O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores pressionaram o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a rever regras para vacinação contra a Covid-19 de adolescentes.
Feita às pressas e sem conhecimento dos técnicos do PNI (Programa Nacional de Imunizações), a decisão de orientar que jovens menores de 18 anos não sejam imunizados pegou de surpresa gestores do SUS, diretores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e até secretários de Queiroga.
O ministro atribuiu o recuo a dúvidas sobre a segurança e eficácia dos imunizantes em adolescentes.
Agora a Saúde orienta uso apenas da vacina da Pfizer em "adolescentes de 12 a 17 anos que apresentem deficiência permanente, comorbidades ou que estejam privados de liberdade".
A decisão de Queiroga irritou gestores da rede pública. Os conselhos de secretários de saúde de estados (Conass) e municípios (Conasems) não recomendaram suspender a vacinação.
As entidades também cobraram posição da Anvisa, que aprovou o uso do imunizante da Pfizer para jovens de 12 a 17 anos mesmo sem comorbidade. No fim da tarde, a agência disse que investiga relatos de reações adversas, mas que não há razão para mudar a bula da vacina.
Integrantes do governo e gestores do SUS que acompanharam o recuo dizem que a pressão de Bolsonaro pesou, mas também citam como decisivo o temor da Saúde de que faltem vacinas.
Na leitura de secretários ouvidos pela reportagem, não há obrigação de seguir o que o PNI orienta. Mas aplicar em jovens vacinas que não são da Pfizer, a única aprovada para menores de 18 anos, pode ser enquadrado como infração sanitária. Questionado, o Ministério da Saúde não respondeu se pode haver alguma penalidade.
Para secretários locais de saúde, o ministro acabou esgarçando o diálogo e feriu a lógica "tripartite" do SUS, pois passam pela União, estados e municípios as decisões mais sensíveis do sistema.
"Ao implementar unilateralmente decisões sem respaldo técnico e científico, coloca-se em risco a principal ação de controle da pandemia", disseram Conass e Conasems em nota conjunta. As entidades ainda afirmaram que o país ainda apresenta "situação epidemiológica distante do que pode ser considerado como confortável."
Integrantes dos conselhos chegaram a avaliar desembarcar, em protesto, de fóruns de discussões que envolvem o ministério, mas não há ainda decisão tomada.
Em declaração à imprensa nesta quinta-feira (16), Queiroga reconheceu que Bolsonaro fez questionamentos sobre a vacinação dos jovens.
"O presidente me cobra todo dia essas questões de vacinação, sobretudo com essa questão dos adolescentes", disse o ministro.
"O presidente é muito preocupado com o futuro do país. Hoje mesmo ele me ligou: 'Queiroga, olha aí'. Sim senhor, presidente, pode ficar tranquilo que vamos olhar isso aqui com cuidado", afirmou ainda. O ministro não deu detalhes sobre o que pediu o presidente.
Aliados de Queiroga e integrantes do governo que acompanharam o recuo afirmam que Bolsonaro fez cobranças a partir de declarações que circulavam nas redes sociais de supostas reações adversas das vacinas.
Em transmissão nas redes sociais na noite desta quinta, Bolsonaro disse que tem "uma opinião" sobre vacinação de jovens, e que Queiroga "segue ou não".
"A minha conversa com Queiroga não é uma imposição. Levo para ele o meu sentimento, o que eu leio, vejo e chega ao meu conhecimento. A OMS [Organização Mundial da Saúde] é contra a vacinação de 12 a 17 anos. A Anvisa é favorável a vacinação de todos os adolescentes com a Pfizer. É uma recomendação, você é obrigado a seguir a recomendação?", disse Bolsonaro a Queiroga.
A OMS não é contra vacinar adolescentes. Diz apenas que é mais urgente vacinar pessoas mais velhas ou com outras doenças. Já a bula da Anvisa deve ser seguida.
Queiroga ainda tentou, com a mudança, fazer novo agrado ao presidente para se manter no cargo.
Na lista de acenos do ministro a Bolsonaro há ainda o aval ao estudo para desobrigar o uso de máscaras, contrariando recomendações de especialistas, e elogios recentes ao ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello.
Para justificar a mudança na orientação da campanha de imunização, Queiroga também citou ainda uma suposta relação do uso da vacina da Pfizer com a morte de jovem no estado de São Paulo.
Em nota, o governo paulista disse que o caso está sob apuração e chamou de "irresponsável a disseminação de qualquer informação que traga medo e insegurança aos adolescentes e familiares".
A orientação de impedir a vacinação de parte dos adolescentes foi construída sem alarde e chegou na noite de quarta-feira (15) aos gestores do SUS, data em que o PNI planejava, desde o começo de setembro, abrir a campanha para os menores de 18 anos.
Ainda na noite de quarta, Queiroga enviou um áudio ao programa Os Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, no qual afirmou que adolescentes "sem comorbidade, no momento, não serão considerados para a vacinação para a Covid".
A gravação era uma resposta às críticas do programa sobre a vacinação dos jovens. Um dos motores da campanha para não vacinar ainda os adolescentes é Ana Paula Henkel, ex-atleta de vôlei e comentarista da rádio.
Em 13 de setembro, ela publicou no Twitter que a Saúde não recomendava a aplicação das doses em menores de 18 anos, quando a pasta, na verdade, já planejava imunizar o grupo.
Henkel celebrou nesta quinta o recuo do Ministério da Saúde e disse, no Twitter, que Queiroga "mostra liderança na proteção de nossas crianças e adolescentes".
Presidente do Conass e secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula disse que a decisão de restringir a vacinação dos adolescentes é o maior golpe que o PNI recebe em quase 48 anos de atividades.
"Sempre achei que a gente poderia perder esse patrimônio diante de tudo isso que aconteceu no combate à pandemia, mas não [por gesto] vindo de um ministro da Saúde", afirmou Lula.
Após serem pegos de surpresa, membros da cúpula da Saúde foram chamados ao gabinete de Queiroga para alinhar o discurso sobre o recuo no começo da tarde desta quinta. Um aliado do ministro afirmou que a decisão foi precipitada e que a pasta será forçada a mudar de posição em algum momento.
Aos jornalistas, Queiroga disse que 3,5 milhões de jovens desse grupo receberam ao menos uma dose antes do prazo apropriado. Ainda afirmou que cerca de 20 mil jovens receberam vacinas que não eram da Pfizer, a única autorizada para menores de 18 anos.
O plano do governo federal era começar a vacinação de adolescentes somente na quarta, mas Queiroga observou que alguns locais abriram a campanha para menores de 18 anos ainda em agosto.
O ministro também disse que a imunização não pode ser uma "disputa de F-1" e afirmou que alguns gestores parecem querer apresentar resultados da campanha como troféus.
"O que nós dizemos: idosos a partir de 70 anos devem receber a dose de reforço a partir do dia 15 [de setembro]. Basta olhar o que vocês publicam: 'já começamos a vacinar idosos com a terceira dose', como se isso fosse um troféu a ser exibido", disse Queiroga.
Procurado, o Palácio do Planalto disse para a reportagem buscar o Ministério da Saúde. Já a pasta de Queiroga disse que a posição do ministro já foi exposta na entrevista coletiva.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta