Contrariando a determinação do governador João Doria (PSDB) de que manifestações opostas não acontecessem no mesmo dia e local, grupos contra e a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) irão se manifestar na avenida Paulista no próximo domingo (7).
A decisão foi tomada em reunião na manhã desta sexta-feira (5) entre os organizadores de ambos os lados, convocada pela Polícia Militar e pelo Ministério Público. A Secretaria de Segurança Pública afirma, porém, que uma nova reunião foi marcada para a tarde desta sexta, o que pode alterar o cenário.
No domingo passado (31), um ato contra Bolsonaro convocado por torcidas organizadas acabou sendo dispersado por bombas de gás lançadas pela PM paulista. Na avenida Paulista, também havia uma manifestação a favor de Bolsonaro, e houve conflito entre as partes.
Para evitar que isso se repetisse, a PM tentou fazer com que um dos lados aceitasse mudar o dia ou o local da manifestação, mas não houve consenso na reunião.
As autoridades chegaram a sugerir que bolsonaristas se manifestassem na região do Ibirapuera, onde já existe um acampamento desses grupos, mas eles não aceitaram. Diante do impasse, ficou acertado que haveria as duas manifestações no domingo.
O ato a favor de Bolsonaro está marcado para as 11h em frente à Fiesp. Já o ato em oposição ao governo federal foi agendado para as 14h em frente ao Masp. Ele é organizado pela Frente Povo Sem Medo, de Guilherme Boulos (PSOL), e terá a participação das torcidas organizadas, como o movimento Somos Democracia, formado por torcedores do Corinthians.
Às 10h, no Masp, haverá protesto de movimentos negros contra o racismo.
Na reunião, ficou acertado que a PM isolará os dois atos. A estação de metrô Trianon-Masp deve ficar fechada para que os manifestantes não se encontrem ali -eles devem usar as estações nas extremidades da av. Paulista, Brigadeiro e Consolação.
A PM também informou aos organizadores que fará revista na saída das estações para apreender armas e objetos que possam ser usados para agressão.
Em entrevista à imprensa, o secretário de Segurança Pública do estado, general João Camilo Campos, disse nesta sexta-feira que a PM está preparada "da melhor forma" para controlar multidões nas manifestações e que irá atuar da mesma forma nos atos de sábado e domingo -dando a entender que as manifestações ocorrerão em dias diferentes.
Segundo ele, a PM adotará como estratégia o uso de agentes "mediadores", que vão estimular o diálogo entre os manifestantes para evitar que a "ordem seja quebrada".
Os atos contra o governo foram convocados ao longo da semana. Os eventos chegaram a reunir mais de 50 mil interessados.
Já a maior parte dos grupos pró-Bolsonaro, que vinham fazendo carreatas em São Paulo todos os fins de semana, afirmou que no próximo domingo atenderia ao pedido do próprio presidente e ficaria em casa.
No entanto, três pequenos grupos intervencionistas mantiveram a convocação para o domingo. "Eles defendem AI-5, artigo 142, coisas de que eu discordo", afirma o Major Costa e Silva, bolsonarista que costuma ir aos atos, mas pediu aos seus seguidores que fiquem em casa dessa vez.
Para Costa e Silva, essa minoria "quer confrontar-se com os antifascistas", e há "grande probabilidade de confronto". "Eu pedi às pessoas que não compareçam, justamente para evitar o confronto. Acho que com menos gente é mais fácil para a PM controlar e há menos chance de confusão", completa.
Nesta sexta, Bolsonaro voltou a pedir que seus apoiadores fiquem em casa. Ele cobrou que a Polícia Militar faça "seu devido trabalho" e sugeriu o uso da Força Nacional em manifestações que se denominam antifascistas caso "estes marginais extrapolem o limite da lei".
"Chamamos mobilização há uma semana. É uma manifestação organizada, com cara e com pessoas. A nós não interessam conflitos e provocações, isso só interessa ao bolsonarismo", afirma Boulos.
Devido ao confronto entre o protesto por democracia das torcidas e a manifestação em apoio a Bolsonaro, ambas na av. Paulista no domingo passado, o governo de São Paulo determinou que as manifestações deveriam ocorrer em dias ou locais diferentes, mas não estabeleceu os critérios de como isso seria feito.
Segundo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, a ideia da reunião foi resolver a questão com base em diálogo e consenso. Sarrubbo afirmou que manifestações contrárias no mesmo dia e local poderiam virar "campo de batalha" e colocar em risco a vida e a segurança dos manifestantes.
O risco de confrontos entre grupos opostos não é, contudo, a única polêmica em relação à manifestação do próximo domingo. A aglomeração vai contra as indicações de médicos e ocorre num momento em que o país bate recorde de mortos pelo novo coronavírus.
"O Ministério Público reconhece o direito de manifestação mesmo em tempo de pandemia, desde que regras sanitárias sejam seguidas", afirmou Sarrubbo à reportagem, mencionando o uso de máscaras e o distanciamento.
O risco sanitário, presente também nas manifestações bolsonaristas semanais desde o início da pandemia, não motivou até agora que o governo agisse para impedir ou dispersar as aglomerações.
Nesta quinta (4), partidos de oposição (PSB, PDT, Cidadania, Rede e PSD no Senado) publicaram nota pedindo que as pessoas não compareçam às manifestações devido ao risco de contaminação, embora apoiem as demais iniciativas pró-democracia, como manifestos.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, os movimentos suprapartidários a favor da democracia, que impulsionaram os manifestos, também não recomendam ir à manifestação por causa da pandemia.
Segundo a Frente Povo Sem Medo, haverá a distribuição de 4.000 máscaras na manifestação e uma brigada de saúde com cerca de cem voluntários para orientar o distanciamento mínimo. Além disso, os manifestantes estão orientados a usar máscara, óculos e álcool em gel e a não tocar em nada.
Até quinta-feira, nem bolsonaristas nem grupos pró-democracia haviam comunicado oficialmente às autoridades a intenção de fazer o protesto na av. Paulista no domingo, segundo integrantes do governo. A PM monitorou as redes sociais para entrar em contato com organizadores de ambos os lados e marcar a reunião.
O procurador-geral de Justiça, porém, afirma que as manifestações não podem atentar contra a democracia e o poder público, e que, caso isso ocorra, a PM deve apreender faixas e dialogar com os manifestantes para proibir os ataques às instituições.
"Não pode ser admitida manifestação que peça golpe militar, intervenção militar, fechamento do Congresso ou do STF. Isso atenta contra o Estado democrático de Direito", diz Sarrubbo.
De acordo com o procurador-geral, o procedimento da PM nesses casos deveria ser dissolver a manifestação, mas o Ministério Público não recomenda isso devido aos riscos.
"A ideia é dialogarmos com as pessoas que estão fazendo isso e, no momento da manifestação, a polícia, assim como apreende armas etc, possa e deva apreender esse tipo de coisa. Sempre por intermédio do diálogo, não é o caso de entrarmos em confronto e criarmos uma tragédia", completa.
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