Um grupo de cerca de cem pessoas se reuniu nesta segunda-feira (4) na alameda Casa Branca, em São Paulo, onde o guerrilheiro Carlos Marighella foi morto pela ditadura militar há 50 anos, e celebrou sua memória defendendo a importância da resistência no atual cenário político.
Maria Marighella, 43, neta do fundador da ALN (Ação Libertadora Nacional), maior grupo armado contra a ditadura, falou em "passar a história a limpo" e que seu avô é "inspiração para o que está acontecendo hoje".
A ascensão da direita ao poder, com a Presidência sob comando de Jair Bolsonaro (PSL), e o clima de polarização no país eram o pano de fundo do ato.
"Não vamos aceitar provocações", advertiu Clóvis de Castro, 80, membro da ALN, já antevendo reações à aglomeração em volta do monumento que marca o local da morte de Marighella. Houve apenas um motorista que gritou: "Cambada de vagabundo na cadeia".
De esquerda, o público foi formado por membros do PT, MST, UNE, Levante Popular da Juventude e principalmente por antigos guerrilheiros e ex-presos políticos da ditadura. Houve gritos e discursos pedindo a liberdade do ex-presidente Lula (PT), preso após condenação em processos da Lava Jato, em meio a relatos emocionados de companheiros de Marighella.
Antes de fundar a ALN, Marighella militava no PCB (Partido Comunista Brasileiro). Chegou a ser preso na ditadura de Getúlio Vargas e baleado durante o regime militar.
A ALN foi responsável por assaltos a bancos e carros-fortes e pelo sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, que seria trocado por presos políticos.
Em geral, os ex-presos políticos que participaram do ato desta segunda avaliaram o momento como difícil e disseram ser preciso organização e força para resistir. Em parte do grupo, também houve defesa de que o governo atual fosse derrubado e de que a mudança não deve ser feita via eleições.
"Há um desejo de interdição do debate político no Brasil. É interditar um candidato, que é o ex-presidente Lula; é interditar uma parlamentar como Marielle; quando você censura as artes. Eles precisam interditar para implementar uma política do terror, do ódio, da miséria. Mas as ideias e as lutas são imortais", disse Maria.
"Não pode o filho do presidente falar sobre AI-5, porque o AI-5 fere a Constituição, então é inconstitucional. O desejo de apagamento existe e nós vamos fazer o relembramento", completou, em referência à fala do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na semana passada sobre um "novo AI-5".
Maria usava um colar em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março do ano passado. O paralelo entre Marielle e Marighella também foi feito por Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos.
Ele afirmou que o "momento se tornou gravíssimo e dificílimo", que "o Estado de Direito não vige mais" e que "o desafio do momento é sintetizado por Marighella e Marielle".
Em seu discurso, Maria também pontuou que, além da dor da perda, "há a dor da injustiça moral, de tratá-lo como terrorista".
Marighella foi anistiado em 2012. Em 1996, quando o Estado reconheceu a responsabilidade pela morte de Marighella, encerrou-se um ciclo, segundo Maria.
"O novo ciclo é dizer ao Brasil quem é Marighella. Há muitos Marighellas. [...] A luta antirracista e antimachista em curso é Marighella. A cada vez que reinventamos a luta, reinventamos Marighella", afirmou.
A viúva do guerrilheiro, Clara Charf, 94, afirmou que "todas as resistências são válidas" e "que a luta só acaba quando acabar a injustiça".
De cadeira de rodas e vestindo uma faixa vermelha, Charf relembrou o marido como uma pessoa brincalhona e que acreditava que todo mundo deveria ser igual. Instada pela neta a definir Marighella em uma palavra, não hesitou: "Marighella", respondeu.
"Quem defende a ditadura quer apagar a memória. Então é fundamental resgatar sua luta. Ele é símbolo da defesa do Brasil, da democracia, dos direitos do povo", disse Élida Elena, 30, vice-presidente da UNE.
"Foi uma perda muito grande para os movimentos de esquerda, os que apoiavam a luta armada e os que não apoiavam. Desde os 18 anos, ele dedicou a vida em prol dos trabalhadores", disse Clóvis de Castro.
Marighella foi morto em 4 de novembro de 1969 por agentes do DOPS, em ação comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, em uma emboscada preparada contra ele.
A cena do crime foi adulterada pelos militares. Marighella, que estava no banco da frente de um Fusca, foi revistado e colocado no banco de trás antes que pudesse ser fotografado.
Para lembrar os 50 anos da sua morte, estava prevista a estreia de um filme, dirigido por Wagner Moura, em 20 de novembro. A produção teve o lançamento cancelado no circuito comercial brasileiro.
A justificativa foi um contratempo com os prazos e os trâmites exigidos pela Ancine, a agência do cinema nacional que foi ameaçada por Jair Bolsonaro de ganhar filtros em sua gestão.
Inspirado na biografia escrita por Mário Magalhães, o filme acompanha Marighella nos últimos cinco anos de sua vida, do golpe militar de 1964 até a sua morte. Ainda sem data de estreia no país, ele circulou só por festivas de cinema.
Também será lançada uma coletânea de textos de Marighella em novembro. A publicação é da editora Ubu com coordenação de Vladimir Safatle.
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