No último dia 28, enquanto o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) respondia a perguntas da imprensa e falava sobre apoios que tem recebido em São Paulo -estado de seu maior adversário nas prévias presidenciais tucanas, o governador João Doria (PSDB)-, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), agora articulador político do gaúcho, o interrompeu.
"Estou recebendo aqui um WhatsApp endereçado à minha secretária: 'Por favor, transmita ao senador que, como líder da bancada de vereadores da Câmara Municipal de São Paulo, vou declarar apoio ao Eduardo. Só estou aguardando Eduardo escolher o melhor momento'."
Assim que Tasso terminou de ler em voz alta a mensagem do vereador Xexéu Tripoli (PSDB), Leite emendou: "Agora acabou de ser feito", o que arrancou risadas de parlamentares tucanos que acompanhavam a entrevista.
A preocupação estratégica de timing -Xexéu só divulgaria uma carta pública de apoio a Leite dias depois- e os risos diante da quebra de protocolo ilustram as tensões que envolvem os apoios ao governador gaúcho ou ao governador paulista em estados considerados rivais.
Doria e Leite protagonizam a disputa acirrada das prévias tucanas, marcadas para 21 de novembro. Concorre ainda o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio (PSDB).
Tanto Doria como Leite acumulam apoios dissidentes que geram, por um lado, pressões e ameaças de punição dentro do partido e, por outro lado, discursos, inclusive por parte de dirigentes locais, de que a democracia interna será respeitada.
No caso de Xexéu, membros do diretório paulistano do PSDB afirmam, nos bastidores, que medidas de sanção ao vereador podem, sim, serem tomadas, já que houve fechamento de questão para apoio a Doria.
À Folha o vereador afirma não ter sido avisado sobre o fechamento de questão e diz que nenhum dirigente falou com ele sobre risco de punição. Sua declaração de apoio, porém, incomodou outros vereadores.
"Todos são do partido e todos têm o direito a escolher o seu candidato. Acreditar que por isso possa ter alguma punição... A democracia vai embora", diz ele.
Tripoli afirma não ter problemas com Doria, mas diz ter escolhido Leite por ser preparado e por dialogar com todos os campos. "Eu me identifico muito com a forma que o Eduardo vem fazendo política."
Em São Paulo, Leite tem ainda o apoio de dois ex-presidentes estaduais do partido, Antonio Carlos Pannunzio e Pedro Tobias, e do ex-deputado federal Floriano Pesaro, além do prefeito de Santo André, Paulo Serra, que coordena sua campanha no estado. O gaúcho já afirmou também contar com conselhos do ex-governador Geraldo Alckmin, que está de saída do PSDB e é desafeto de Doria.
O governador paulista, por sua vez, tem, o apoio da ex-governadora e presidente do PSDB Mulher Yeda Crusius no Rio Grande do Sul e o apoio do deputado federal Domingos Sávio em Minas Gerais, os principais estados que declararam apoio a Leite.
Em entrevista na semana passada, o coordenador da campanha de prévias de Doria, Wilson Pedroso, afirmou que os apoios a Leite em São Paulo representam "uma gota no oceano".
O prefeito Paulo Serra afirmou à Folha que a declaração "parece desespero" e que políticos importantes de São Paulo que apoiam Leite, assim como vereadores, não podem ser desconsiderados.
"Parece um pouco de arrogância de quem só disputou prévias sempre apoiado pela máquina e acaba se afastando um pouco da militância", completa.
Serra diz ainda que os filiados têm que ser respeitados.
"Não acredito que haja punição e, se houver, vou ser o primeiro a recorrer à executiva nacional. Não é uma guerra, uma disputa fratricida. É um exercício da liberdade de expressão, da democracia. Não vai haver unanimidade em nenhum diretório, em nenhum município. Meu apoio ao Eduardo é muito por causa do clima do país, que pede por um candidato com poder de conciliação e união."
Da parte de aliados de Doria, a crítica é a de que os paulistas que apoiam Leite são ligados a Alckmin e podem deixar o partido após as prévias. Serra, no entanto, diz que vai permanecer no PSDB e que esse argumento "leva a discussão para um nível raso".
O prefeito de Santo André acompanha e cobra explicações da executiva paulista a respeito do caso de dois vereadores suspensos pelo partido e alvos de processos de expulsão.
Os parlamentares relataram à Folha que sofrem represálias por conta das prévias, algo que o PSDB de São Paulo nega, argumentando que as infrações são diversas e anteriores.
Em 30 de setembro, o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Carlão Pignatari (PSDB), aliado de Doria, entrou com uma representação contra o vereador Bruno Moura (PSDB), de São José do Rio Preto. No mesmo dia, veículos locais haviam noticiado o apoio de Moura a Leite.
A representação, que pede a expulsão do vereador, trata de outros assuntos –Pignatari afirma que Moura confronta e ofende Doria.
O texto menciona voto favorável e Moura, na Câmara, a uma homenagem a um padre da cidade crítico ao governador e o fato de o vereador não ter votado uma proposta de homenagem ao próprio Doria.
Por esses fatos, Moura já havia sido suspenso em maio. O vereador apresentou sua defesa e comunicou o caso à executiva nacional do PSDB. "A gente viu que foi uma retaliação mesmo. Acredito que, se o partido se diz democrático, a gente tem que ter as nossas opiniões, não é?", diz.
Há ainda o caso do vereador Marquinho Amaral, de São Carlos, suspenso após criticar em rede social, em agosto, a falta de destinação de recursos para a cidade. "Querem calar as pessoas que fazem discurso crítico porque isso acaba prejudicando direta ou indiretamente as prévias", afirma ele, que declarou voto em Leite e Alckmin.
O presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi, que é secretário no governo Doria, afirma não haver relação entre as suspensões e as prévias. Ele diz que Moura e Amaral são passíveis de expulsão por terem cometido "ofensa grave contra dirigente partidário e detentor de mandato eletivo".
"Os dois casos foram muito antes de prévias, não tendo nenhuma relação com isso. Se eles estão fazendo qualquer relação do ato lamentável deles com as prévias, estão mentindo", diz Vinholi.
O dirigente afirma que até agora não houve representação contra tucanos paulistas por causa de apoio a Leite, mas evita responder se isso poderia levar à punição.
"O PSDB-SP aprovou por unanimidade o fechamento de questão apoiando João Doria. Vejo hoje uma enorme mobilização da militância nesse sentido. Temos enorme respeito pelos outros dois candidatos e, com isso, estaremos todos juntos a partir de 21 de novembro. O que vejo hoje é um sentimento tão forte de nossa militância a favor de Doria que eventuais posições distintas são irrisórias."
No sentido contrário, em relação aos apoios a Doria, Vinholi diz ver pressão do deputado federal Aécio Neves para que membros do PSDB de Minas não manifestem sua preferência pelo paulista.
"Essas manifestações dele [Aécio] de forma agressiva são algo que para nós é um absurdo dentro de uma estrutura partidária de disputa interna. [...] Essa pressão, que nós entendemos como absurda, é para inibir que as pessoas se manifestem", afirmou Vinholi durante entrevista na semana passada.
Ao Painel o presidente do PSDB-MG, deputado federal Paulo Abi-Ackel, que é aliado de Aécio, diz que "a indisposição dos membros do PSDB de Minas com a candidatura de Doria" não é decorrente de ações do ex-governador mineiro ou dele próprio.
À Folha de S.Paulo Abi-Ackel afirmou ainda que será "avassaladora vitória de Leite em Minas". "Não porque nós estamos pressionando, mas por uma questão de simpatia natural a Leite."
Questionado sobre eventuais punições a quem apoiar Doria, o dirigente mineiro afirmou que "não haverá de forma nenhuma". "Prezamos a democracia partidária. Aqui somos a terra da liberdade."
Yeda Crusius afirma não acreditar que o diretório gaúcho do PSDB vá punir aqueles que, como ela, apoiam Doria. A ex-governadora, no entanto, deixou grupos de WhatsApp de tucanos, que descreve como ambientes tóxicos em que uma minoria não entende a democracia interna.
"Espero que não haja nenhuma retaliação. Não é por causa de ameaças que alguém vai deixar de exercer seu direito. Não sou contra ninguém. A disputa interna é saudável, a guerra não", diz ela. A reportagem não conseguiu contato com o diretório gaúcho do PSDB.
Crusius afirma ainda que seu apoio a Doria é pessoal, não do PSDB Mulher como um todo, e que as tucanas estão livres para votar em quem quiserem e são incentivadas a participar. Para ela, porém, o governador paulista tem a melhor política pública para mulheres.
"Ele apoia institucionalmente o PSDB Mulher, os outros não fazem isso", completa. Em São Paulo, Doria e Crusius estiveram juntos em um evento de campanha que reuniu mais de 4.000 mulheres.
Em outra frente, a presidente do diretório do PSDB em Santa Catarina, deputada federal Geovânia de Sá, vem sofrendo pressão da sua base evangélica depois que o órgão declarou apoio a Leite, que é homossexual.
Em vídeo, um pastor da Assembleia de Deus afirma que Leite é indigno. A igreja decidiu não mais apoiar a reeleição da deputada, que tentará reverter essa medida. Geovânia afirma que apenas anunciou a decisão da maioria do diretório de apoiar Leite e que os filiados estão livres para votarem em quem quiserem.
"A Assembleia de Deus é minha igreja desde que nasci e estou nela até hoje. Como tenho um carinho e uma boa relação com a direção executiva da igreja, vamos continuar conversando", disse a deputada, por meio de nota, à Folha.
Geovânia não respondeu se vê homofobia na manifestação do pastor e na decisão da igreja, mas disse ter recebido muitas manifestações contra ela e Leite. "Não desejo mal a ninguém, pelo contrário, desejo o bem a todos. Estendo meu perdão a todos, indistintamente", completa.
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