O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez uma doação irregular em dinheiro vivo para a campanha deste ano de reeleição de seu filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) à Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
De acordo com dados disponibilizados pelo candidato ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o presidente fez um depósito de R$ 10 mil em espécie na conta da campanha do vereador.
A prática, da forma como descrita, contraria resolução do ano passado do TSE sobre regras para as doações eleitorais. Segundo o tribunal, contribuições em dinheiro acima de R$ 1.064,10 só podem ser feitas mediante transferência bancária ou cheque cruzado e nominal.
Procurados, o Palácio do Planalto e o vereador não comentaram o caso até a publicação desta reportagem.
A regra foi criada em 2015 para evitar lavagem de dinheiro nas eleições. Transações em espécie não configuram crime, mas podem ter como objetivo dificultar o rastreamento da origem de valores obtidos ilegalmente. Atualmente, esse tipo de movimentação é comunicada automaticamente ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) quando ultrapassa R$ 10 mil.
Em manifestação em 2018, a PGR (Procuradoria-Geral da República) afirmou que "depósitos em espécie abrem margem para a prática de fraudes, como o uso de 'laranjas'".
"Além disso, a simples inclusão de CPF informado pelo depositante dificulta o controle sobre a real origem do dinheiro, que pode ter vindo de fonte vedada", afirmou a PGR em 2018, ao divulgar a reprovação de contas de um candidato a prefeito de Rolim de Moura (RO) em razão da prática.
O advogado Alexandre Di Pietra, especialista em contas partidárias e eleitorais, afirma que há um monitoramento para avaliar a capacidade econômica dos doadores, o que exige o uso do sistema financeiro.
"O limite existe para dificultar a lavagem de dinheiro. Tem que haver uma fonte lícita para aplicação de recurso na eleição. O Nije [Núcleo de Inteligência da Justiça Eleitoral] analisa o banco de dados, identifica o doador, se é regular e se tem capacidade econômica. Se não tiver, emite um alerta para o TCU."
De acordo com a resolução do TSE, o dinheiro depositado irregularmente não pode ser usado pelo candidato e deve ser devolvido ao doador. Caso seja utilizado, pode impactar na análise das contas eleitorais pelos tribunais.
Carlos ainda não apresentou despesas de campanha ao TSE. Além dos recursos doados pelo pai, o vereador também transferiu R$ 10 mil de sua própria conta bancária para a conta de campanha.
"Ele tem que devolver o dinheiro para o pai, e a doação tem que ser feita por transferência ou cheque", afirmou Di Pietra.
O vereador declarou ter R$ 20 mil em dinheiro em espécie como patrimônio. Ele já havia feito declaração semelhante nas eleições de 2012 e 2016.
O jornal Folha de S.Paulo mostrou no mês passado que o presidente e seus filhos fizeram sucessivas doações em dinheiro vivo para irrigar suas campanhas eleitorais de 2008 a 2014. No total, foram injetados R$ 100 mil em espécie nesse período -corrigidos pela inflação, os valores chegam a R$ 163 mil.
A prática funcionou por meio de autodoações em dinheiro vivo e de depósitos em espécie feitos por um membro da família em favor de outro. Em duas candidaturas, a utilização de cédulas foi responsável por cerca de 60% da arrecadação da campanha.
O uso frequente de dinheiro vivo no financiamento eleitoral repete hábito da família Bolsonaro de pagar contas pessoais e até quitar parcelas de imóveis com recursos em espécie, costume atualmente investigado no caso das "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Carlos também é alvo de investigação do Ministério Público sob suspeita de empregar funcionários-fantasmas em seu gabinete na Câmara. A prática é apontada pela Promotoria como uma forma de alimentar a "rachadinha", suspeita que também recai sobre o vereador.
Jair Bolsonaro, quando deputado, também empregou funcionários-fantasmas em seu gabinete. Uma delas, a personal trainer Nathalia Queiroz, transferiu cerca de 80% de seu salário obtido no gabinete de Jair na Câmara para o pai, Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro da suposta "rachadinha" no gabinete de Flávio.
O elevado uso de dinheiro vivo nas campanhas destoa da prática de outras candidaturas bem-sucedidas naqueles anos.
Reportagens e dados obtidos por órgãos de investigação mostraram que a família Bolsonaro, especialmente na figura do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), já movimentou mais de R$ 3 milhões em dinheiro vivo nos últimos 25 anos.
Entre as operações em espécie, segundo as apurações, estão a compra de imóveis, a quitação de boletos de planos de saúde e da escola das filhas de Flávio, o pagamento de dívidas com uma corretora e depósitos nas contas da loja da Kopenhagen da qual o senador é dono.
O Ministério Público do Rio de Janeiro suspeita que o filho mais velho do presidente tenha utilizado recursos obtidos com o suposto esquema de devolução de salários em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para permitir essas operações em benefício pessoal.
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