O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) escalou o vice-presidente Hamilton Mourão (sem partido) para intervir diretamente na gestão de uma crise privada que envolve denúncias sobre a atuação Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) em Angola. Com as pesquisas que sinalizam a erosão do eleitorado evangélico, Bolsonaro colocou o governo para atuar como mediador de um problema sem nenhuma relação institucional com a República.
Mourão confirmou ao Estadão que esteve com o presidente de Angola, João Lourenço, na semana passada, e que tratou diretamente do assunto, atendendo a um pedido expresso de Bolsonaro. "Por orientação do PR (presidente da República), conversei com o presidente angolano", afirmou, numa referência ao embate na Universal. "A diplomacia está buscando uma forma de fazer com que as partes se entendam."
Em uma viagem de três dias a Angola, onde o objetivo oficial era participar da reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o vice-presidente se reuniu na sexta-feira passada com o presidente João Lourenço e pediu a intermediação para resolver o conflito na igreja. Para cumprir a missão, o vice deixou o Brasil mesmo com Bolsonaro hospitalizado.
Integrantes da Universal disseram ao Estadão, porém, que ainda não há perspectiva de que a crise seja resolvida. A briga começou ainda em 2019, quando integrantes da igreja evangélica no país africano se rebelaram contra a direção brasileira da Universal – comandada pelo bispo Edir Macedo – e divulgaram um manifesto que acusa o comando geral de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e racismo. Representantes da igreja no Brasil foram removidos de postos-chave em Angola e a filial da TV Record foi fechada naquele país.
No mesmo dia em que conversou com o presidente de Angola, Mourão deu entrevista à Agência Lusa, de Portugal, e cobrou uma solução para o conflito. "Essa questão da Igreja Universal aqui afeta o governo e a sociedade brasileira pela penetração que essa igreja tem e pela participação política que ela possui (no Brasil), com um partido que é o partido Republicanos, que representa o pessoal da igreja", argumentou o vice.
O Estadão não conseguiu contato com a Universal para comentar o assunto. A Record não se manifestou sobre o tema.
Fundada e liderada por Edir Macedo, que também é dono da TV Record, a Universal é um dos polos de apoio ao governo de Jair Bolsonaro. O grupo é representado no Congresso pelo partido Republicanos - que faz parte do Centrão e da base aliada do Palácio do Planalto - e controla o Ministério da Cidadania, hoje sob o comando do deputado João Roma, da ala laica da legenda.
Embora a disputa na Universal não seja nova, Bolsonaro tem sido cada vez mais chamado a intervir e muitos de seus seguidores evangélicos ameaçam nas redes sociais até mesmo não apoiá-lo na campanha à reeleição.
Os bispos da igreja no Brasil chegaram a se queixar da falta de apoio do Ministério das Relações Exteriores nessa questão. A Record tem feito críticas ao Planalto sobre o assunto e acusado Bolsonaro de omissão no caso. "O Ministério das Relações Exteriores, que deveria proteger os brasileiros em Angola, falhou na missão. E o governo brasileiro também foi omisso, e não atuou de forma ativa para evitar a deportação dos missionários", declarou o apresentador Luiz Fara, no Jornal da Record, o principal programa jornalístico da emissora, no fim de maio.
Em outra tentativa de ajudar a Universal, Bolsonaro resolveu indicar o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos) para embaixador do Brasil na África do Sul. Com o cargo, Crivella - que é bispo da igreja e sobrinho de Edir Macedo - teria influência para tentar resolver o conflito do grupo no continente africano. A articulação está travada porque Crivella, após ser alvo de denúncias de propina quando era prefeito, teve o passaporte retido.
O Palácio do Planalto também tenta organizar uma missão diplomática ao país africano, que seria comandada pelo presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), também bispo licenciado da Universal. Mas Angola resiste a aceitar a delegação e usa a pandemia da covid-19 como justificativa.
Pelo censo demográfico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Universal tem cerca de 1,8 milhão de fiéis no Brasil. Segundo números da própria igreja divulgados em julho de 2020, no aniversário de 43 anos do grupo, a Iurd tem sete milhões de fiéis e simpatizantes no País.
Pesquisas de intenção de voto indicam que Bolsonaro tem perdido apoio até mesmo entre o público evangélico, que hoje é o mais fiel a ele, e se movimenta para impedir que esses apoiadores migrem para a candidatura do petista Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.
Enquanto isso, Lula tenta avançar sobre eleitores evangélicos e deve lançar até mesmo uma carta endereçada a esse segmento na campanha. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a suspeição do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Lula usou o seu perfil no Twitter para também atrair esse eleitorado. "Deus esteve em cada momento nas coisas que vivi. Inclusive na minha prisão", escreveu.
No mês passado, Lula se reuniu e tirou foto com o bispo Manoel Ferreira, líder da Assembleia de Deus de Madureira. O bispo já apoiou o petista e a então presidente Dilma Rousseff, mas, desde 2018, está com Bolsonaro. A foto foi interpretada, até mesmo no Planalto, como um sinal de que o presidente precisa agir para manter esse segmento a seu lado na eleição de 2022.
Não é apenas Lula que está atrás desse público. O ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência, também gravou vídeo, recentemente, no qual aparece com a Bíblia em uma mão e a Constituição em outra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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