Num discurso na Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na noite desta quarta (15), o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter demitido diretores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, principal órgão de preservação dos bens culturais do país, depois que a instituição interditou uma obra do empresário Luciano Hang, um de seus mais notórios apoiadores.
Bolsonaro afirmou no discurso registrado em vídeo ter ficado sabendo que um pedaço de azulejo apareceu durante as escavações para a construção de uma loja da Havan, o que teria motivado as demissões.
"O que que é Iphan, com 'ph'?", pergunta Bolsonaro. "Explicaram para mim, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá."
A plateia de empresários ri e aplaude. Eles estavam reunidos para o evento Moderniza Brasil - Ambiente de Negócios, em São Paulo.
O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente", acrescentou Bolsonaro, dizendo ainda que havia muitos políticos interessados nos cargo e que o Iphan tem um poder de barganha "extraordinário".
Um representante do Iphan que não quis se identificar afirma que o governo está usando o órgão e a distribuição de cargos de livre nomeação para fins eleitorais, com o objetivo de arregimentar apoio da base evangélica para as eleições do ano que vem.
O informante cita como exemplo as mudanças recentes no tradicional prêmio Rodrigo Melo Franco, que desde 1987 agracia ações de preservação do patrimônio que mereçam destaque. O pastor Tassos Lycurgo, diretor do departamento de fomento do Iphan, substituiu na comissão do prêmio acadêmicos com doutorado por pessoas com ligação a setores evangélicos e um militar.
Além disso, diz o informante, os critérios do prêmio foram alterados, o que fez com que a transparência diminuísse. Escalar pessoas ligadas aos evangélicos para o Iphan -a exemplo da presidente do órgão, Larissa Dutra, indicada por Bolsonaro- pode atender interesses culturais desse setor e criar mecanismos que priorizam determinadas manifestações culturais.
Depois da divulgação do vídeo, o Ministério Público Federal (MPF) pediu nesta quinta (16) o afastamento imediato da presidente do Iphan, em caráter liminar. O MPF alega que o vídeo é prova de que há desvio de finalidade na nomeação e posse da atual presidente do Iphan.
"No caso em julgamento, sequer buscaram os agentes do ato ocultar a verdadeira motivação na nomeação e posse da ré Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, qual seja, a de 'não dar mais dor de cabeça' para o Presidente da República e seu círculo de 'pessoas conhecidas'", afirma o MPF.
Além dos ataques do presidente e da troca de funcionários do alto escalão do Iphan, foi sob o governo Bolsonaro que o conselho consultivo do Iphan, a instância máxima para tombamentos e registros de bens imateriais, ficou sem se reunir por um ano e oito meses. Esta foi a maior paralisação do Iphan em 65 anos -algo que não foi visto nem na ditadura militar.
Tombamentos e registros são as mais importantes formas de preservação do patrimônio do país. O Iphan tem em sua lista de bens tombados e registrados, por exemplo, o Teatro Oficina, em São Paulo, o centro histórico de Salvador, Rio de Janeiro e Ouro Preto, em Minas Gerais, entre outras cidades históricas, e acervos como o do Museu Lasar Segall, em São Paulo, e o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Tombar um imóvel e seu entorno pode atravancar o avanço de projetos imobiliários -restrição que o próprio presidente já disse opor.
Na famosa reunião ministerial de abril de 2020, o presidente ironizou que para preservar um "cocô petrificado de índio" o Iphan teria travado obras de Luciano Hang. "O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô, para a obra", disse Bolsonaro, na reunião.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta