Menos de uma semana após a Câmara confirmar a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu acelerar a tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que amplia a imunidade parlamentar.
A pressa para colocar em tramitação a PEC, no entanto, acabou tendo efeito adverso. Lira passou a quarta-feira (24) costurando acordo para conseguir votar a proposta.
Há desconforto em parte dos deputados pelo temor de que a apreciação a toque de caixa pudesse passar uma impressão negativa à sociedade.
O presidente da Câmara já havia deixado clara a intenção de blindar congressistas na sexta-feira (19), antes da sessão do plenário que confirmou a prisão de Silveira por 364 votos a favor e 130 contrários.
Em discurso, Lira anunciou a criação de uma comissão para propor mudanças ao artigo da Constituição que prevê a imunidade parlamentar.
Silveira foi preso na terça-feira (16) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), após a publicação de um vídeo com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.
Desde a decisão do plenário, o presidente da Câmara, que chamou o caso de Silveira como "ponto fora da curva" para que não fosse visto como precedente, colocou em marcha o plano de aparar arestas no artigo de imunidade parlamentar.
A intenção principal era impedir novas tentativas de afrontar o que deputados e senadores consideram preceitos fundamentais à função, como o livre discurso e a liberdade de expressão.
Em rede social, Lira defendeu a pressa para tratar do tema. "Não sou a favor nem contra qualquer solução legislativa específica sobre a proteção do mandato, que não protege o parlamentar, mas a democracia", escreveu.
"Sou a favor, sim, que o Congresso faça sua autocrítica e defina um roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal para lidar com situações desse tipo."
Lira afirmou que a "proteção ao mandato não pode ser absoluta, mas não pode ser nenhuma", e que cabe ao Legislativo definir os limites.
Apesar disso, a tramitação acelerada da PEC incomodou parte dos deputados. O texto começou a circular na terça-feira (23) entre líderes partidários, ainda na fase de coleta das 171 assinaturas necessárias para que começasse a andar na Câmara.
A relatora, Margarete Coelho (PP-PI), só foi apontada formalmente no final da tarde desta quarta. O parecer só foi disponibilizado no início da noite no sistema da Câmara.
A falta de discussão incomodou alguns líderes partidários, que, nos bastidores, reclamavam do pouco tempo para medir o impacto das medidas que votariam.
Eles pediam a Lira mais tempo para maturar as mudanças propostas e tirar da sociedade a impressão de que votariam em benefício próprio.
O presidente da Câmara fez um esforço para convencer a oposição a apoiar a votação nesta quarta, mas sem sucesso. Para tentar avançar na tramitação, Lira fechou acordo para votar a admissibilidade da proposta.
A relatora deu parecer favorável à admissibilidade em plenário. O mérito, porém, não deveria ser votado nesta sessão – a expectativa é que fosse apreciado nesta quinta-feira (25).
A rigor, uma PEC precisa ter a admissibilidade aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), antes de ter o mérito analisado por uma comissão especial. Na pandemia, essas etapas foram aceleradas e as PECs votadas tiveram essas fases concluídas no plenário.
Ainda assim, havia resistência. Alguns avaliam que a PEC poderia beneficiar Silveira, por estabelecer que o julgamento no STF só pode envolver processos relativos a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções parlamentares.
Outro dispositivo proibiria a prisão em flagrante em crime de corrupção, que não está elencado como crime inafiançável pela Constituição – conforme a delimitação prevista no texto da PEC.
"A redação da PEC 3/2021 não está adequada. Precisa de aperfeiçoamentos", escreveu, em uma rede social, o deputado Fábio Trad (PSD-MS).
"Não se sustenta proibir a prisão em flagrante por crimes contra a administração pública. Esta pressa não condiz com a importância de uma mudança constitucional. Votarei contra."
Daniel Coelho (PE), vice-líder do Cidadania, criticou a votação da proposta. "Não tem nenhuma lógica a gente estar votando agora essa PEC que gera impunidade e que traz a sensação para a sociedade de que a Câmara está preocupada em se proteger, quando a gente tem que vacinar as pessoas", afirmou.
Kim Kataguiri (DEM-SP) também atacou a proposta como PEC da impunidade.
"É uma ofensiva do Congresso Nacional contra o Supremo que vai blindar os parlamentares, inclusive para buscas e apreensões e cometimentos de crimes anteriores a mandatos. E, coincidentemente, é a mesma tese da defesa do [senador] Flávio Bolsonaro", disse.
No STF, ao menos dois ministros criticaram duramente a PEC que limita as possibilidades de punição e prisão de parlamentares.
No entendimento de ao menos dois integrantes da corte, o texto tem trechos inconstitucionais e deve ser derrubado pelo Supremo caso seja aprovado.
A previsão de permitir a prisão em flagrante apenas em relação a crimes inafiançáveis previstos na Constituição, na visão de magistrados, violaria o princípio republicano, uma vez que restringiria demais os delitos passíveis de detenção de parlamentares.
A ideia de estabelecer que a prisão de deputados e senadores só poderia ocorrer por decisão colegiada do Supremo também é alvo de críticas de ministros. Eles apontam que a norma limitaria a atuação da corte e seria uma afronta à separação de Poderes, pois afetaria nos trabalhos da corte.
Além disso, tornaria muito difícil a caracterização da flagrância, porque os ministros teriam de se reunir antes de determinar a prisão.
Como é hoje:
Como é a proposta em discussão*:
*Proposta ainda pode sofrer modificações
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