Os gastos com cartão corporativo do presidente Jair Bolsonaro (PL) aumentaram em 2022, às vésperas da campanha eleitoral. Desde o primeiro ano de mandato, essas faturas têm ficado cada vez mais altas e atingiram recentemente o patamar de R$ 1,2 milhão por mês.
Nem mesmo em 2020, quando o cartão foi usado para bancar o resgate de brasileiros em Wuhan (China) no início da pandemia, o gasto foi tão alto. O Palácio do Planalto havia argumentado, na época, que as despesas do presidente estavam elevadas por causa da operação internacional.
A fatura média do cartão subiu de R$ 736,6 mil por mês no primeiro ano de governo para R$ 862,1 mil em 2020. Mesmo desconsiderando os custos do resgate, a despesa média fica em R$ 791,1 mil no ano em que a pandemia estourou.
Em 2021, o extrato do cartão do presidente ficou ainda mais caro — R$ 1,1 milhão por mês. Agora, de janeiro a maio de 2022, essa média subiu para R$ 1,2 milhão num período em que Bolsonaro intensificou a agenda pelo país em clima de pré-campanha à reeleição.
Esse aumento de despesas no início do ano colocou o chefe do Executivo em patamar recorde de despesas na comparação com os antecessores.
A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) gastou R$ 960 mil por mês na pré-campanha de 2014; e Michel Temer (MDB), R$ 560 mil em 2018 — quando chegou a ser pré-candidato. Os dados não são comparáveis com as gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já que houve mudança de regras sobre o uso do cartão.
A expansão das despesas sob Bolsonaro, contudo, não ocorreu apenas na comparação com o período pré-eleitoral. Na média de todo o mandato, o presidente também usou mais o cartão corporativo do que os antecessores.
Mesmo desconsiderando os custos com o resgate em Wuhan (que chegaram a R$ 847 mil), Bolsonaro registrou, em média, um gasto de R$ 875 mil por mês desde o início do mandato. Dilma teve uma média de R$ 787 mil por mês e Temer, R$ 491 mil.
Os dados são do Portal da Transparência do governo federal, que reúne informações de 2013 a maio de 2022 (fatura mais recente). Os valores foram corrigidos pela inflação.
Antes de assumir o governo, a equipe de Bolsonaro chegou a avaliar o fim desses cartões, que desencadearam um escândalo político com auxiliares do ex-presidente Lula, adversário de Bolsonaro na eleição deste ano. Os cartões corporativos, porém, ainda continuam funcionando.
O meio de pagamento foi criado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Eles são distribuídos a pessoas que ocupam postos-chave da gestão pública e cobrem despesas de urgência para a compra de produtos e serviços ou para a cobertura de gastos de viagens.
Na gestão Bolsonaro, as despesas vinculadas ao gabinete do presidente e a funcionários do Palácio do Planalto aceleraram a partir do segundo semestre de 2021, quando passaram a superar a marca de R$ 1 milhão por mês.
Os dados foram levantados com base nas faturas do CPGF (Cartão de Pagamento do Governo Federal) da Secretaria de Administração da Presidência da República, que cuida das despesas de Bolsonaro, da sua família e de funcionários próximos --por exemplo, da Casa Civil.
Os cartões corporativos do Palácio do Planalto são usados, entre outras despesas, para a compra de materiais, prestação de serviços e abastecimento de veículos oficiais. Também financiam a operação de segurança do presidente em viagens, além da manutenção e realização de eventos na residência oficial, o Palácio da Alvorada.
De olho na eleição, Bolsonaro intensificou a agenda de viagens em 2022. Até meados de maio, foram 41 dias fora de Brasília. No mesmo período de 2021, foram apenas 18 dias.
Os valores totais das despesas do cartão da Presidência são divulgados no Portal da Transparência, mas há sigilo sobre a maioria dos gastos, como alimentação e transporte do presidente.
O argumento é que são informações sensíveis da rotina presidencial e que a exposição pode colocar o chefe do Executivo em risco.
Procurado pela Folha, o Palácio do Planalto não quis se manifestar sobre o forte aumento nas despesas do cartão do presidente. A alta nesses gastos é investigada pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
No primeiro ano de governo, Bolsonaro prometeu mostrar aos veículos de imprensa o extrato de seu cartão corporativo pessoal, mas até hoje não o fez. "Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento quanto gastei de janeiro até o final de julho. Ok, imprensa?", afirmou na época.
Em 2019, o STF derrubou trechos de um decreto de 1967 para dar transparência a gastos do Palácio do Planalto, inclusive com cartões corporativos. No entanto, a "caixa-preta" não foi aberta.
Para a Artigo19, ONG internacional que defende o direito à liberdade de expressão e acesso à informação, a falta de exposição dessa despesa abre margem para corrupção.
"O gasto com cartão corporativo é um gasto público como qualquer outro, de acordo com a Lei de Acesso à Informação e outras leis que regem o princípio da transparência. Essas informações deveriam ser públicas; não só a fatura, mas também o destino do dinheiro", disse Júlia Rocha, coordenadora de acesso à informação e transparência da Artigo19.
Dilma, Temer e Bolsonaro tiveram as mesmas regras para uso dos cartões. A mudança de critérios ocorreu em 2008, ano em que a Folha mostrou um escândalo na utilização dos cartões corporativos durante a gestão de Lula.
Eles foram usados em 2007 para pagar despesas em lojas de instrumentos musicais, veterinária, óticas, choperias, joalherias e free shop. Na época, Lula adotou restrições, como limitação de saques, diante de compras abusivas realizadas com esse recurso.
A Vice-Presidência tem cartões próprios, cujos custos são separados. Segundo o governo, as faturas da Secretaria de Administração da Presidência só incluem os gastos do vice quando ele assume o posto de titular. Isso ocorre, por exemplo, quando Bolsonaro está em viagem internacional.
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