de R$ 8,9 bilhões do Governo Federal ao estado em 2020 não foi exclusivo para o combate à Covid-19. Na verdade, as transferências relativas à crise sanitária contabilizam cerca de R$ 1,38 bilhão.
Vale destacar ainda que os boletins da Secretaria Especial de Assuntos Federativos que embasam as declarações do parlamentar sobre os repasses para o Governo de São Paulo também contradizem o deputado no que toca ao Amazonas. O último relatório sobre o estado indica que os auxílios para o governo amazonense somados às verbas distribuídas a municípios não chegavam a R$ 2,4 bilhões em novembro do ano passado.
No vídeo, ao questionar o governador de São Paulo sobre os gastos públicos para o enfrentamento à pandemia da Covid-19, o deputado federal Léo Motta menciona, de forma vaga, a compra de respiradores e máscaras, e indaga o valor pago pelo estado.
Perguntamos ao deputado se ele teve acesso a algum tipo de denúncia específica de problemas nessas aquisições, mas a assessoria não respondeu a esse questionamento.
No Portal da Transparência do governo estadual, é possível pesquisar o valor pago a fornecedores de materiais e serviços contratados no âmbito da pandemia do novo coronavírus. Segundo a plataforma, o governo estadual empenhou R$ 235 milhões na aquisição de equipamentos – no caso, respiradores – junto a empresa Hichens Harrison Partners. O contrato, porém, estava inacessível no portal durante a consulta do Comprova em 5 de fevereiro.
O acordo previa inicialmente a negociação de 3 mil aparelhos pelo valor de US$ 100 milhões, cerca de R$ 550 milhões quando a operação foi anunciada. Diante de atrasos nos prazos de entrega dos respiradores, o Governo de São Paulo decidiu cancelar o contrato e restringiu a compra a 1.280 unidades.
Em junho de 2020, o Ministério Público de Contas de São Paulo abriu um procedimento para investigar os valores pagos pela Secretaria Estadual de Saúde na compra dos equipamentos. O órgão apontou suspeitas de sobrepreço na aquisição.
Segundo a representação enviada ao Tribunal de Contas do Estado, “O procedimento interno de investigação foi instaurado após denúncia formulada pelo Excelentíssimo Senador da República Major Olímpio perante este órgão ministerial. Sua Excelência narrou a existência de eventuais irregularidades no procedimento de aquisição de ventiladores pulmonares pelo Governo do Estado de São Paulo.
O senador Major Olímpio (PSL-SP) é o líder do partido – pelo qual o presidente Jair Bolsonaro se elegeu – no Senado, mas rompeu publicamente com o chefe do executivo no primeiro semestre do ano passado.
A consulta pública ao andamento processual no site do TCE mostra que o caso ainda está ativo no Tribunal, e que foi enviado a um dos conselheiros no começo de fevereiro.
Na mesma página, porém, o último documento disponibilizado é um despacho, de 10 de junho de 2020, que dá aos envolvidos o prazo de 15 dias para o envio de justificativas sobre o caso em apuração.
Além disso, o próprio TCE determinou que os municípios paulistas e alguns órgãos e secretarias do governo estadual preencham um questionário com informações sobre os gastos no combate à pandemia do novo coronavírus. O prazo para a entrega dos dados, que serão posteriormente analisados pelo Tribunal, termina nesta sexta-feira, 5 de fevereiro.
A apuração dos gastos, portanto, ainda está em andamento, e é realizada pelos órgãos estaduais competentes.
Eliel Márcio do Carmo, conhecido como Leo Motta, é deputado desde 2019 pelo Partido Social Liberal- PSL de Minas Gerais, com mandato até 2023. Segundo o site da Câmara Legislativa, o deputado também preside a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle.
Leo Motta, mesmo após a saída do presidente Jair Bolsonaro do PSL, continuou sendo um grande defensor do governo como ficou explícito nas suas redes sociais. O Comprova entrou em contato com o deputado por e-mail, questionando as fontes usadas para afirmar o destino dos 19 bilhões.
Em resposta, a assessoria do deputado apenas encaminhou o documento pelo qual se basearam, o boletim Segov Estadual de São Paulo.
O Comprova não encontrou nenhuma ligação de Leo Motta com o governador de São Paulo, João Doria.
Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus, principalmente as que têm grande alcance nas redes sociais. A postagem no perfil do Facebook do deputado ultrapassa as 460 mil visualizações e foi compartilhada quase 50 mil vezes até a publicação desta checagem. Com uma interpretação equivocada dos dados disponibilizados pelo Governo Federal, o deputado contribuiu ainda mais para a desinformação em torno de temas que envolvem a pandemia da Covid-19.
O Comprova já verificou outras publicações que envolviam os recursos destinados aos municípios para o combate da Covid-19, como a que checou que o repasse de R$ 8,9 bilhões do governo federal ao Amazonas não foi exclusivo para combate à pandemia.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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