No quarto dia sem energia elétrica, Macapá enfrentava falta de água e comida nesta sexta-feira (6). Moradores recorriam a lagos, poços e o rio para matar a sede e tomar banho, o preço da água mineral disparou e a prefeitura de Macapá já distribuía caminhões-pipa. Em meio à pandemia, unidades de saúde funcionam por meio de geradores. O apagão, que afeta 89% da população do Amapá, ocorreu após incêndio em uma subestação de energia na noite de terça (3). O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, previa retomar 70% do fornecimento ainda ontem, mas falou em dez dias para normalizar completamente a situação.
Quatorze dos 16 municípios do Estado foram afetados, o que prejudicou cerca de 775 mil amapaenses. A historiadora Marcella Viana, de 27 anos, conta que está recebendo amigos de todas as regiões de Macapá na quitinete de dois quartos que divide com a mãe, de 50 anos, e as irmãs, de 8 e 20. "A circulação lá está alta porque tenho muitos amigos que moram sozinhos e estão sem ter como comer ou tomar banho", diz. Ela tem ido a um restaurante no centro, que funciona por gerador, para carregar o celular e divulgar a crise na internet. Nas redes sociais, a hashtag #sosamapa ficou entre as mais compartilhadas.
Para quem mora nas comunidades mais afastadas, os baldes e litros de água fluvial podem custar até R$ 20 para o transporte. Nos supermercados, o galão com um litro da água mineral já custa R$ 35, e mesmo assim não é suficiente para toda a população. A prefeitura de Macapá distribui caminhões-pipa para abastecer algumas regiões desde a noite de anteontem.
"Só saio de casa atrás de sinal (de celular) depois que já consegui água e comida pra minha família. Ontem (quinta-feira) ainda consegui comprar água, hoje (sexta-feira) consegui baldes que as pessoas recolheram com o que caiu da chuva na véspera", conta Marcella. Os poucos supermercados que ainda vendem água, ela explica, já começaram a racionar a venda por pessoas. "Mas a compra está sendo diária. Não tem gelo na cidade, então as pessoas não têm onde armazenar", continua ela.
A estudante Cássia Riane Cordeiro, de 14 anos, disse ontem à tarde que não tinha visto nenhum dos caminhões-pipa no bairro onde mora com os pais. "Estamos sem água até para beber. Os caixas eletrônicos não estão funcionando, então está difícil até comprar comida, pois nem todos os comércios aceitam cartão de crédito", relata. Desde o início do blecaute, a família tem conseguido o mínimo de água com parentes e vizinhos próximos que têm poços.
O advogado Hélio Castro, de 34 anos, ajuda a organizar o Reacende Amapá, um protesto marcado para a tarde de amanhã, na Praça da Bandeira. O objetivo é reunir a população vestida de preto, para simbolizar o apagão, e impedir que o ato seja tomado por bandeiras políticas.
Castro e os pais, os funcionários públicos Gersuliano da Silva e Ana Célia Pinto, de 63 e 55 anos, estão conseguindo tomar banho com a água da chuva que ficou retida na piscina. "Não tem como salvar os alimentos porque a geladeira não funciona e não temos gerador. A água da torneira parou de cair no primeiro dia de apagão." Segundo ela, alguns amigos também recolheram água que caía das calhas nos dias anteriores.
Na quarta, o Ministério de Minas e Energia criou um gabinete de crise e enviou comitiva ao Amapá. Foram anunciados três planos para restabelecer o fornecimento de energia. As opções apresentadas envolvem os Estados de Amazonas, Pará e Roraima para envio de peças, motores e transformadores. Ao lado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o ministro Bento Albuquerque disse que uma equipe técnica trabalha na filtragem do óleo de um transformador da subestação afetada.
O Estadão não conseguiu contato nesta sexta, 6, com os governos do Estado, a prefeitura de Macapá, além das secretarias municipal e estadual de saúde. O governador do Amapá, Waldez Góez (PDT), assinou ontem decreto de emergência, para acelerar a liberação de recursos e a contratação de serviços, como de geração de energia emergencial e distribuição de água para a população.
O diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, criticou a falha estrutural do sistema elétrico no Amapá. "É um absurdo o Estado inteiro ligado em uma única subestação. Caiu a energia e todo o Estado praticamente ficou sem energia. A responsabilidade é estadual e federal, pois o governo deveria estar supervisionando."
A geração de energia não foi comprometida neste caso, a falha foi somente na distribuição. "O erro foi estrutural. Macapá deveria ter equipamentos para manutenção, de substituição do transformador que deu problema. Deveria ter pelo menos um reserva funcionando."
Pinguelli Rosa não é o único a reagir com perplexidade. "É quase inacreditável ter um transformador reserva inoperante. Estamos apurando tudo o que aconteceu, há quanto tempo existe o problema com esse transformador", comentou Joilson Costa, coordenador da Frente de Nova Política Energética para o Brasil - entidade que reúne 31 organizações sociais, ambientais e acadêmicas.
Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ, apontou como resolução a criação do sistema de redundância, com a construção de uma outra subestação e a divisão da potência entre elas. Se uma der problema, a outra dará conta de manter a distribuição.
"Isso significa custos maiores. Mas tem que ter outros equipamentos para ajudar também. É o caso do avião, não é por acaso que tem mais de uma turbina. Se uma falhar tem a outra que dará conta de voar relativamente bem. É esse tipo de redundância que estou falando."
O físico Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do ClimaInfo, discorda. "Me soa gastar dinheiro à toa. O que tem que fazer é proteger melhor a subestação. Se um transformador pega fogo, passa para o outro. Tem que deixar um mais distante do outro. Construir uma segunda estação talvez seja exagero."
Uma subestação, de maneira simplificada, é uma central de transformadores que baixa a tensão para chegar à casa das pessoas em uma potência acessível. "A analogia é simples. Você compra um ar-condicionado de 220 volts e sua tomada é de 110 volts. Você precisa de um aparelho para diminuir a tensão. O que não dá para entender é por que esse problema vai demorar dez dias para ser resolvido", explicou Schaeffer.
O apagão que atingiu o Amapá pode adiar as eleições municipais no Estado. A possibilidade entrou no radar dos candidatos a prefeito e vereador nos 16 municípios e é avaliada pela Justiça Eleitoral. Em nota, o presidente do TRE amapaense, desembargador Rommel Araújo, disse ter garantias de que haverá energia elétrica a tempo, nos locais de votação e que a Justiça Eleitoral do Amapá está preparada para o pleito. "Quanto às urnas eletrônicas, todos os equipamentos dispõem de bateria com autonomia suficiente para garantir o direito de voto em cada seção eleitoral", destacou Araújo.
A Emenda Constitucional que adiou as eleições para novembro em função da pandemia prevê a possibilidade de nova data mas vincula o reagendamento à situação sanitária do novo coronavírus. O governador Waldez Góes (PDT) decretou estado de emergência no Estado, o que pode embasar decisão pelo adiamento. Os candidatos evitam tratar do adiamento: para eles no momento é preciso tratar especificamente do retorno da energia para evitar agravamento da crise.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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