Atos anti-Bolsonaro em diferentes pontos do país neste domingo (7) ganharam o reforço de gritos contra o racismo, causaram aglomerações e expuseram a cisão entre movimentos e partidos de oposição ao governo.
Em São Paulo, em Brasília e no Rio, por exemplo, cartazes e faixas fizeram referência ao "vida negras importam" - o black lives matter, movimento que ganhou corpo nos EUA após a morte de George Floyd por um policial branco.
Houve atos contra o governo também em Belo Horizonte, Belém, Goiânia e Salvador, entre outras. Muitos deles marcados por aglomerações, em meio a uma média recente de cerca de mil mortos por dia na pandemia.
As organizações mantiveram o chamado para os atos mesmo após o questionamento sobre promover aglomeração - a estratégia do distanciamento social é a única forma efetiva de prevenção do contágio, segundo orientações médicas.
Os protestos ocorreram de forma pacífica. No entanto, cerca de três horas após ato contra o governo, um grupo foi dispersado pela tropa de choque da PM no momento em que o ouvidor das polícias, Eliseu Lopes, costurava um acordo com os manifestantes.
No último domingo (31), em São Paulo, um ato contra Bolsonaro convocado por torcidas organizadas acabou sendo dispersado por bombas de gás lançadas pela PM. O conflito ocorreu na avenida Paulista, onde também havia manifestação a favor de Bolsonaro.
O Palácio do Planalto e o Governo do Distrito Federal, por exemplo, trabalhavam com a possibilidade de violência neste final de semana.
Desde o início da semana passada, Bolsonaro orientou sua militância a não comparecer à Esplanada dos Ministérios, como costuma fazer todos os domingos. Ao mesmo tempo, procurou elevar a temperatura chamando os manifestantes contrários ao governo de terroristas, maconheiros, marginais e black blocs.
Dois dias antes do protesto, Bolsonaro cobrou que as Polícias Militares fizessem "seu devido trabalho", caso "estes marginais" extrapolassem os "limites da lei". O presidente chegou a insinuar o uso da Força Nacional de Segurança Pública, que poderia ser acionada para a proteção do patrimônio.
A expectativa de que a manifestação terminasse em violência também se materializou no reforço de grades diante do Palácio do Planalto e na quantidade de policiais militares espalhados pelos cerca de 3 km entre a rodoviária do Plano Piloto e a Praça dos Três Poderes.
O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, disse não ter acompanhado o ato em Brasília, mas observava, de longe, o de São Paulo. "As manifestações são democráticas, como o presidente sempre fala", disse Ramos à Folha no fim da tarde, quando não havia nenhum registro de confronto na capital paulista.
O chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, foi pessoalmente ao ato em Brasília. "Fui à Esplanada dos Ministérios agradecer aos integrantes das Forças de Segurança, pelo trabalho abnegado e competente que realizam, em prol de manifestações pacificas", escreveu em uma rede social.
Em São Paulo, foram dois atos neste domingo. Houve reforço policial. A divisão ocorreu após uma decisão judicial ter proibido a realização de protestos contra e a favor de Bolsonaro no mesmo horário e local.
Em reunião na sexta-feira, organizadores de atos de ambos os lados, Polícia Militar e Ministério Público tentaram chegar a um acordo, mas os protestos foram mantidos.
Diante do impasse, movimentos de esquerda, integrantes do movimento negro e de torcidas organizadas de times de futebol transferiram o protesto contra Bolsonaro para o Largo da Batata - o ato a favor de Bolsonaro aconteceu na avenida Paulista, com faixas e gritos a favor de intervenção militar.
"Ninguém queria estar na rua agora. Todo mundo queria estar em casa se protegendo [da Covid-19]", discursou Guilherme Boulos, líder do MTST (movimento dos sem-teto) e candidato à Presidência em 2018. "O problema é que criou-se uma escalada fascista no Brasil. Por isso essas manifestações têm que acontecer."
Ele afirmou que a organização do ato tomou medidas de precaução contra a transmissão do coronavírus. Entre elas, citou a distribuição de máscaras de proteção e álcool gel pelo MTST e os sinais de "x" inscritos com giz no chão pela brigada de saúde do MTST e distantes um metro um do outro.
Mas, apesar de pedidos vindos do carro de som para que os manifestantes se posicionem sobre essas marcas, a maioria se agrupou em distâncias menores, enquanto entoam gritos contra o presidente e o racismo.
Ainda na sexta-feira, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e outras entidades divulgaram nota contra a realização de atos de rua em meio à pandemia.
Doria também classificou como uma total irresponsabilidade a decisão de organizadores de manter as manifestações contra e a favor do presidente.
As manifestações contra Bolsonaro deste domingo também expuseram a divisão entre os opositores do governo. A semana que se iniciou sob o símbolo da unidade chegou ao domingo com um quadro de divisões internas.
Partidos de esquerda, o PT e o PSOL decidiram ao longo da semana se somar à nova mobilização, assim como a Frente Povo sem Medo e coletivos de militância negra.
Recebidos com certa euforia por setores críticos a Bolsonaro, os manifestos da sociedade civil que buscaram evocar o clima das Diretas Já em contraposição ao presidente decidiram ficar fora da convocação. Os organizadores discordam da realização de atos agora por causa da Covid-19.
Além disso, a intenção de constituir uma frente ampla contra Bolsonaro, a exemplo da união vista em 1984 em torno do voto direto, teve na segunda-feira (1º) um revés inicial, com a declaração do ex-presidente Lula (PT) de que descartava aderir aos manifestos.
Ele disse que não é "maria vai com as outras" e que se recusa a marchar ao lado de figuras que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Citou nominalmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que é um dos signatários do Estamos Juntos, assim como o petista Fernando Haddad.
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