Se estivesse em vigor em 2016, a lei do pacote anticrime, que leva a assinatura de Sergio Moro, poderia ter impedido o então juiz da Lava Jato de decretar medidas que reforçaram sua notoriedade e, simultaneamente, impor penas que se tornaram emblemáticas das investigações sobre corrupção, como a condenação do ex-presidente Lula.
A condução coercitiva do petista e a divulgação de telefonemas da ex-presidente Dilma Rousseff, que até hoje ainda é vista como o mais polêmico ato da operação, precisariam ser medidas determinadas por um juiz diferente do que acabou condenando Lula a 9 anos e 6 meses e prisão no caso do tríplex do Guarujá (SP).
A lei do pacote anticrime, aprovada pelo Congresso e sancionada no final de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, estabelece que um mesmo juiz não pode conduzir a etapa de investigação simultaneamente ao processo derivado da apuração.
A nova legislação cria a figura do juiz das garantias, que tem como função "atuar pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais" até o momento da abertura dos processos.
Na prática, se ela estivesse em vigor no auge da Lava Jato, Sergio Moro, que acabou se tornando ministro da Justiça de Bolsonaro, teria seus poderes enfraquecidos. Como juiz, ou cuidaria de atos que viraram marcas da operação, como a condução coercitiva de Lula, ou daria as sentenças históricas como a primeira condenação de um ex-presidente da República por corrupção.
Na Lava Jato, supondo que o hoje ministro da Justiça não atuaria na função recém-criada, isso significaria que um outro juiz trabalharia na homologação de acordos de colaboração premiada, despacharia em pedidos de prisão, decidiria sobre a prorrogação de inquéritos e analisaria solicitações de investigadores a respeito de temas como interceptações telefônicas e buscas.
O rigor ao determinar prisões provisórias antes dos processos foi um dos motivos que alimentaram à época a notoriedade de Moro, poder que ele não teria mais nesse novo modelo.
De março de 2014, quando foi deflagrada a primeira fase da Lava Jato, até novembro de 2018, quando Moro abandonou a magistratura para assumir cargo no governo Bolsonaro, foram ordenadas cerca de 180 prisões provisórias, entre temporárias e preventivas, em etapas anteriores aos processos no Paraná.
O trabalho dele junto aos investigadores incluía desde determinar o local de cumprimento da prisão provisória até a administração de bens apreendidos ou a avaliação de pedidos das defesas. Todas essas tarefas, no novo modelo, seriam de responsabilidade de um juiz diferente do que sentenciaria as ações penais da operação.
Só no caso do ex-presidente Lula, antes da abertura do processo, além dos episódios citados, Moro determinou a quebra de sigilo fiscal e bancário de 20 pessoas ligadas ao petista, incluindo quatro filhos, e a apreensão do acervo presidencial, composto por presentes recebidos nos mandatos.
Conforme a Folha de S.Paulo mostrou em dezembro, o Ministério da Justiça, em parecer enviado ao presidente da República, havia dito que a criação do juiz das garantias dificulta ou inviabiliza a elucidação de casos complexos, como crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, dois dos mais investigados na Lava Jato.
Publicamente, Moro criticou a sanção do juiz das garantias, mas disse que o projeto como um todo contém avanços. "Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente", escreveu ele em uma rede social, em dezembro.
A inclusão desse dispositivo no pacote idealizado por Moro foi visto como uma resposta do Congresso ao ex-juiz, que passou a ter sua atuação à frente da Lava Jato mais questionada a partir da divulgação de conversas no aplicativo Telegram pelo site The Intercept Brasil e por outros veículos.
Os diálogos mostraram colaboração de Moro com procuradores, como orientações sobre a ordem de fases da operação e a a sugestão de inclusão de uma prova em uma denúncia.
A aprovação da medida despertou críticas também da força-tarefa da Lava Jato no Paraná. O procurador Roberson Pozzobon, integrante da equipe, disse que a ideia não é essencialmente ruim, mas "conjunturalmente ruim como foi aprovada", pelo prazo curto para a implantação e pela estrutura judicial do país.
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